PRÓLOGO - PARTE 1

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"Ela acreditava em anjos e, porque acreditava, eles existiam"

– Clarice Lispector


10 de Dezembro de 2016. Santos/SP.

O barulho da sirene era assustador, fazia com que o coração de Isabela acelerasse ainda mais, mesmo ela pensando que não era possível. Sentir que vai morrer é doloroso demais... uma dor que atinge a alma.

Aqueles minutos angustiantes, também poderiam ser os últimos em que veria a luz brilhante do sol do fim de tarde ou o vento fazendo as árvores balançarem como se dançassem uma canção ouvida apenas por elas. E Bela não queria perder nenhum detalhe, seus olhos verdes captavam cada imagem, cada instante. O imenso céu límpido em diversos tons de azul. As pessoas curiosas ao seu redor e seus rostos de piedade misturada ao medo. A tranquilidade aparente dos paramédicos treinados para lidarem com situações delicadas como a dela. O cachorro amarelo atravessando a rua como se nada tivesse acontecendo, detido de uma paz que conseguia atingir Isabela e fazê-la se acalmar, esboçando um pequeno sorriso, afinal, a morte poderia ser boa, um consolo para sua mente cansada de uma existência sem sentido e cheia de dor. Ela só lamentava não ter lembranças para brindar seus últimos suspiros, não havia experiências para rememorar enquanto esperava o seu fim chegar, só existia a aflição que viveu até aquele dia. Os longos 18 anos de luta e sofrimento, de intermináveis idas a hospitais, de procedimentos dolorosos que devastaram ainda mais seu corpo frágil, de ficar trancada em casa assistindo a vida passar lá fora, proibida para ela...

Isabela não tinha vivido quase nada. Ela ainda nem tinha tomado um banho de cachoeira ou feito a sua tão estimada tatuagem. Não tinha saltado de paraquedas ou se apaixonado por um garoto bonitão, que quebraria seu coração em poucos meses e depois a reconquistaria com seu penteado engomado e olhos hipnotizantes. Não tinha andado de bicicleta e soltado os braços e não tinha cometido a loucura de tentar ser feliz.

Agoniada em saber que morreria sem nada ter vivido, Isabela sentiu o toque quente e suave da mão carinhosa de sua mãe, ela também parecia tremer, mesmo que tentasse sorrir e dizer palavras confortantes. Enquanto Felipe tentava esconder a culpa que sentia por ter concordado com a ideia de Bela ter seu próprio carro.

A aquela tarde, quente e úmida, de dezembro, começou sendo de pura alegria para Isabela. Era o dia em que se mudaria da casa de seus pais em Santos no litoral paulista para o apartamento do irmão na capital, mas quando ela virou a primeira esquina do seu caminho, um motorista bêbado evadiu a sinalização de "Pare" e bateu em cheio no carro dela, fazendo-o capotar diversas vezes antes de se chocar com uma árvore e parar.

Um fino sangue salgado escorria por todo o corpo magro de Isabela, mas não era esse o problema, o problema era o sangramento interno que ocorria em seu tórax, de uma forma que sua pele de um tom branco neve estava roxa e vermelha.

Quando a maca em que Isabela estava começou a correr em direção à ambulância, por uns instantes ela viu os pássaros voando no céu, eles pareciam tão felizes e livres para fazerem o que sempre quiseram, algo que Bela jamais pode. Ela invejava os pássaros, desejava ser um pássaro. E olhando-os seus olhos se encheram de lágrimas, ela não queria morrer sem ter vivido, mas era inevitável...

Os médicos falaram rápido e de forma tensa, seu pai gritava com eles, nervoso por algo que Isabela não queria saber, naquele momento ela queria paz, morrer em paz. Bela fechou os olhos e se imaginou correndo na beira da praia, chutando a água salgada e fazendo-a voar sobre seu corpo... se imaginou surfando, escalando uma serra, saltando de paraquedas, pilotando uma moto veloz, dançando em uma boate até cansar, beijando um homem gentil que a fizesse se apaixonar e cometendo a loucura de ser feliz. Tudo que ela não podia fazer e não tinha mais tempo de tentar. Desejos simples para qualquer pessoa normal e desejos impossíveis para ela. Mas ao menos podia vivê-los em sua imaginação enquanto esperava seu fim.

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