Antes

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Duas almas tiveram o caminho traçado desde o começo. Um nasceu antes do outro. Porém, seus destinos foram desencontrados e hoje, elas se procuram intensamente. Incansavelmente.

O espírito do mais novo nasceu mil anos antes do mais velho. Ele vagava de corpo em corpo, buscando refúgio, buscando uma ligação. Buscando alguém.

Alguém que fosse complementá-lo.

Esse espírito era a luxúria, o sexo, o amor carnal. A paixão.

Todas as suas moradas anteriores foram estúpidas, maculadas, insípidas. Podres.

As pessoas eram burras demais para usar sua sexualidade de forma virtuosa a seu favor. A sensualidade era exacerbada, de modo que se perdia o sabor.

O sabor dos lábios. O sabor de complementar a alma num ato sexual tão intenso. As pessoas não estavam sabendo usar a personalidade concebida de bom grado pela própria entidade.

Então largou-se do mundo terreno e passou a vagar pelo limbo, buscando a perfeição em um mundo espiritual.

Porém, aquelas pessoas que vagavam por ali eram medíocres. Estas foram condenadas a viver no morno pelo resto da eternidade, uma vez que foram totalmente mornas como humanos e não fizeram nada pela sociedade em que viviam, nem que seja dar esmola para um desnutrido na rua.

O espírito irritou-se e chamou por Deus.

Tentou subir aos céus e foi enxotado por um anjo.

- Por que não posso adentrar no Paraíso? Este lugar não é para almas que buscam a salvação? - A entidade disse, abalada. Nem corpos, nem mesmo seu próprio Criador o queriam.

O anjo em sua majestade respondeu:

- Tu és uma das origens do pecado. Deus abandonou Lúcifer e vós escolhestes fazer parte de seu exército. Tu conhecias as consequências e mesmo assim, abandonastes o teu Senhor, que te criou, que cuidou de ti. Tu não fazes parte de nós, Bethaniel. Amastes o pecado mais do que teu próprio Deus, e desta forma, fostes banido. A salvação veio na Terra, e uma vez que passastes deste mundo, não a terá mais.

As asas do anjo eram imensas: cobriam-lhe seu rosto, seu tronco. Só se podia ver seus pés descalsos, mas não muito detalhadamente. Sua glória não permitia o contato direto dos olhos. Ele estava perto demais do Criador; Deus era tão glorioso que seu explendor banhava quem se aproximasse.

Bethaniel deu um passo para trás e voltou para Terra, sufocado pela imensidão do Paraíso.

- Por causa dessas coisas que eu deixei de acreditar em Deus.

Ao chegar na superfície do oceano, andou sobre as águas. Seus pés a tocavam delicadamente , mas não eram molhados. Ele só queria encontrar o humano perfeito, o imaculado. O céu estrelado era abençoado por sua magnitude.

Grandes mamíferos passavam por debaixo dos pés do espírito. Ele os tocava, mas os animais não sentiam-no. Sentou-se na escuridão azul e chorou sozinho.

Dias e noites se passaram, até que em uma madrugada imortal, uma aurora-boreal suave de cores rosa, verde e azul pintou o céu da imensidão. Aquilo era Deus falando com ele. Pôs-se de pé e tornou a ouvir a voz do Soberano.

- Quero que tu tomes conta de algo para mim - disse o Senhor.

- O que tu me pedires, Mestre, será feito.

- Eis que um menino será condenado a sofrer por milhões de anos. Tu habitarás este corpo - a voz do Poderoso foi suave como pena que cai de pássaro e entra em contato com o chão, mas foi firme. Bethaniel estremeceu. - Tu sofrerás do mesmo modo como ele sofrerá. Tornarão-se apenas um. Ele pensará por ti e tu aceitarás. O pecado que provém de ti não será ultilizado. Ele será imaculado.

- Mas o que eu ganho em troca, Soberano? - O espírito pergunta. Deus gargalha e o som foi recebido por seus ouvidos como se fossem explodir.

- Como queres ser libertado se barganhas teu próprio Criador? INGRATO! - Um maremoto é formado. A Terra chacoalha. O espírito encolhe-se. - Fazes o que te mando e ganharás tua liberdade. Humano será novamente se cumprir o que lhe foi dito.

Um fervor sobe pelo seu ser. Ele quer sentir-se em carne novamente. Ele não aguenta mais.

- Aceito, Mestre.

Assim se faz.

De repente ele se vê em uma linha do tempo.

Bethaniel observa o feto quase formado na barriga da mãe. Ela acaricia seu ventre. Uma coreana de cabelos lisos, sorriso bonito. A mulher nova, mais ou menos uns dezoito anos cantarola baixo, com lágrimas nos olhos, uma cadeira de balanço.

"Pela noite sozinha andei

na cidade de morte.

A esperança era perdida,

o mundo gritava por amor.

Achei um rapaz de beleza radiante,

este ofereceu sua mão.

Segurei, senti-me em um porto seguro,

mas de ilusão não passou.

Sangue escorreu do meu ventre,

ferida se abriu em meio ao suor.

Lágrimas que escorreram dos meu olhos

se prostraram diante ao traidor."

Então a cena muda e se vê uma criança de seis anos correndo de braços abertos, em meio ao jardim.

O mundo corre em câmera lenta. O menino canta alto e grita enquanto seu amigo de oito anos corre atrás dele. O mais velho é menor do que o mais novo.

- Assim não vale Jeongguk! Você sabe que eu sou menor! - Grita o de mais idade. Seus cabelos negros em forma de cuia estão molhados e suas pernas curtas correm o máximo que podem para alcançar o de menos idade.

- A culpa não é minha se você é anão, Jimin! - Grita Jeongguk, o menino de cabelos castanhos e dentes de coelho. Jimin se irrita e dá o maximo de si.

Ele corre com mais força e dá um pulo para frente, agarrando a cintura do mais novo. Eles tombam no chão. Jeongguk cai em cima de Jimin, um de frente para o outro.

Olhos vidrados um no outro.

Eles estão apaixonados.

A cena muda.

Jeongguk está nu, gritando guturalmente. Ele arranha o chão, bate nas celas. Ele se joga contra a parede.

Seu corpo é construído por marcas de chicote em suas costas, as pernas são rasgadas e as marcas de cicatriz estão lá, formando vários queloides. Ele tem vermes. Larvas andam pelo local, baratas, ratos.

Ele grita, se debate. Agarra as grades, pega os esfregões que estão ali prostrados e os atira contra o ferro. Suas mãos sangram. Seu corpo sangra. Sua alma sangra.

Ele parece ter uns quinze anos. Mas sua postura o mostrava como se tivesse trinta. Bethaniel não conseguia vê-lo como nada além de um animal selvagem.

Pessoas entram na sala, adultos. Estes se aproximam da cela e o chutam, jogam pedras, cospem, gritam. Uns ficam apenas parados. Olhando. Vendo. Assistindo. E eles não fazem absolutamente nada. Jeongguk encolhe-se no canto, em cima de seus excrementos e chora. Chora o mais alto que pode, absorvendo a dor para si e odiando a vida. Sua vida.

A cena some e a aurora brilha no céu estrelado.

Bethaniel é mandado por Deus para dentro do ventre da mulher, enquanto ela canta aquela música.

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Obrigada por ler até aqui e não esquece de deixar a estrelinha!!

Omelas | Pjm + Jjk (CONCLUÍDA)Onde histórias criam vida. Descubra agora