Capítulo 8 - Continuação

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    Em poucos minutos eu estava vagando pelas ruas do quarteirão com a mesma roupa do dia anterior, mesma calça escura ,mesmo coturno, mesma camiseta e o bracelete que o meu pai havia me presenteado quando completei quinze anos, era idêntico ao que ele sempre usava, nosso último aniversário juntos, estava um pouco apertado mais eu jamais o tiraria, era mais uma lembrança que eu carregava comigo, uma presença dele em mim, dessa lembrança eu particularmente gostava e guardava, apesar de nunca termos sido próximos, sentia que era algo que nos unia.


    Saí de casa o mais rápido, agradecendo mentalmente por Elisa ter desistido de continuar atrás da porta quando a abri, e com isso não ser obrigado a dar uma explicação sobre fuga da casa do um avô em plena noite de ano novo e fora a bebedeira da noite anterior. '' Porque eu quis '' era tudo que sabia dizer, o que nunca a satisfazia, claro, muito menos convencia, e eu não estava com saco para escutar o sermão do '' você precisa crescer Jonas '' que vinha logo depois, e eu já sabia de cor. A vantagem de uma casa exageradamente grande para duas pessoas era essa. Por incrível que pareça aquele dia eu também não estava afim de vê-la decepcionada comigo mais uma vez, a única pessoa acreditava na minha mudança era ela, e seu Manuel e antes de tudo Anne também. Talvez eu estivesse me cansando de dar tanto trabalho a ela, ou talvez eu só não quisesse vê-la como sempre.

    O cemitério ficava a três quarteirões de casa, e quando se chegava no último quarteirão, se encontrava pouquíssimas casas e centenas de arvores e bancos espalhados para conversas, consolos,paz... o silêncio e a tranquilidade reinava ali. Eu andava vagarosamente como se odiasse voltar lá outra vez, mas não odiava, na verdade era reconfortante, a não ser por todos aqueles sentimentos juntos, de uma vez só, como uma bola de neve, assim que eu pisava lá.


    Uma floricultura mais a frente me lembrou de como minha mãe adorava rosas brancas, ela mesma fez questão de plantar varias delas em todo o nosso jardim, dei continuação ao seu legado,  eu só lamentava que ela não pudesse ver como ele estava agora. Ela era igualzinha a elas, serena e pura, sem nenhuma mistura, calma, dona do coração mais generoso que eu já conheci, e o perfume dela, exalava como a fragrância que aquelas rosas perfumavam o jardim, era impossível passar por ali sem se lembrar dela.... Comprei duas pra ela, ou para o tumulo dela, aonde só havia uma plaquinha com o seu nome, uma frase bonitinha com a intenção de consolar e as datas... Algumas coroas de flores já secas,ervas daninhas crescendo e só... Nem o corpo dela esteve algum dia ali , estava a milhões de quilômetros, no fundo do Oceano Atlântico onde sonhou viver sua última aventura.

   Paguei as rosas e a vendedora me lançou um sorriso feliz, não tive forças, nem vontade em retribuir,mas confesso que me fez sentir um pouco melhor, apesar de que queria mesmo era pegar as rosas e sair o mais rápido dali. Queria ficar sozinho, longe das pessoas, dos olhares,questionadores, cochichos, pré julgamentos, da culpa, das explicações, de tudo e de todos. Qualquer uma dessas coisas sempre acontecia quando eu resolvia ir a algum lugar com muitas pessoas, o que era quase sempre ... Naquele momento só queria eu, a lápide da minha família e o silêncio de quem dormia em paz, exatamente como eu desejava e imaginava que os meus pais estivessem, na mais perfeita e plena paz.

     Mal percebi o tempo passar, e quando me dei conta já estava lá, entrei totalmente distraído ainda navegando em minhas memórias, com as rosas firmes em minhas mãos que suavam um pouco, caminhando a passos calmos. Já lá dentro agora reparando bem notei que eu não parecia ser o único ali a estar tendo um dia ruim, ao longe avistei uma garota que eu provavelmente não conhecia de braços dados com um velho, imagino que assim como eu, sentiram a necessidade de ter um contato, fazer uma visita, amenizar a saudade se martirizando ainda mais vindo a um cemitério, aonde por todos os lados só havia tristeza, lágrimas secas, dor, grandes perdas e corpos soterrados sem vida.

    Continuei meu caminho e nãodemorou muito até que eu trilhasse entre as imensas fileiras de túmulosparecidos o caminho que eu já sabia de cor, não que eu o já tivesse percorridotantas vezes, só era impossível esquecero único lugar aonde por mais estranho quepareça sentia uma certa paz em meio aquele silêncio infinito.

     Assim que reconheci o túmulo com uma placa dourada e um vaso de flores já quase secas, me aproximei beijando as rosas e depositando- as logo em seguida próximo ao nome dela. Me sentei junto a lápide e reli pausadamente mais uma vez a frase abaixo dos nomes de meus pais '' Quando a saudade apertar,olhe para cima, eu estarei lá, sempre cuidando de você ''. A frase foi escolhida por Elisa e se dirigia a mim, como uma forma de consolo, essa foi a última coisa que minha mãe me disse antes de sair de casa, antes de viajar e tudo acontecer... Por muito tempo eu podia jurar que naquele momento ela já tinha consciência que isso era tudo o que me restaria... Saudade, a infinidade do céu, e a crença de que ela está lá em algum lugar.

    - Eu... Eu sinto muito, juro que estou tentando mãe, eu juro. Mas em todos os lugares, todos os dias, por todos os lados que eu olho, eu só consigo... Ver o quanto estou sozinho, mal consigo voltar pra casa sem ter vontade de obrigar o tempo a voltar e me devolver vocês. Ainda não desisti de ser melhor, sinto muito por tudo, por Elisa... Pelo meu avô, sei que sentem saudade tanto quanto eu. Prometo que aonde estiver, cumprirei minha promessa, você vai se orgulhar de mim, de quem você me deu a vida pra ser. Eu te amo Mãe.

  Quando dei por mim, estava eu falando com uma lápide mais uma vez, sempre acontecia quando eu resolvia ir lá, apesar de que dessa vez, eu podia jurar que senti a presença dela, junto a mim em um abraço caloroso, o que me fez desmoronar por dentro.

     Não podia mais me enganar, já havia se passado três anos, eu precisava aprender a viver o luto em vez de continuar ignorando a realidade e varrê-lo para debaixo do tapete me tornando uma outra pessoa, eu tinha que superar, aprender a viver com a ausência deles admitindo para mim mesmo que eles haviam ido, e precisava procurar um caminho para seguir sozinho e ciente de que nada iria me preencher mais do que a mim mesmo.





                                       

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