Capítulo 43

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Tyler
 
No dia seguinte, fui para o trabalho e fiz minhas tarefas normais. Mas, enquanto fingia trabalhar, eu pesquisei. Usei meus recursos de jornalista a meu favor e assumi o controle da minha vida. Outra coisa que fiz no trabalho foi observar. Observei todos. E fiz isso de uma maneira que ninguém podia perceber que eu os estava espionando. Era incrível o que você descobria sobre uma pessoa, apenas observando-a. Brandy, à minha direita, mordia o lábio quando parecia confusa ou perdida. Thomas, à minha esquerda, enfiava sempre o dedo no nariz. Eca. Louisa, do meu lado direito, brincava com o cabelo enquanto lia, e Ian, na minha extrema esquerda, franzia a testa enquanto digitava.
Foi nesse momento, enquanto estava olhando para ele, que ele olhou para cima e sorriu. Ele levantou o dedo para mim, pedindo que eu esperasse um segundo. Vi quando ele digitou algo, então um ping no meu celular me notificou que eu tinha uma nova mensagem.
Tudo certo para hoje à noite? É a noite do espaguete à bolonhesa J
Eu ri e olhei para Ian com um sorriso. Levantei meu polegar na sua direção, para que ele soubesse que estava tudo confirmado e, em seguida, voltei ao trabalho. Continuei com a minha investigação, procurando o nome Lótus primeiro. Deve haver algum significado ligado a este nome. Eu sabia que não era o nome dele verdadeiro. Digitei no motor de busca e a primeira coisa que apareceu foi o carro de mesmo nome. Eu sabia que não podia ser isso, então, continuei a rolar a tela. No final da página, vi uma outra sugestão de pesquisa. Cliquei em “Significado da flor de Lótus” e li o seu significado. Parece que a flor de lótus desabrocha em águas turvas, assim como o meu estranho tinha dito. Era um símbolo de renascimento, desejo e elevação espiritual. Ainda sem muita pista, digitei “Vingança flor de lótus” e o que apareceu foi muito interessante. Parece que, no budismo, a flor de lótus é um símbolo de causa e efeito. Um símbolo vivo do carma em ação. Parece que ele vivia tão focado na vingança, que ele não apenas usava o símbolo em seu ombro, como também se autodenominava com o nome da flor.
Sentada em minha cadeira, ponderei sobre isso por um momento. Então, meu estranho queria, de fato, me prejudicar. Mas por quê? Então, uma voz dentro da minha cabeça me disse para ter cuidado. O segurança no clube me avisou que ele era perigoso. Eu sabia que ele era. Eu simplesmente não percebi o quanto ele significava para o meu coração.
Determinada a encontrar mais coisas, me esforcei em busca de mais informações. Não importava se eu tivesse que sair tarde do trabalho por causa disso. Eu precisava saber por que o homem dos meus sonhos, de repente, se tornou o meu pior pesadelo. Se havia uma coisa que eu sempre tinha sido boa, era em pesquisa. Era necessário em minha linha de trabalho e agora eu usaria a meu favor.
Durante três horas pesquisando sem parar sobre Lótus, descobri muita coisa. Minha respiração estava ofegante e minha cabeça doía, mas não tanto quando o meu coração estava doendo agora. Não foi um sonho que tive na outra noite, quando achei que Dean estava me segurando em seus braços e tocando o meu colar. Era real. Meu estranho era real. Na verdade, ele era dono do prédio em que eu morava. Estava no nome de outra pessoa, mas eu sabia que era dele. Meu estranho não era tão estranho assim.
Ele era o meu amor há muito tempo perdido, Dean. E eu sabia exatamente onde poderia encontrá-lo.
****
Era um pouco mais de seis da tarde quando saí do trabalho. Eu tinha um lugar para ir, mas precisava esperar um pouco até que eu pudesse ir naquele lugar. Em um esforço para passar o tempo, andei pelas lojas próximas, olhando as peças à venda, sem realmente prestar atenção. Eu estava consumida com o fato de que meu Dean estava de volta, mas que ele queria me machucar. Meu coração se afogou num mar de desespero. Eu não conseguia sequer imaginar o que eu tinha feito, mas estava determinada a descobrir. Eu tinha que encontrá-lo e olhá-lo nos olhos, para que ele pudesse me dizer, cara a cara, o que eu tinha feito de errado para que ele quisesse se vingar. Eu me sentia arrasada. Dean sempre foi o amor da minha vida. Durante anos, mantive a imagem dele como aquele menino alto, magro e insolente, que não queria mais nada na vida, além de me fazer feliz. O que aconteceu com esse menino? O que o fez se voltar contra mim tão ferozmente?
