Capítulo 1

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Começo meu dia com o despertador tocando na minha orelha, me levanto sem vontade e vejo meu irmão preguiçoso dormindo na outra cama. Dou um tapa na cabeça de Justin que resmunga, me pergunto quando esse garoto vai crescer e arranjar um trabalho, ao invés de ficar com uma garota a cada dia. Caramba, ele já tem 18 anos!
Tomo um banho e me visto para o trabalho, o melhor que eu podia querer depois que me formei no ensino médio, mecânico!... Mentira, não era isso o que eu queria fazer a minha vida inteira, mas foi a única coisa que achei para ajudar nos gastos de casa, que aliás, não eram poucos.
Tomo café e vou para a sala procurar minhas chaves, encontro uma garrafa vazia, pista de que meu pai andou enchendo a cara de novo, também sapatos, roupas sujas e uma caixa de pizza, tudo jogado pelos cantos. Isso sem reparar no resto da bagunça que é a casa, também com três homens é difícil ficar limpa. Bom, eu trabalho então não posso ser a "faxineira" da casa.
Vou para o trabalho e encontro meu chefe gritando com os outros. Como esse cara consegue ser tão chato? Apenas faço as coisas fingindo que ele não está lá, arrumando os variados veículos da estrada do interior e me sentindo vazio, como se as coisas a minha volta fossem cinzentas. Sempre me questionando de como deixei a minha vida se acomodar daquela maneira, para quem tinha tantos sonhos... E assim eu passo meu dia, quase todos os dias da semana. Ótima rotina para um cara de 20 anos, não é mesmo?
Agora estou consertando uma caminhonete, morrendo de calor e com um desânimo daqueles.
- Oi, rapazes!- Ouvi alguém cantarolar e barulhos ritmados de saltos altos- Alguém aí viu o John? Vim alegrar o dia dele!
Reconheci a voz da jóia rara, Rubie veio desfilando no seu jeans e camisa azul amarrada, enquanto os outros garotos não tiravam os olhos dela, saí de baixo da caminhonete e fui até ela sorrindo.
- Maninho! Que bom te... Ai! Não vou te abraçar, você está todo suado e com graxa! Só acho que isso acaba com a beleza dos seus olhos azuis.- Falou ela fazendo uma careta ao me ver.
- Fresca! E aí, como você está?- Falei também fazendo uma careta para ela e pegando um pano para limpar minhas mãos.
- Ótima! Hoje eu preciso muito conversar com você!
- Novidades? A tia Dulce está bem?
- Sim, está lá na floricultura. Dei uma escapada para vim até aqui.
- Como sempre faz e acaba deixando ela na mão.
- É só um pouquinho...- Ela pegou minha mão e nos afastamos um pouco do pessoal, Rubie olhou para os lados e disse com um ar de mistério:
- É sério, a novidade que eu tenho vai mudar nossas vidas!
Sorri e revirei os olhos, não acreditando nela. Continuou:
- John, você lembra do meu avô?
- Claro que sim, eu adorava ele! O que tem?
- Ele... faleceu.- A expressão de Rubie mudou, seus olhos verdes estavam tristes. Por mais que já tivesse um bom tempo que não via sua família, ela gostava muito do avô e ele dela.
- Nossa, Rubie! Eu sinto muito... O que aconteceu com ele?
- Teve um ataque-cardíaco e acabou não resistindo, a vovó Bel que deve estar bem triste. Minha mãe entrou em contato por e-mail para me contar... E torrar o meu saco!
- Tá, essa parte já não é novidade... Mas por que você estava feliz se a notícia era essa?
- Claro que eu não estou feliz por meu avô ter morrido, ele era uma pessoa muito boa... Mas fiquei feliz por ter se lembrado de mim, ele sempre foi um amor de pessoa- Falou Rubie sorrindo pensativa- John, ele conseguiu muitos bens se mudando lá para a cidade grande e fazendo parceria com aquele amigo dele. Sério, as quantias são altas e...
Ela fez suspense, fiquei surpreso já imaginando o que ela iria me falar.
