Interlúdio 03

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Por ser uma cidade turística, Orla das Sereias era uma cidade de calçadas amplas e bem iluminadas, com jardins agradáveis e barzinhos com cadeiras ao ar livre. A cidade era relativamente nova, e por esse motivo haviam pouco mais de dez mil habitantes nativos. Como junho era baixa temporada, as ruas estavam desertas mesmo com o sol ainda no horizonte. Eu conhecia quase todo mundo, e cumprimentei vários amigos no caminho para casa.

Orla das Sereias não era apenas o paraíso dos surfistas, mas de qualquer um que quisesse diversão, paz de espírito e a chance de começar de novo. Como só os mais exibidos andavam de carro, a cidade tinha aquele clima de século passado, sem com isso parecer antiquada.

A tranquilidade da minha caminhada foi interrompida pelo roncar alto de um carro. Eu reconheci o motor, e me virei a contragosto. De fato era o Michel, ostentando seu novo Porsche prateado. Ele desceu do carro excessivamente bem vestido, com uma blusa de manga longa e um largo cachecol no pescoço.

Pensei que ele tivesse me avistado e quisesse se exibir, mas Michel simplesmente entrou na padaria como se não quisesse nada. Com certeza logo viria me incomodar, mas o azar era dele. Se foi ele quem forneceu drogas ao Gabe, eu não deixaria barato.

Esperei na calçada que Michel deixasse seu esconderijo, mas ele não veio correndo até mim, com alguma desculpa boba para passarmos tempo juntos. Estranho, será que ele realmente não me viu?

Bufando de raiva, eu marchei com a minha prancha sob o braço em direção à maldita padaria. Encontrei Michel na saída e o agarrei pelo braço.

"Michel, o que tá fazendo aqui?" Rosnei, irritado.

Ele arregalou os olhos pra mim em surpresa completa, e ergueu a sacolinha de papel pardo.

"Estou comprando pão?" Falou ele, como se eu fosse um retardado.

"Do lado da minha casa?" Eu soltei o braço dele, ignorando o vermelhão que meu gesto causou em seu rosto.

"A Catrine só come pão de chia. Esse é o único lugar que vende." Michel apontou para o Porsche, onde uma garota peituda de cabelos rosa-chiclete acenou para mim, toda assanhada.

Eu cruzei os braços, detestando estar errado. Dessa vez parecia mesmo que Michel não queria nada comigo. Mas foda-se, pois quem queria discutir era eu.

"Porque vendeu drogas ao Gabe?" Perguntei.

Michel abraçou o saco de pães, expandindo os olhos em confusão.

"Eu fiz o quê?"

Sem a menor vontade de jogar os joguinhos do Michel, eu entreguei a caixa de remédio a ele. Nunca na minha vida quis machucar Michel, mas se ele realmente causou mal ao Gabe, eu o partiria ao meio.

"Mekolinol? O Gabe tá tomando isso?" Ele perguntou, perplexo. "Homens não podem tomar esse medicamento."

"Encontrei nas coisas dele. Essa porcaria causa alucinações se..."

"Em caso de utilização fora do período de gravidez, os efeitos adversos incluem alucinações, urticária, diarréia e sudorese, podendo ocorrer cefaléia e taquicardia em caso de superdosagem."

Eu deixei o queixo cair. Michel recitou cada letra da bula, que ainda estava no meu bolso. Ele continuava me olhando como se eu fosse idiota.

Percebendo meu espanto, Michel revirou os olhos e me devolveu a caixa.

"Ninguém em seu juízo perfeito usaria Mekolinol para ficar doidão, Alisson. Pode ter certeza que o Gabe não tá tomando isso."

Eu afinei os lábios, sentindo-me perdido novamente.

O Amante Do Tritão (AMOSTRA)Onde histórias criam vida. Descubra agora