Capítulo 10

25 3 0
                                    

    Ochoro se intensificou até meu nariz assumir um tom avermelhado e meu rosto seencharcar. Mas não era um choro doído, eu ainda estava sorrindo. Depois dealguns meses acompanhada do luto e sofrimento causado com sua ausência, passei a ter ainiciativa de alimentar em mim todos os dias e em todas os momentos em que elainvadia meu pensamento suas boas lembranças, os momentos mais inesquecíveis em que ela estava presente,sua risada, seu olhar firme e doce ao mesmo tempo, seu perfume, seu abraçocaloroso, suas metáforas, seu sorriso e principalmente sua capacidade de transformartodos os meus dias em festa em minha memória, para vovó não havia tempo ruim.Como ela mesma costumava dizer '' Não importa a cor do céu nem o que a tenhamagoado, o que ilumina e torna dia mais bonito é você '' eu quase podia escutarsua voz com essa lembrança em especial. 


   A corrente de lágrimas naquele momento eram por um choro saudoso. Uma saudade linda que já havia conquistado e invadido cada cantinho dentro de mim e sentiu a necessidade de sair pra fora. Era impressionante admitir que mesmo já se completando um ano sem ela, eu ainda  sentia que a amava cada vez mais que descobria algo novo sobre ela, vovó era como um verdadeiro mapa do tesouro e pela casa havia dezenas de seus tesouros que cada vez revelavam mais sobre a mulher incrível que era e sempre será, e aonde estivesse a única coisa que eu desejava é que ela pudesse sentir esse meu amor, como eu havia me apegado e conservado o dela.


Aos poucos os soluços foram cessando, as batidas do meu coração se acalmando e eu fechei os olhos respirando fundo. Desfiz a força com que ainda segurava o livro e o depositei em meu colo enquanto enxugava os olhos com as costas da mão, continuei porém, sorrindo.

Antes de me levantar fiz questão de devolver com todo cuidado o livro de volta a caixa exatamente onde estava, sem ler mais do que uma pagina. Com certeza era um dos tesouros mais preciosos de vovô. O amor da mulher que escolheu para ser sua o resto da vida e que o havia escolhido estava carimbado por suas próprias mãos e pensamentos naquelas folhas, em palavras descritas unicamente a ele, para ocupar sua memória pelo resto de seus dias sem sua presença física.

   A biblioteca já havia assumido um tom escuro, as silhuetas dos ipês sem flores ou folhas do jardim, já deixavam suas sombras passando pela janela e se espalhando na parede cor de creme do qual tantas lembranças estavam incrustadas. Me levantei depressa e ajeitei a barra um pouco amassada do vestido caminhando até a porta, o cômodo ainda meio vazio e já ao cair da noite despertava um aspecto um pouco assustador sem o meu avô ali.


   Ao fechar a porta já do lado de fora voltei minha atenção ao cheiro delicioso do tempero único da minha mãe agora preenchendo e vagando pelos cantos da casa inteira, despertando em mim ainda mais fome do que antes, se é que fosse possível.

   Fui seguindo o cheiro pelo corredor pouco iluminado até a encontrar na cozinha, aonde como sempre estava correndo pra lá e para cá, revezando entre o fogão, a pia, a bancada e entre cortar os legumes em sintonia.


    Eu ri da cena que encontrei. Já se passava algum tempo desde que mamãe havia estendido o seu turno de aulas para a noite, que eu não a via na cozinha naquela correria toda que ela já estava habituada e que me divertia tanto desde pequena.

     Entretida em cuidar da cozinha toda ao mesmo tempo, ela mal percebeu minha presença. Me encostei na porta aproveitando sua distração para matar as saudades de estar assim perto dela, sem ela ter algum compromisso e precisar sair correndo como tem sido a última semana.

   A observando era impressionante como mamãe parecia nunca envelhecer, sempre tão jovem, pouquíssimas marcas de expressão que ela corrigia com maquiagem, os cabelos de um negro sem igual, uma mulher linda, e com certeza muito forte. Sem dúvidas depois da morte de vovó eu passei a admira-la ainda mais, suas forças foram colocadas a prova de todas as maneiras possíveis. Fez questão de cuidar de toda a documentação e cada detalhe sozinha para que nem eu, nem vovô precisássemos pensar nisso, não aceitou nem a ajuda de papai, cuidou para que pudéssemos viver o nosso luto sem provações enquanto ela esquecia de viver o dela. Se recusou a ficar de licença e se afastar da escola por mais do que dois dias e em vez de chorar, reverteu seu luto em força e guardou para si tudo que ela havia compartilhado com vovó, guardou sua mãe no seu coração e se convenceu que precisava seguir em frente.

Para Onde Iremos ?Onde histórias criam vida. Descubra agora