Balançando a cabeça, olhei ao redor e me lembrei de que Ian iria para minha casa mais tarde. Pegando meu telefone, mandei uma mensagem a ele, avisando que eu estava atrasada e que deveria chegar depois de oito e meia. Eu tinha uma tarefa a executar e a antecipação estava correndo em minhas veias.
Próximo das oito horas, pensei que era agora ou nunca. Não sabia se Dean estaria lá, mas tinha que ver para ter certeza.
Entrei no prédio, passando por algumas pessoas que deviam estar saindo dos seus escritórios. Entrei no elevador sozinha e pressionei o botão para subir. Foi a pior viagem de elevador que já experimentei. Perguntei-me se meu Dean seria o mesmo. O pensamento me assustou. E se ele estivesse determinado a nunca me libertar?
Com esse pensamento em mente, as portas do elevador se abriram, revelando uma sala escura. Todas as luzes estavam apagadas, exceto por uma ou outra luz que piscava aqui e ali. Parecia algo feito para trazer mais suspense ao momento.
Meu coração batia forte enquanto eu passava pelas mesas em direção à sala que eu havia temido e desejado entrar durante o dia inteiro.
Do lado de fora, vi que havia uma sombra na sala escura, olhando para o horizonte. Fechando meus olhos, respirei fundo, percebendo que era agora ou nunca. Abri os olhos para ler o nome na porta. Meu perseguidor, meu estranho, meu Dean, era Andrew Walker. E agora que ele estava usando um moletom com capuz sobre a sua cabeça, eu sabia exatamente onde ele estava pensando em ir hoje à noite.
Mas eu o venceria. Eu tinha me tornado a perseguidora, e o meu estranho, a vítima inocente. Isso me fez rir, sabendo que eu tinha recuperado algum poder. Eu me perguntava o que ele acharia quando me visse aqui. Eu sabia que ele ficaria chocado, mas eu precisava de respostas. Precisava saber por que ele queria tanto me machucar.
Girando a maçaneta o mais silenciosamente que pude, entrei na sala e fiquei olhando para as costas do meu Dean. Lágrimas ameaçaram cair ao pensar que eu havia, finalmente, o encontrado, para que ele fosse arrancado de mim mais uma vez.
No entanto, ainda estava determinada. Eu ainda estava resoluta em descobrir o que estava acontecendo, sem derrubar lágrimas ou entrar em desespero. Eu não podia deixá-lo ver que ele tinha ganhado. Tive que segurar minha dignidade com todas as minhas forças.
Por um longo tempo, fiquei ali, sem palavras. No início, eu não sabia se deveria falar algo ou esperar até que ele virasse. Não tive que esperar por muito tempo. Ele se virou e seus olhos azuis de aço me fizeram lembrar de quando éramos criança e ele me prendia com seu olhar, como uma força desconhecida da natureza. Era ele, na Mansão. O homem que roubou meu fôlego. Por que não percebi que era ele, na época? Como eu poderia ter esquecido aqueles belos olhos azuis?
Tentando não pensar muito sobre isso, aproveitei o silêncio para avaliar sua reação. Ele era bom em esconder as coisas, eu percebi isso. Mas consegui ver que ele estava surpreso ao me ver. Isso quase me fez sorrir. Eu não tinha certeza de onde esse pouco de triunfo tinha surgido, mas estava lá.
― Surpreso em me ver, Dean? ― Pensei em quebrar o gelo, considerando que ele era sempre quem ficava com a primeira e a última palavra.
Dean suspirou e balançou a cabeça com um sorriso resoluto.
― Então, agora você sabe ― ele sussurrou com aquela voz sexy e rouca.
Concordei.
― Agora eu sei.
Ele empurrou o capuz da sua cabeça, expondo toda a beleza dos seus traços. Ele era exatamente como eu me lembrava quando jovem, apenas mais velho. Mas, de certo modo, ele estava muito diferente também. Sua natureza normalmente suave tinha desaparecido, dando lugar ao homem duro e implacável, que estava à minha frente. Mas o que havia lá para perdoar? Eu não conseguia entender.
