REBECA
Os ponteiros do relógio continuaram a migrar de número em número sem parar e a conversa entre os meus pais não havia perdido o entusiasmo, porém havia se tornado algo abafado pra mim, como se estivesse ao longe e não na minha frente. Eu estava ali fisicamente mas meus pensamentos estavam navegando entre interrogações, eu sabia que no momento em que abrisse a boca para jogar todas elas fora aquele clima aconchegante de uma conversa agradável e todos juntos iria se desfazer na hora.
Sabia e sentia todos os dias o quanto meus pais me amavam mesmo que não estivessem presentes sempre . E via o quanto amavam um ao outro também. E se isso abalasse toda essa estrutura da minha família ? Antes do que eu e mamãe havíamos conversado na cozinha algumas horas antes eu já supunha que ela iria surtar, mas depois de tudo, estávamos tão próximas que eu não conseguia imaginar qual seria a reação dela, ou a do meu pai. Seu sonho era ter tido um filho homem que compartilhasse com ele, a paixão que ele possuía em ser policial, ou servir ao exército, nenhum deles tinha ideia que eu sabia disso, mamãe sempre evitou o assunto quando eu a confrontava. E se ele se decepcionasse muito comigo ? Apesar de eu não ser bem o seu sonho eu tinha certeza que ele me amava incondicionalmente e também que vivia dizendo aos amigos o orgulho que sentia de mim cursar direito, ele sempre me dizia que eu seria uma grande mulher. E se passasse a duvidar disso e perdesse a fé em mim ? E seu nunca descobrisse algo em que eu tivesse haver comigo ? Eu não fazia a mínima ideia do que eu queria, e se eu não conseguir outra faculdade ? Ou um emprego e uma estabilidade pra minha vida ?
Meus olhos já estavam cheios de lágrimas, mas do jeito que essas dúvidas vieram, também tratei de engoli – las e desapareceram assim que me dei conta que minha mãe estava se levantando da mesa devagar – ainda mantendo a atenção no meu pai – para tirar a mesa.
E num impulso.
- Mãe espera.
No primeiro instante ela se assustou com o tom de urgência na minha voz.
- O que houve filha?
- Não levanta agora. Senta... Por favor preciso muito conversar com vocês.
Vovô se levantou em silêncio, me causando um desespero interno ao imaginar aquela conversa sem ele ali do meu lado.
- Aonde vai vovô ?
- É um assunto delicado para ser discutido em família Beca.
- Mas o senhor faz parte da família vovô.
Lancei-lhe um olhar o implorando para ficar. Minha coragem estava se esvaindo eu nem sequer cogitei aquela situação sem o meu avô, imaginei que ele me ajudaria caso as coisas ficassem muito ruins. Mas, sozinha... Eu não fazia ideia de como dizer, o que fazer...
- Minha presença não é necessária querida, você vai se sair bem.
Ele tentou me encorajar mais não funcionou muito.
Vovô me dirigiu um olhar caloroso antes de deixar a sala de estar e a mim.
- Filha... O que está acontecendo ?
Foi ai que eu voltei a encarar meus pais totalmente paralisada demorando um pouco no rosto de cada um. Minha mãe estava cautelosa como sempre, e ambos, ela e papai olhavam para mim aguardando que dissesse algo.
- E-eu... Eu
As palavras se atolaram na minha garganta, como se estivessem vido todas ao mesmo tempo, uma atrás da outra até se embolarem e se ajuntarem em uma bola de neve sem ter passagem para sair.
