As Mentiras não Duram

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Dean e Sam haviam saído em busca do almoço e alguns suprimentos para o bunker. Durante toda a manhã eles não viram Eileen, e o mais velho apenas inferiu que ela estivesse no quarto, lendo. As últimas caçadas nunca foram tão fáceis, com a menina para acompanhá-los as baixas eram cada vez menores, não precisavam mais matar os monstros, tudo de que precisavam era uma palavra de Eileen e estava terminado. Assim que retornaram porém, ao enxergar a menina sentada na biblioteca, um arrepio subiu pela espinha de Dean. Talvez pelo olhar de mágoa que ela trazia, ou pela forma ereta com que ela estava sentada, o mais velho pressentiu o problema antes mesmo que ela disse uma só palavra.

Assim que eles se aproximaram, ambos se sobressaltaram quando a menina jogou o documento sobre os Mitrahá na mesa, causando um baque assim que o couro se chocou com a madeira – Sabe o que eu acho intrigante? - Ela começou, o tom de voz baixo e perigoso – Que todo esse tempo, isso estava escrito em enochiano, que, por um acaso, eu vim a descobrir, é a linguagem usada pelos anjos. - Ela fixou o olhar em algum ponto entre os irmãos – E todo esse tempo, nós estivemos com um anjo, um que poderia ter traduzido esse texto sem qualquer dificuldade, mas nenhum de vocês dois sugeriu isso. - Ela se levantou – Mas imaginem minha surpresa, quando hoje pela manhã, eu estava praticando, e me deparei com esse mesmo livro, e como que por um impulso eu resolvi abri-lo, e entendi o que estava escrito. - Eileen reparou, com ainda mais mágoa quando ambos os Winchesters engoliram em seco – O conteúdo do texto, mais o fato de que ele poderia ter sido traduzido antes por Castiel, mas vocês nem mesmo sugeriram isso, me fizeram pensar que, talvez, vocês já tivessem traduzido, e mentiram pra mim...

— Eileen... - Sam começou, mas a menina fez sinal para que ele se calasse.

— Foi só uma questão de achar o Crowley, e eu tenho que dizer, foi mais fácil do que eu achei que seria, arrancar a verdade dele. - Ela encarou Dean, e depois Sam – Vocês já sabiam, todo esse tempo e vocês já sabiam... - Os lábios dela começaram a tremer, e os olhos se encheram de água, quando a irritação e mágoa que ela vinha sentido se dissolveram em tristeza – Por que vocês mentiram pra mim?

Os irmãos nada disseram, pegos de surpresa, apenas observaram enquanto as lágrimas começaram a escorrer no rosto infantil da menina. A verdade é que eles nunca tinham se preparado para aquele momento, esperavam poder contar a verdade assim que toda aquela confusão passasse. Fora um ato completamente egoísta, mas o medo do que a verdade poderia acarretar, garantiu o silêncio de ambos.

— Por favor, digam alguma coisa. - Eileen começou a soluçar – Mas não... Não digam que foi por medo de que eu fosse desaparecer se soubesse a verdade, medo de que eu não fosse mais querer ajudar... Por favor, não me ofendam assim.

— Como você conseguiu ler? - Foi tudo que Sam pode articular.

— Mitrahás são muito antigos, nós temos conhecimentos sobre muitas línguas de tempos passados. Eu sei enochiano porque Cimmeris aprendeu a língua em algum momento. Algumas memórias e conhecimentos estão voltando. - Disse, ela já sentia o rosto começando a inchar e a cabeça doer por culpa do choro.

— Eu não sei o que dizer... - Dean começou – Nós tivemos medo do que toda aquela informação faria com você... - Ele hesitou antes de dizer – Sim, eu e Sam, até mesmo Crowley pensamos que você não ia aguentar saber a verdade, nós achamos que você desistiria de nos ajudar. - Disse, mas logo se arrependeu, quando a mesma centelha de irritação que antes dançava nos olhos de Eileen retornou, agora com muito mais força.

— Eu não acredito! - Ela soltou, quase gritando, nesse momento até mesmo Castiel apareceu na sala, sem entender o motivo da confusão – Por que se for assim, então não me resta mais nada, se não acreditar que todo esse tempo vocês só me viram como uma arma. - Eileen explodiu em mais lágrimas – Todo esse tempo que eu pensei ter achado uma segunda família, pessoas em quem eu podia confiar, pessoas que pareciam gostar de mim mais do que meus próprios pais, ou minha irmã. Mas vocês só me viam como uma chance de consertar os erros que vocês cometeram, só aceitaram que eu ficasse aqui por mais tempo, me ajudaram a treinar, porque eu era uma arma em tamanho humano, que não poderia ficar soltar por ai. - Pelos olhos embaçados ela observou uma nota de culpa nos olhares dos irmãos - Eu sei que meus poderes ajudariam vocês, mas eu imaginei... Eu pensei que além de precisarem de mim, vocês também gostassem de mim...

