Capítulo 10

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Eu bocejei, terminando de encerar o chão da loja.

Dois meses trabalhando nesse lugar, e eu podia contar nos dedos quantos clientes tivemos. Começava a achar incrível o senhor Jones manter a calma diante da situação. Como esse cara conseguia viver?

Assim que o senhor Jones retornou ele abriu a boca, todo embasbacado.

"Gabe, rapaaaz, a loja tá um brinco! Organizou as pranchas por ordem de cor, até! Contratar gay é outro nível, mesmo."

Eu ri, esticando meus braços doloridos de tanto limpar os cantos. Eu não me considerava especialmente organizado, mas a loja estava um nojo quando eu cheguei. Pensei que uma repaginada atrairia mais clientes, mas até agora tudo continuava na mesma.

"Como foi no banco?" Perguntei, secando o suor na testa.

"Nada. Não vão cobrir um empréstimo com outro." Senhor Jones suspirou, sem perder o ar pacato de sempre. Ele tirou um envelope do bolso e me entregou. "Isso é pra você."

Eu me senti horrível por não recusar, mas tomei o envelope nas mãos. Meu salário era minúsculo, mas tudo o que eu tinha para pagar a viagem do Alisson. Economizei tanto que se não fossem os peixes do Dylan acho que estaria passando fome.

Falando em passar fome, não sei como eu continuava engordando. Pensei que todo o surfe me deixaria musculoso como o Alisson, mas minha barriga salientava para frente, quase passando da linha das costelas. Talvez eu devesse me exercitar mais.

"Isso é sabe o quê, rapaz?" Senhor Jones cutucou meu umbigo ao passar, me fazendo soltar o ar. "Falta de sexo. O Dylan não ta te tratando bem?"

Eu avermelhei. Que pergunta mais inadequada. "Tá tudo ótimo entre nós dois." Especialmente a parte do sexo. Meu Deus, eu ficaria duro se lembrasse agora. Incrível como ainda não quebramos minha cama.

"Bom, eu tô indo puxar um ronco. Se quiser sair cedo, também, ninguém vai comprar prancha numa terça-feira de junho."

Eu concordei e vesti minha camisa, aliviado porque o frio começava a intensificar, e também porque meu corpo começava a me dar vergonha. Não dava pra me chamar de gordo, mas naquela cidade de surfistas bonitões eu me sentia um boto.

Quando senhor Jones já escapava pela porta dos fundos, o sino-de-vento tocou na entrada e nós dois viramos, surpresos. Nosso primeiro cliente da semana?

Não, para a minha surpresa era alguém que eu conhecia. Michel chegou todo bem vestido, de terno e gravata, com os ombros retos. Ele prendia seu cabelo longo cuidadosamente para trás, com gel e grampos.

"Oi, Michel." Eu acenei sorrindo, quase esquecendo o profissionalismo. "Digo, bem vindo à..."

"Gabe! Que surpresa te ver aqui!" Michel já veio me abraçando, até me erguer do chão. "Veio comprar parafina aqui? Não, cara. Nas lojas do papai são metade do preço, e o dobro da qualidade."

Eu corei, envergonhado pelo senhor Jones. "Ahm, na verdade eu trabalho aqui."

"Trabalha, é?" Michel afinou seus olhos cinza-azulados, e deu um sorriso ácido ao senhor Jones atrás de mim. "Os negócios melhoraram, Jones? Até funcionário você tem, agora?"

Eu me virei, e só então vi a expressão tensa e raivosa no senhor Jones. Nem parecia o senhorzinho pacato de sempre.

"Desiste, Michel. Já avisei seu pai que não venderei a loja."

"Direto ao ponto, eu gosto disso." Michel atravessou a loja casualmente, e se jogou nos sofás-rede ao fundo. "Odeio ser o garoto de recados do papai. Tenho provas todos os dias dessa semana, mas o velho tem estado tão ocupado... São dezoito lojas sob a marca da nossa família. Dezenove, em breve."

O Amante Do Tritão (AMOSTRA)Onde histórias criam vida. Descubra agora