― Devo admitir que não era assim que eu planejava, mas você descobriria sobre isso em breve.
Ele puxou a cadeira e sentou-se. Eu sabia que ele estava pronto para uma conversa. Eu não ia dizer não, mas estava determinada a não me instalar na cadeira à sua frente, também. Isto não era mais sobre o meu trabalho. Não era uma conversa sobre os acontecimentos do dia. Este era o meu estranho, meu Dean, e ele estava determinado a acabar comigo.
Em vez disso, eu fiquei de pé, olhando para baixo, para os seus belos olhos azuis, como se fosse a última vez que eu iria vê-los. E esta seria a última vez. Eu sabia que este era o dia que determinava o meu destino como jornalista aqui. Eu sabia que este tinha sido o último dia que eu voltaria a ver a luz do dia neste escritório.
― Por quê? ― Era tudo que eu poderia perguntar, a única coisa que eu precisava saber. Essa mesma pergunta tinha girado em minha cabeça pelos últimos treze anos. Até ontem à noite, por razões diferentes, mas, mesmo assim, eu perguntei a ele. Ainda precisava saber.
Ele baixou a cabeça, suspirando com um sorriso.
― Sabe, a parte mais engraçada disso tudo é que você nem mesmo sabe o que você fez.
Minha raiva explodiu.
― Eu não sei o que eu fiz, Dean, e, a menos que você me diga que porra é essa, como é que eu vou me defender?
Ele bateu com o punho na mesa, me fazendo pular.
― Você não venha no meu escritório e fale assim comigo desse jeito.
― Não estou mais falando com Andrew Walker. Estou falando com Dean Scozzari. Alguém que eu tinha considerado o amor da minha vida. Meu primeiro amor. O que aconteceu com ele?
Ele se levantou, os olhos brilhando com fogo.
― Você aconteceu, Tyler! Você e toda a porra da sua família aconteceram!
Engoli em seco, em choque com sua explosão.
― Minha família? Eu não entendo.
A expressão de Dean era feroz.
― Não aja como se você não soubesse, Tyler. ― Ele olhou para mim, sua expressão procurando as respostas em meu rosto. Mas ele deve ter visto algo que fez seus olhos se arregalarem. ― Você realmente não sabe, não é? ― Ele começou a rir, o que fez meu sangue ferver.
― Sei o que, Dean?
Ele parou de rir e olhou para mim com um sorriso. Não era um sorriso agradável. Era astuto. E eu queria arrancá-lo de seu rosto.
― Seus pais são os culpados pela morte dos meus pais, Tyler. Eles deveriam nos ajudar, mas, em vez disso, enviaram uma carta ao canalha maldito do Pinzano, dizendo-lhe onde estávamos.
Balancei a cabeça, incapaz de compreender o que ele estava dizendo.
― Carta? Que carta? Não estou entendendo. ― Eu realmente não entendia. O pânico estava tomando o meu corpo.
― Meus pais estão mortos por causa da sua mãe e do seu pai, Tyler. E eu fiquei sozinho. Com dezoito anos, não tinha mais ninguém. Primeiro, perdi você quando te vi beijando Ian na porra desse dia. Voltei para você porque, na minha cabeça estúpida e imatura, ainda tínhamos alguma coisa. Não me importava em me colocar em perigo. Só queria te ver e ter certeza de que estava tudo bem. Não acreditei quando soube que você podia ter algo a ver com o que aconteceu com meus pais, então, tive que ter certeza. Mas, no minuto em que a vi, Ian estava com os braços ao seu redor e você estava beijando-o. Tinha poucos meses que eu havia partido e você ficou com ele. Eu sabia que meus pais estavam certos o tempo todo. ― Ele olhou para mim com desgosto, mas tudo o que eu conseguia fazer era ficar lá, tentando entender o que ele falava. Eu sabia que Ian e eu nos beijávamos às vezes, mas era brincadeira, nunca foi nada além disso.
Voltei no tempo e me lembrei de um dia, pouco tempo depois de Dean ter desaparecido. Ian estava comigo, do lado de fora de uma loja, falando sobre um cara que ele desprezava, que dizia que Ian jamais conseguiria uma garota como eu. Esse cara, que era um idiota completo, estava lá, então Ian me pediu para beijá-lo na frente de todo mundo, para que o cara pudesse testemunhar o beijo e o fazer parecer o babaca que ele realmente era. Fiz isso como um favor a Ian porque é o tipo de coisa que amigos fazem um pelo outro. Nunca senti nada por Ian além de amizade e Dean deveria saber disso.