Castiel ia perguntar alguma coisa, mas se calou quando Dean começou a falar - No início... - Ele sentiu a própria voz embargada – No início talvez essa tenha sido a ideia. - Confessou, e ter de dizer aquilo em voz alta não foi fácil – Mas não é mais assim... É claro que nós queremos que você nos ajude, mas não é mais só por isso que queremos que você fique aqui.

— Então porque vocês continuaram mentindo pra mim? - Disse, sua voz perdendo a força e acabando em um sussurro.

Os irmãos não responderam, pensando em como eles sempre acabavam naquela situação. Todas as mentiras e omissões, eles já deveriam ter aprendido que aquele não era caminho, mas o que poderiam dizer agora? Pedir desculpas? Assumir o erro e prometer que nunca mais mentiriam? Talvez funcionasse, mas a promessa em si já seria uma nova mentira. Eles não conseguiam evitar, sempre que a situação exigisse, eles não pensariam duas vezes, mentiriam de novo.

— Vocês deveriam ter me contado toda a verdade, eu teria lidado tranquilamente com aquilo, se vocês não tivessem mentido pra mim. Eu não estou brava pelo que eu li, embora eu ache que, uma vez que todas as memórias voltarem, aquilo vai me deixar bem puta. No momento eu estou furiosa por culpa de vocês.

— O que está acontecendo? - Cas finalmente conseguiu perguntar.

— Expliquem pra ele. - A menina soltou, subitamente se sentindo cansada – Eu preciso de um tempo, um tempo longe de vocês para pensar. - Dean começou a falar, mas Eileen o interrompeu – Não se preocupe, a arma aqui não vai sumir para sempre. Eu ainda vou lutar se for preciso, mas no momento... No momento eu preciso de espaço... Eu... - Ela usou a manga de seu suéter para enxugar as lágrimas, o peso do mundo parecia ter pousado em seu ombro. Ela depositara uma confiança e lealdade naqueles irmãos, como ela jamais fizera com qualquer outra pessoa no mundo, e ter sua confiança abalada daquela maneira a fez sentir mentalmente esgotada. Sem mais uma palavra, Eileen simplesmente desapareceu, da mesma forma que Cas costumava fazer.

...

Já fazia mais de cinco dias desde que Eileen deixou o bunker, muito da raiva já havia baixado, mas um senso de orgulho e impediu de voltar. Naquele meio tempo os irmãos haviam ligado várias vezes, a caixa de mensagens já tinha chegado ao seu limite, mas a menina não conseguia se livrar completamente daquele sentimento de traição. Ela se perguntou sobre o que mais os Winchesters poderiam ter mentido, o que mais eles estariam escondendo por medo de que ela os abandonasse a própria sorte contra a Escuridão.

Castiel também tentara contatá-la, e mesmo que o anjo não tivesse mentido para ela, Eileen também o ignorou. Sentiu-se infantil fazendo isso, mas não conseguia evitar. Ela geralmente não era o tipo que ficava magoada por muito tempo, e se Eileen se conhecia bem o suficiente, logo todo aquele sentimento cederia. Mas por enquanto ela esperou, sentada em uma poltrona velha dentro de uma biblioteca qualquer. Esperava encontrar um pouco de paz entre os livros. A menina tinha certeza que chorara todo seu estoque de lágrimas, e, no momento, seus olhos ainda ardiam ante a mera lembrança dos momentos alegres que tivera com os irmãos e Castiel, e ela se perguntava se poderia confiar neles como fizera antes.

A menina sentiu uma nova onda de tristeza se apossar dela, mas, dessa vez, ela não teve a chance de se aprofundar na melancolia, já que uma figura masculina, trajando roupas casuais e usando um óculos velho se materializou na sua frente.

— Olá Eileen. - Começou. A menina se sobressaltou e quase caiu da poltrona – Eu sei que você não está em bons termos com os Winchesters no momento, porque eles mentiram. - Disse, o rosto com a barba por fazer e ternos olhos azulados – Mas acredite, eles em geral só fazem isso com quem eles amam muito. - Eileen nada disse, aturdida com a presença a sua frente, não com a parte física, que parecia humana e normal, mas sim com as emanações que aquele homem emitia. Era como uma luz forte em uma noite escura

— Quem é você. - Ela conseguiu articular finalmente.

— Alguém que te deve uma longa, longa explicação. - Eileen notou que o rapaz adotara um real semblante de culpa, e uma certeza voraz se apossou dela. A menina sabia quem era aquele homem, e aquela constatação trouxe consigo uma fúria renovada.

Eileen fechou sua expressão, experimentando pela primeira vez em sua vida uma ira cega, mas antes que ela pudesse se jogar em direção a figura a sua frente, ele a parou com um gesto – Vamos voltar para os Winchesters, e eu quero pedir apenas uma coisa de você Cimmeris, é que me ouça até o fim.

O Livro de EileenOnde histórias criam vida. Descubra agora