Capítulo 16

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      Após adentrar uma estrada de terra cheia de pedra soterrada e subir um morro extenso, vovô me avisou que a primeira – e aparentemente única – casa que nós víssemos era para onde estávamos indo.

- E o que tem lá ?

- É um rancho de um velho amigo de infância, tenho certeza de que irá gostar.

    Não demorou muito com os olhos atentos na estrada e mãos firmes no volante enxerguei entre as arvores que beiravam a estrada uma luz fraca do que parecia ser uma varanda, adentrei um pouco o mato adiante e com calma estacionei o carro.

- O senhor tem certeza de que ele ainda mora aqui ? Não vejo muitas luzes acesas vovô

- Tenho certeza. Perguntei por ele em um bar da cidade mais cedo... Sempre soube que ele jamais abandonaria esse lugar.

    Vovô disse pensativo observando a propriedade que pouco se mostrava a noite. Mesmo assim e com pouquíssimas luzes tinha certeza de que ele conseguia enxergar boas lembranças desse lugar.

- Então... vamos ?

Ele se voltou para mim e deu um sorriso.

- Vamos querida !

    Depois de muita insistência vovô pôs o seu braço no meu para o ajuda – ló a se apoiar para descermos a pequena ladeira em que eu havia deixado o carro, até a entrada da propriedade.

    Não haviam muitas luzes iluminando o caminho repleto de pedras e aquela hora da noite as chances de tropeçar e descer o morro em que havíamos subido rolando, eram grandes.

- Tome cuidado vovô.

- Venha! Vamos entrar

    Tudo estava silencioso em volta, o único som que era possível ouvir, era o alto canto das cigarras que passavam a impressão de estar em todo lugar, e um breve chiar do que pareci ser uma cachoeira ou uma nascente ao longe.

   Vovô trilhou o caminho até a varanda sem dificuldade junto em sua bengala como se já o tivesse feito muitas vezes, eu o segui com mais dificuldade atenta ao que havia a frente. Mas próximos da luz fraca da varanda percebi um sino com o que parecia ser uma campainha, vovô o tocou... Uma, duas, até três vezes sem resposta, ficamos aguardando em silêncio, porém nada pareceu se mexer lá dentro ou em nenhum outro lugar a nossa volta. 

   Nenhuma voz nos respondeu e ninguém apareceu para abrir a porta mas vovô continuou intacto como se tivesse certeza de que alguém sairia.

- Vovô...

- Ele está aqui, confie em mim.

    E mais uma vez tocou o sino.

- Bom, ele pode estar dormindo.

    Vovô checou o relógio de pulso apertando bem os olhos sobre a pouca luz.


- Não...

      Vovô observou com atenção um caminho gramado ao lado da varanda muito bem cuidado que na certa levava a algum lugar que ele também já conhecia. Enquanto dávamos a volta na casa devagar para não tropeçar no escuro não consegui deixar de reparar objetos grandes encostados na beirada que projetavam sombras assustadoras, procurei meu celular na jaqueta, apesar da bateria fraca consegui iluminar o suficiente para conseguir enxergar, peças enferrujadas do que pareciam ser carros e motos, muitas delas espalhadas, encostada mais a frente havia uma moto inteira, um modelo antigo reparei, um dos meus preferidos, com certeza ele havia conseguido em um leilão de colecionadores, era linda.

    Não consegui conter o interesse e me aproximei tocando sua lataria devagar desligando os dedos por ela, não sabia muito sobre motos, gostava de estudar seus modelos em geral e sabia o essencial para pilotar uma, ou ao menos tira- la do lugar, mamãe jamais me deixaria ter uma então não me iludia muito com a possibilidade pelo menos por alguns anos. Mas isso não impedia que o meu coração palpitasse nesse momento só por estar perto de uma, de fechar os olhos e imaginar a sensação quase real do meu cabelo esvoaçando pelo vento, de ser tocada por ele em uma sensação de total liberdade, a adrenalina....

- Rebeca... O que foi ?

- Nada... nada demais vovô

  Me apressei em alcança-lo deixando essas sensações apenas na minha imaginação.

    Eu tinha de me conformar com isso, querendo ou não enquanto vivesse sobre o teto da minha mãe eu precisava me acostumar a voos baixos ou ela iria podar minhas asas de vez. Não que ela fosse má, ou algo do tipo, ela só tinha um medo muito grande de me perder, e isso fazia com que ela não me deixasse voar alto demais e consequentemente não correr o risco da queda, como também não poder enxergar novos horizontes.

- O que você viu lá atrás ?

    Vovô me perguntou assim que o alcancei. Alisei a jaqueta demorando alguns segundos antes de o responder.

- Era... Uma moto – me virei e apontei para os grandes objetos e suas sombras sob o escuro da noite – são peças de carros desmontados, ele trabalha como mecânico ?

   Vovô sorriu e me olhou daquele jeito em que sabia exatamente o que se passava ali. Com aquela capacidade que só ele tinha de saber o que escolhi não dizer como se o seu olhar fosse muito mais além, e ele conseguisse enxergar nitidamente o meu caos de dentro.

- Vamos descobrir.

   Vovô sabia o que estava fazendo, e tive a confirmação disso quando atrás da casa, em uma enorme garagem, havia finalmente uma luz acesa.

   Ele olhou para a garagem nostálgico e se aproximou aos poucos encontrando lá dentro quem ele procurava.


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