"Gabe, eu voltei." Falei, encostando a prancha na porta de entrada.
Gabe me ignorou, como de costume. Eu precisava manter a paciência, mas o evento infantil realmente havia me desgastado. Aborrecido, eu me livrei do macacão de neoprene e subi as escadas em direção ao banheiro, vestindo apenas minha sunga de natação. Precisava lavar a areia do corpo e dormir pelo resto da tarde.
Quando passei em frente ao meu quarto percebi a porta encostada, o que era estranho. Eu sempre fechava ao sair.
Afinando os olhos em desconfiança, eu empurrei a porta, e o cenário adiante fez meu coração parar.
Eu cobri meu nariz, horrorizado como se vivesse um pesadelo. O armário da Simone estava escancarado. Todas as portas e gavetas abertas ao máximo, e as roupas femininas cobrindo o chão e a cama. Blusas, calças, casacos... até as bolsas foram abertas e arremessadas pelos cantos.
O cheiro de gerânio invadiu meus pulmões como veneno. Não podia ser. Depois do divórcio tive certeza que nunca mais sentiria esse cheiro, ou veria essas coisas... tantas roupas que me traziam memórias.
Antes que eu tivesse um ataque, eu corri do quarto e bati a porta. Meu peito disparava e eu puxava ar como se prestes a me afogar. Suor descia do meu rosto.
Assim que me recuperei um pouco, o pânico deu lugar à raiva. Eu bati na porta do Gabe.
"Gabe, você mexeu no meu quarto?"
"Sai daqui." Ele respondeu.
Eu rosnei de raiva, e forcei a maçaneta.
"Gabriel Dolinsky, não me faça quebrar essa porta!" Eu gritei. "Me deixa entrar agora mesmo!"
Gabe destrancou a porta, mas não abriu. Bufando de raiva eu entrei no quarto, e a cena que encontrei me deixou sem reação.
Agarrado ao celular, Gabe encolheu-se contra a cabeceira da cama, acuado como um coelho indefeso, chorando em desespero completo. Vê-lo assim fez sumir minha raiva, e eu senti arrepios ao ver o rio de lágrimas em seu rosto. Nem quando Gabe chegou na cidade, todo machucado e roxo, eu vi ele em tamanho sofrimento.
"Gabe..." Eu corri até ele e o abracei. Ele tremia, soluçando alto e pingando lágrimas no celular. "Gabe, me diz o que tá acontecendo. Eu vou te ajudar, vai ficar tudo bem."
"Eu não tive coragem." Falou ele, chorando tanto que mal consegui entendê-lo. "Eu liguei e não consegui falar. Não vou conseguir, eu não saberia viver com isso."
"Não saberia viver com o quê?" Eu agitei os ombros do Gabe, tentando fazê-lo reagir. "Gabe, me fala!"
Gabe ergueu os olhos inchados para mim, suas íris azuis cintilando em lágrimas desesperadas. Pude ver que Gabe tentava me contar, mas sempre que abria a boca começava a chorar de novo.
Eu baixei o rosto, e só então percebi o papel picado em cima da cama. Pelo tamanho era um cartão de visitas, recém rasgado em vários pedaços.
Com o coração saltando, eu juntei os fragmentos e consegui ler o nome. Clínica de Controle Última Luz.
Eu arregalei os olhos, lembrando bem demais desse maldito lugar. A clínica onde a Simone realizou o aborto.
"Gabe... por que você tem isso?" Comecei a tremer, sobrecarregado por todo tipo de sentimento. "Por isso vasculhou o meu quarto?"
Gabe encolheu-se como uma bola, escondendo o rosto nos joelhos. Ele concordou com a cabeça.
Eu... eu não sabia nem por onde começar.
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O Amante Do Tritão (AMOSTRA)
RomanceAMOSTRA - 75% DA HISTÓRIA DISPONÍVEL Livro completo disponível na Amazon! Gabe odeia a nova cidade. Todos são surfistas, ou donos de loja de surf, e antes de Gabe se mudar ele nunca havia visto o mar. Mas ele precisava tentar fazer amigos, não que...