- Não vá me dizer que...
- Sim! Ele me deixou dinheiro da sua herança. Dinheiro suficiente para mudar nossas vidas!
Rubie bateu palminhas, toda alegre. Sorri surpreso vendo sua empolgação, fiquei feliz por ela. Mas então foquei em um detalhe, perguntei:
- Nossas vidas?
- John!! Vêm logo consertar a porcaria dessa caminhonete!- Meu chefe gritou.
- Calma aí, chefe! Já vou!
- Aff, que cara irritante! Bom, eu tenho uma proposta para te fazer, você sempre me disse que queria estudar para se tornar fotógrafo e eu acabei de terminar meu curso de moda, então porque não nos mudamos para a cidade? O dinheiro que meu avô deixou dá para pagar o seu curso e ainda sobra para a gente montar nossa vida lá!
Depois que minha ficha caiu eu perguntei, perplexo:
- Você pagaria o curso para mim, Rubie?
- Claro, maninho!
- Eu não acredito! Meu Deus... Você é demais!- A abracei e a girei.
- John! Você tá me manchando toda, seu doido!
- Ah, é só graxa, sua chata! Eu estou feliz, isso é sério mesmo?- Falei todo agitado e sorrindo atoa só com a ideia.
- Mais do que sério, imagina o tanto de chances que vamos ter na cidade grande!
- John, já estou descontando do seu salário! Dá para largar essa loira linguaruda e voltar a trabalhar?
- Loira linguaruda é sua mãe, aquela velha feia! Ela foi se olhar no espelho e o reflexo saiu correndo, vê se pode? Agora sei para quem você puxou!- Rubie gritou de volta, meu chefe fez uma cara que achei que os dois iriam se matar ali mesmo, então Rubie continuou deixando ele de lado- É a chance de deixarmos essa vida para trás, eu finalmente vou parar de trabalhar vendendo florzinha para os outros, já você poderá realizar seu sonho... E se livrar desse treco!
Disse ela fechando a cara assim que meu chefe veio até nós.
- Escuta aqui, John! Eu já estou cansado das visitinhas dessa garota, só atrapalha o nosso trabalho e quem tem prejuízos sou eu! Então ou vocês param com isso ou você está no olho da rua!
Rubie estava atrás dele fazendo careta o imitando, ele se virou para ela que sorriu. Eu estava de saco cheio já daquele trabalho, das pessoas ao meu redor, da vida que eu estava tendo. Então eu disse:
- Quer saber, não precisa mais se preocupar.
- Que bom, então vamos...
- Eu me demito!
- O que?!
- Ai, que orgulho desse garoto! Vem, não se junte com velhos idiotas!
Rubie saiu me puxando toda animada, ela ainda mostrou o dedo do meio pra ele que ficou furioso.
- Você vai ser inimiga de muita gente assim, maninha!- Falei dando risada.
- Querido, eu já sou! Mas sabe qual é a melhor parte da história? Eu não vou precisar ficar mais olhando para a cara de nenhuma dessas pessoas, quer paraíso melhor que esse?- Falou meio que andando e dançando.
Passamos na minha casa para eu me trocar, Justin já devia estar por aí com seus amigos e meu pai foi trabalhar. Depois disso seguimos para a fazenda de um conhecido, a gente sempre ia pra lá para conversarmos ou nos divertirmos nas horas vagas.
Rubie se sentou no balanço que tinha em uma árvore e ficou se balançando, enquanto eu sentei encostado na árvore.
- Foi assim... Ontem eu liguei aquele computador velho da minha tia para ver se tinha mensagens de feliz natal, fiquei ignorando as mensagens da minha mãe por um mês e quando fui ver tinha um monte. Dava para saber só de ler que ela estava muito nervosa mesmo, falou um monte por meu avô ter partido sem nem poder ter me visto a última vez, me xingou e disse que eu sempre vou ser essa garota irresponsável. Depois tinha algumas mensagens falando da herança, ela disse que se fosse meu vô não teria deixado nada, porque tinha certeza que eu só iria prestar atenção na família quando se tratasse de dinheiro, que eu não passava de uma interesseira.
