Capítulo 14 - Rebeca

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Talvez eu tivesse ido longe demais...

   Pela vigésima vez enquanto contemplava as constelações se formando na imensidão do céu negro da varanda do meu quarto, me perguntava se talvez eu não tivesse passado dos limites. Era um assunto delicado pra ela, eu sabia, num momento de raiva a gente age mesmo sem pensar, talvez todo aquele medo que eu estava sentindo fosse um pressentimento, apesar de que eu não estava me sentindo arrependida por ter exposto os meus sentimentos, foi exatamente isso que eu queria fazer, eu precisava falar e precisava que eles me ouvissem pelo menos uma vez, e eu fiz, eu consegui vencer os minhas dúvidas, queria poder me sentir feliz com isso.

    Mas talvez eu tivesse mesmo ido longe demais a acusando assim, apesar de que me obrigar a ir embora para cursar direito mesmo sabendo que não é o que eu quero pra mim foi surreal, ela é a minha mãe, mas não tem esse direito eu nunca imaginei que ela fosse perder o controle assim e agir daquela forma, do mesmo jeito que eu não imaginava que quem de fato me ouviria e ficaria do meu lado seria o meu pai. Eu já estava me preparando para a decepção que causaria nele, imaginei que ele iria levantar da mesa e me falando sozinha como minha mãe fez. Mas nesse caso a última palavra foi dela.

   Confesso que ter visto ela deixar a cozinha naquele estado acabou comigo, eu fiquei sem reação, e se meu pai não tivesse me assegurado que ela ficaria bem, que tudo ficaria bem, eu  teria desmoronado ali mesmo.

    Ainda dava para ouvir o som dos dois discutindo mesmo que o meu quarto fosse no fim do corredor e por isso também tive que fechar a porta me trancando do lado de fora, na varanda, já estava me sentindo culpada demais por ser eu o motivo da briga deles, precisava silenciar meus próprios pensamentos e ter um pouco de paz.

    Apesar do dia ter sido extremamente quente, a noite estava completamente o oposto. Ventava forte entre as árvores, um vento congelante que fazia as lágrimas no meu rosto me causarem a sensação de serem cubinhos de gelo. No inicio acreditei que fosse chover, mas apesar da ventania eu ainda conseguia ver as estrelas no céu, então descarto esse palpite.


   Eu sempre achei o céu, uma obra pura de poesia - precisamente depois que vovó passou a fazer parte dele -. Esse hábito começou com ela que era poesia em pessoa e tinha um dom admirável de ver, e colocar sentimento em tudo que fazia. Ela era única, a pessoa mais inspiradora que eu já conheci.

   Quando era mais nova eu amava me sentar aos pés dela para ouvi-la falar do céu, ela via beleza até nos dias nublados e tinha algo sempre novo para observar. Eu não conseguia vê-lo da forma como ela descrevia, o me entretinha era observar a paixão com que ela falava, a paixão com que ela o via, ela poderia ficar horas no balanço da varanda sem dizer nada, apenas o contemplando, como se mantesse uma oculta intimidade com ele, como se conversassem em silêncio.

  Eu só fui entender mesmo como se sentia, quando ela se foi, na noite exata em que ela partiu enquanto todos choravam na sala, eu fui me sentar no balanço com a minha dor, as minhas lágrimas e lembranças. Me lembro como se fosse a poucos dias, eu olhei para o céu e materializei no meio de tantas estrelas os seus doces olhos, e o seu sorriso, sorrindo pra mim, e uma estrela então passou a brilhar que todas as outras, uma onda de sentimento me invadiu, uma onde de calor e paixão,e  eu finalmente consegui ver o que ela via lá em cima. O céu nunca mais foi o mesmo pra mim.


    Eu passei a ver toda aquela imensidão e beleza com os olhos do coração, de dentro pra fora, exatamente como ela fazia. Passei a ver cada novo dia, cada novo amanhecer e cada novo por do sol, exatamente como são, pequenos grandes milagres que eu sinceramente não sei mais viver sem.

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