02.

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               Alexandra Dawson.

É curioso, não é? Como o dinheiro pode mudar absolutamente tudo? Como nossa sociedade é capitalista ao extremo, mesmo agora.

Digo isso porque eu e minha família nos mudamos da ensolarada Memphis para o oeste chuvoso de Seattle. Percorremos três mil quilômetros porque papai foi promovido à um cargo superior. E se viajamos para tão distante, certamente foi pela garantia de um aumento significativo em seu salário. E enquanto meu pai lidava com o desenvolvimento de telhas e tijolos ecológicos, minha mãe cuidava da vida das pessoas.

Meu irmão tem vinte anos e acabara de fazer uma prova para entrar na Universidade de Seattle cursando Física. Tyler ainda morava conosco e poderia ser um pé no saco quando queria.

Ele sempre queria.

Ele tinha todo o autoritarismo e ciúmes que um irmão mais velho deveria ter e muito mais. Tínhamos algumas briguinhas aqui e lá, mas, no geral, nos dávamos bem.

Tínhamos nos mudado para uma propriedade bonita e com uma boa quantidade de metros quadrados, mas inteiramente feita de madeira negra. Todos os cômodos possuíam janelas, mas a luz parecia enganosa em muitos deles. Era uma casa antiga em vários aspectos, um exemplo disso eram as escadas que rangiam se você pisasse forte demais. Quando Tyler e eu nos empurramos corredor afora, lutando para ver quem conseguia escolher o melhor quarto primeiro, eu chutei sua canela para conseguir ficar com o mais bonito, cujo tinha uma biblioteca belíssima que cobria a parede inteira.

Infelizmente, era também o quarto mais poeirento.

— Oi, irmãzinha.

Tyler apoiou-se na batente da porta com os braços e pernas cruzadas. Para um homem de vinte anos, ele era bastante esguio e magrelo. Suas madeixas escuras estavam tão bagunçadas quanto sempre, e os ossos do rosto eram proeminentes. Ele tinha um rosto intelectual natural, mas a barba tornava-o mais maduro do que ele realmente era. E assim como eu e toda a família Dawson, Ty possuía olhos hazel. Era uma herança genética que, diferentemente de dinheiro, nunca sumiria.

— Como vai a mudança? — ele aproximou-se e alcançou um porta-retrato na caixa de papelão. — As partículas de sujeira estão te fazendo companhia?

Tomei a fotografia de sua mão gentilmente e sorri falsamente.

— Muito engraçado, Tyler. O que está fazendo? Já acabou de limpar seu quarto, que é o menor de toda a casa? — zombei.

— Bem, querida irmãzinha, dado ao fato de que essa casa possui uma quantidade par de metros quadrados, meu novo quarto não pode ser muito menor do que o seu. Você sabe o motivo?

— Eu não quero. — disse, alarmada.

— O motivo é a desproporcionalidade de cômodos. — ele continuou. — Está claro que o designer desta casa tinha uma admiração profunda por Geometria Euclidiana e não ousaria...

Sheldon, quer calar a boca por alguns instantes? Você faz meu cérebro doer.

Eu o apelidei de Sheldon anos atrás para fazer referência ao protagonista da série de televisão The Big Bang Theory, pois havia momentos em que Tyler enchia nossas cabeças com frases e termos científicos ou simplesmente não parava de falar.

Momentos como esse.

— Cientificamente, eu não posso fazer seu cérebro doer, mas posso causar Cefaleia. Sabia que Céfalo foi um mortal por quem Eos, uma deusa da mitologia grega, apaixonou-se? É curioso o fato de que este termo médico seja tão parecido com uma história...

Eu tombei a cabeça para trás e bufei alto para fazê-lo parar de falar.

— Estou transmitindo conhecimento, Alexandra, você deveria gostar de ter algo importante rondando o seu cérebro uma vez ou outra, para variar.