- Eita! Vocês nunca mudam, podiam tentar se dar bem pelo menos dessa vez.
- Maninho, a gente fez foi o contrário, tivemos uma briga feia por mensagem. Ainda bem que não estávamos uma do lado da outra porque seria bem pior. Minha mãe é muito arrogante, nunca me tratou com carinho, sempre que nos falamos ela joga um monte de coisa na minha cara, como se eu fosse a culpada de tudo e sempre toca no meu ponto fraco. Isso me deixa louca!
- Deixa eu adivinhar... William?
- Acertou...- Falou Rubie desanimada.
Eu não gostava nem de tocar no nome desse cara, sempre soube que ele não era coisa boa. Rubie teve um caso com um professor aos seus 17 anos, ele tinha 24 na época e eu não fazia idéia do porquê, mas ela se encantou por ele de uma maneira que eu nunca vi, talvez por nunca ter visto ela apaixonada.
Foi na época que o avô dela e um amigo juntaram algumas economias aqui no interior e decidiram testar a sorte na cidade grande, até eles perceberam que aqui ninguém tem futuro. Todos foram para lá, os avós de Rubie, sua mãe e suas primas. Uma tia da Rubie não quis ir, a Dulce, disse que aqui era a casa dela e que não queria se mudar, já a Rubie bateu o pé e falou que iria ficar porque tinha achado o amor da sua vida. Nossa, a Helena, mãe dela, ficou louca! Disse que aquele cara era um pedófilo, que ela não tinha vergonha na cara de desistir da família por um homem e que se ela fizesse isso não precisava mais aparecer na frente dela. Mas a Rubie sempre foi muito cabeça dura, já tinha decidido e ninguém conseguiu fazer ela mudar de ideia.
Por um lado eu gostei, afinal ela não iria se mudar, mas por outro eu odiava, tinha sempre que aguentar o idiota do William. Ele parecia estar apaixonado também, ou talvez estivesse enfeitiçado pela beleza dela, pela adrenalina que era ter um romance as escondidas com uma jovem, mas o tempo passa...
Na época, Rubie estava completando 20 anos, ainda estava completamente apaixonada e tinha colocado na cabeça que queria se casar, acho que simplesmente para provar para a sua mãe que ela estava certa. William não parecia nem um pouco animado, na verdade, estava ficando distante cada vez mais.
E então em um belo dia, quando ela decidiu passar na casa dele para fazer uma surpresa de aniversário de namoro, Rubie ganhou o presente que qualquer garota adoraria receber, encontrar o namorado com outra na cama. A garota tinha 18 anos, então claro que devia ser uma das alunas dele e já deviam estar tendo um caso a um bom tempo. Qual a reação da Rubie? Sair puxando a garota pelos cabelos, lógico! Acho que a vizinhança toda ouviu a briga. A parte que eu não consegui acreditar foi que a Rubie não estava brava com quem devia estar, ela até tentou se reconciliar com o William, mas quem terminou foi ele.
- Também não é pra menos, o William foi a maior burrada que você já fez!
- Obrigado, John! Você é ótimo em animar os outros!- Falou sorrindo irônica.
- Só estou sendo sincero, um cara que traí e depois ainda some com a amante não merece que você sofra por ele! Se me lembro bem, quem estava sempre do seu lado lhe dando o ombro para você chorar era eu.
- Eu não quero mais falar dele... Já tem quase um ano, não quero voltar ao meu martírio.
- Hum... O que resolveu com a sua mãe depois disso?- Troquei de assunto.
- Aff, ela ficou me irritando, jogando na cara que eu fui traída, que ainda estava sozinha por minhas decisões erradas...
- Isso é verdade...
- Calado! Então eu também disse umas boas para ela e decidi que vou para lá, sim! Enfrentar ela cara a cara, com você me ajudando!
- Pode contar comigo para qualquer coisa, quem sabe vocês finalmente não se reconciliam.
