Capítulo 24

5.6K 678 231
                                    

Indeciso sobre como romper o climão pesado, eu servi sorvete ao Michel, coberto com grossas camadas de calda de chocolate. Mas o cheiro gostoso e doce não adiantou de nada. Michel nem tentou pegar a tacinha, só continuou olhando para a minha barriga com olhos tão grandes, que pareciam prestes a saltar da cara.

Ai, ai... ele já estava assim há dez minutos. Não sabia o que era pior, Michel petrificado ao ver meu corpo, ou Dylan de lábios murchos e cara de eu te disse.

"Não é tão estranho assim." Falei, tentando quebrar o silêncio. Já foi difícil convencer o Michel que não era um tumor, nem verminose, nem qualquer doença terminal. Agora que ele acreditava na verdade, ele resolveu se tornar uma estátua.

"Gabe... isso não pode ser possível." Falou ele, pausadamente.

Eu revirei os olhos, e desisti de lhe entregar a linda taça que lhe preparei. Eu mesmo estava precisando.

"Você mesmo ouviu, com seu estetoscópio. Acha que tenho um segundo coração na barriga?" Perguntei, ainda meio emocionado. Michel ouviu mesmo os batimentos do pequeno Hian, isso era tão excitante.

"Nunca li sobre isso em livro algum. Onde está crescendo, Gabe? Seus intestinos podem se romper, essa coisa não é normal."

"Essa coisa é o nosso filho, seu humano asqueroso!" Rugiu Dylan.

Eu suspirei para o espanto ainda maior na cara do Michel.

"Sim, Michel, o Dylan é o pai. O outro pai."

Pobre Michel. Eu só podia imaginar os anos de estudo da medicina implodindo dentro da cabeça dele. Pensei que descobrir a existência de tritões tornaria esta revelação mais fácil, mas ele parecia à beira de um colapso.

Após mais alguns segundos vidrado na minha barriga redonda, Michel enfim relaxou os músculos, voltando a si.

"Então você já decidiu... ahm... dar a luz ao bebê, é isso?" Michel enfim pegou a taça de sorvete, embora eu já houvesse abocanhado metade. Ele sentou no sofá em frente à piscina e começou a comer, então sentei ao seu lado.

"Sim, vou adiante com a gestação. É como uma gravidez humana, ainda tenho quatro meses de espera."

Michel eriçou o lábio para mim, ainda meio horrorizado, mas tentando parecer compreensivo.

"Você está calmo demais sobre isso." ele disse.

"Acredite, minha fase não-calma durou bastante tempo. Mas isso é passado, Michel. Você vai me ajudar, não vai?"

"Claro que vou. Aliás, nem tente procurar outro médico. Se mais alguém souber disso vão te dissecar num laboratório e isso eu não vou permitir."

"Obrigado, Michel." Falei, sorrindo. Mas acho que sorri largo demais, porque o Dylan acidentalmente chicoteou a cauda na água e deu um banho no Michel.

"Dylan!" Gritei, também respingado pela idiotice dele. "Não estraga o sofá do Alisson!"

Pingando água de suas mechas loiras, Michel olhou para o sorvete molhado e bufou. Afinando os olhos como agulhas ele preparou uma colherada de sorvete, puxou a concha para trás com o indicador da outra mão e soltou, catapultando uma bola de sorvete no meio da testa do Dylan.

"Ah, seu humano filho da puta!" Dylan esfregou as mãos na testa melada.

"Não gosta de sorvete, peixe-boi? Deixa eu adivinhar, você só come criaturas marinhas."

"Eu também como a sua mãe!"

Ai, céus, não de novo. Eu me abracei na barriga, ainda incomodando pelo esforço de antes.

O Amante Do Tritão (AMOSTRA)Onde histórias criam vida. Descubra agora