Torci o nariz em reprovação, como sempre fazia quando alguém chamava-me pelo meu nome inteiro.

— Você é uma Wikipedia ambulante.

— Bem, presumo que isso seja um elogio.

Eu sorri, entretida.

— Ninguém gosta de Wikipedias.

— Qual é o seu problema? — ele reclamou, emburrado.

— Eu não tenho problema algum, apenas não quero saber o motivo de absolutamente tudo.

Mamãe apareceu na porta do quarto com um sorriso carinhoso e braços cruzados.

— Nós chegamos apenas há algumas horas e vocês já estão brigando?

— Não mesmo, senhora Dawson. — Ty disse, com uma postura falsa. — Sua filha que é uma vadia insensível e sem coração.

Eu rolei os olhos, exasperada, mas meus lábios sorriram.

Tyler Joseph Dawson, olhe bem o que fala.

Ty torceu o nariz em reprovação, assim como eu; então, levantou-se e retirou-se do quarto. Mamãe sentou-se na beira da cama, observando-me dobrar roupas e guardá-las no closet.

— Precisa de ajuda, querida?

Eu olhei ao redor do quarto e suspirei; havia três caixas de papelão restantes que guardavam livros em sua maioria e algumas fotografias. Eu estava guardando as peças da última caixa etiquetada "roupas". Não tinha muito mais o que fazer.

— Eu estou bem, não falta muito para terminar.

Erin Dawson era uma daquelas mães que não aparentava a idade que tinha. Ela era esguia e bela; pele bonita e suave e cabelos loiros curtos sedosos. Seus olhos eram claros, uma combinação entre verde e castanho diferente de nosso tom hazel. Ela possuía sardas distribuídas de maneira disforme por seu rosto, mas um pouco mais concentradas no nariz fino.

— Como é que está com tudo isso, Alex? — perguntou, terna. — Sei que não foi fácil deixar Skye e Miles para trás.

E o senhor Hans. — nossas vozes soaram em uníssono, e sorrimos.

Skye Stevenson e Miles Crawford foram os melhores amigos que Memphis pôde me dar. Skye era uma menina miúda de cabelos coloridos, enquanto Miles era atlético e alto. Nós éramos absurdamente diferentes um do outro, mas nos completávamos em nossa própria maneira. Nos conhecemos no Ensino Fundamental, quando absolutamente todos da classe fizeram amizade rapidamente, e nós sobramos como restos alimentícios ou dejetos de esgoto. Nós nos encaramos e esclarecemos tudo bem ali: não nos encaixávamos em outros meios e decidimos criar nosso próprio mundo em um já existente.

— Não foi fácil para ninguém, mãe. — disse, por fim. — Eu sei que adorava trabalhar com Marie e as outras enfermeiras. Miles e Skye virão em alguns finais de semanas e feriados, e você pode sempre vê-las. Não é definitivo. Ficaremos bem.

Mamãe sorriu cansada.

— Quando foi que eu deixei de ser a mãe e você, a filha?

Eu sorri, zombeteira.

— Há anos, mãe.

Ela riu e abriu os braços, convidando-me. Larguei uma jaqueta jeans de imediato e aconcheguei-me no calor de seu corpo. Mães eram seres que deveriam durar para sempre; elas pareciam carregar toda a sabedoria que os filhos precisam obter na vida. Assim como as respostas certas, os consolos ternos e os beijos carinhosos que pareciam vir nos momentos mais propícios. Não havia abraço como o de uma mãe, capaz de livrar qualquer um de todas as incertezas e medos, e acalmar o coração.

Mamãe acariciou-me os cabelos e beijou minha testa, então levantou-se e andou até estar de frente à porta.

— Descanse, meu doce. Amanhã você tem um longo dia pela frente.

Ofereci-lhe meu sorriso mais sincero, e, quando ela se foi, fiquei sorrindo para a madeira escura.


                                                                                                     

A Teoria do Caos.Onde histórias criam vida. Descubra agora