- Isso é impossível de se acontecer, mas pelo menos vamos estar correndo atrás do nosso futuro. Imagina só... Ah, John! Eu esqueci de contar um pequeno detalhe!
- Qual?
- Você vai ter que fingir ser meu namorado de mentirinha!- Disse ela sorrindo toda meiga. Parei confuso por um momento, dei risada e falei:
- Aham, tá bom! Está me zoando, né?
- Claro que não, eu nunca brinco à trabalho!- Rubie me olhou com ar de vencedora e eu soube que não era brincadeira.
- Como assim, Rubie? Namorado de mentirinha? O que foi que você aprontou?
- Eu? Nada demais... Apenas fiquei cheia da minha mãe falando do William, que eu estava sozinha e que iria continuar assim se eu não crescesse... Aí eu acabei falando que eu estava com alguém, sim!
- Ótimo! E por que logo eu?- Falei alarmado.
- Porque você é o único que toparia fazer essa loucura, sem contar que eu vou estar pagando um curso para você, então esse seria um ótimo jeito de você me retribuir!
- Quer dizer que... Você me manipulou!
- Ai, que palavra feia.- Falou Rubie fazendo uma careta- Apenas fiz negócios!
- Negócios? Brincar com a minha vida não é fazer negócio!
- Sem drama, John! Você estava aceitando de boa, agora só porque tem uma pequenina mentira envolvida vai desistir dos seus sonhos?
- Sim, porque isso não é certo! Acho melhor você arrumar outra pessoa.
- Ah, claro! Agora você virou santo que não faz nada de errado... Eu não posso arrumar outra pessoa!
- Por que não? Você é bonita, consegue arrumar um namorado de verdade rápido.
- Porque eu não quero namorar ninguém agora, já passei muita coisa por causa disso então estou bem melhor sozinha! Sem contar que eu meio que... Já falei que estava com você.
Eu já estava de cabeça quente, coloquei a mão no rosto. Em que loucura a Rubie me meteu? E a pior parte era que se eu recusasse estaria também jogando os meus sonhos fora e os dela, aposto que não teria coragem de encarar a família dela sozinha.
O que eu tinha aqui? Um irmão que não queria crescer, um pai viciado em jogos de bar e mulheres, nenhuma chance de conseguir um trabalho bom... Ah, e agora estou desempregado! Como fui idiota, devia saber que nada vindo da Rubie seria tão fácil assim. Ela saiu do balanço e se sentou ao meu lado no chão.
- Por favor, John? Eu juro que vai ser fácil! É apenas uma mentirinha inofensiva, só nós dois vamos saber. Vamos passar só o tempo do seu curso acabar na casa da minha família, enquanto isso eu vou juntando dinheiro. Depois de 6 meses vamos poder ver uma casa para nós dois ficarmos e adeus mentiras! É um ótimo plano!
- Você é louca!
- Eu sei! Mas também posso ser sua louca oportunidade!
- Você já parou para pensar na parte em que vamos ter que fingir um namoro? Isso inclui... demonstrações de afeto!
- Esta falando da gente se beijar?
- É... beijar! Poxa, nos conhecemos desde pequenos, te considero uma irmã! Isso vai ser muito estranho, quase como seria beijar o Justin!- Falei aflito.
- Aff, que comparação foi essa? Pelo menos eu sou mulher e tenho certeza que beijo melhor que ele! E outra, não vamos precisar fazer isso direto, é só de vez em quando para não suspeitarem.
Fiquei pensando por um bom tempo me sentindo em um beco sem saída, tirava minhas dúvidas com ela, enquanto Rubie tentava a todo custo me convencer. No final das contas, eu acabei aceitando aquela loucura, podia estar fazendo a maior burrice da minha vida em me meter nessa mentira, mas não custava tentar.
No final daquela tarde, apertamos nossas mãos selando o acordo, Rubie estava feliz e satisfeita como nunca, talvez por não saber que a partir daquele momento nossas vidas iriam mudar drasticamente.

Namorado de Mentirinha (Revisando)Onde histórias criam vida. Descubra agora