Fechei os olhos em frustração. Se este era o incidente que ele estava falando, era totalmente inocente. Sim, eu o beijei, mas foi só para ajudar um amigo. Éramos todos amigos naquela época. Éramos muito próximos um do outro. Costumávamos nos ajudar, sem questionar. Essa foi até mesmo uma pergunta no Verdade ou Desafio, na época. Ele não conseguia entender isso? Não poderia ter parado, pelo menos por um minuto, e perguntado, porra?
― Você não entende ― soltei. Eu não tinha certeza de por que precisava me explicar. Dean estava, obviamente, atirando primeiro para perguntar depois. Mas ele perceberia isso, eventualmente.
― Eu entendo perfeitamente ― ele respondeu, me cortando. ― O que não entendo é por que você não está com ele? Você está com ele, mas não está. Vocês dois apenas trepam de vez em quando? Não, eu saberia se vocês estivessem. Sei tudo sobre a sua vida. ― Ele sentou-se e ponderou a pergunta seguinte. ― Deixe-me colocar de outra forma. Você permitiu que ele transasse com você, assim que eu parti? ― Ele começou a rir da sua própria piada, antes de balançar a cabeça. ― Não, esqueça isso. Eu sei que você não permitiu.
Ele estava sendo grosseiro e sabia disso. Cada célula em meu corpo queria gritar em protesto contra este homem. Eu tinha uma explicação para minhas ações, mas ele não queria ouvi-las. Ele estava me culpando por algo que não fiz, mas também estava culpando meus pais pela morte dos seus pais. Ninguém sabia para onde eles tinham ido. Toda a minha família, Ian e eu havíamos sidos deixados completamente no escuro. Eu não conseguia entender como ele poderia achar que meus pais poderiam ser direta ou indiretamente responsáveis por um assassinato. Eu não era estúpida. Eu tinha a sensação de que seus pais andavam do lado errado dos trilhos. Eles estavam sempre se esgueirando, sempre se certificando de que ninguém os seguia, e, sempre que estavam próximos, faziam com que os pelos em minha nuca ficassem arrepiados. Eu nunca disse nada porque amava Dean e não queria que ele se machucasse, mas eu não estava totalmente alheia ao seu modo de vida. Eles não pareciam trabalhar, mas sempre tinham os carros mais novos, roupas de última moda, acessórios, qualquer coisa que você pensar, eles tinham. Não era preciso ser um gênio para descobrir o que estava acontecendo.
― Não vou responder as suas malditas perguntas estúpidas porque, não importa o que eu fale, você vai torcer isso até que minhas respostas encaixem no seu pensamento doentio. Tudo o que posso dizer é que meus pais não têm nada a ver com a morte dos seus. Eu não tenho nada a ver com a morte deles. Eu não sabia e sinto muito por sua perda, mas não vou ficar por aqui mais tempo e deixar você abusar de mim e acusar a mim e a minha família dessas alegações ridículas.
Dean riu e isso fez meu sangue ferver ainda mais.
― Talvez você não saiba, mas sei que seus pais sim, Tyler. Eles, obviamente, mantiveram as coisas escondidas de você. Eles tentaram, mas não conseguiram me afastar de você. Mas, ainda assim, você não conseguiu manter a porra da boca fechada sobre mim. Isso é o que a levou a esse ponto, Tyler.
Eu xinguei em frustração.
― Eu nunca lhes disse nada! ― gritei. ― Não sei de nada, porra. Sei que meus pais não queriam que ficássemos juntos, Dean, mas eles jamais seriam tão vingativos. Eles nunca teriam feito algo para colocar sua família em perigo. Não acredito nisso de jeito nenhum. Eles estavam apenas tentando me proteger de você, se certificando de que você não se aproveitasse de mim.
Dean riu.
― Eles não poderiam mantê-la longe de mim para sempre, Tyler. Você quer saber como eu sei que você nunca trepou com Ian quando parti? Me aproveitei da sua inocência muito antes que você, ou eles, pudessem perceber.
Franzindo a testa, não consegui entender do que ele estava falando.
― O que você quer dizer?
Dean balançou a cabeça com um sorriso.
― Lembra quando você tinha dezoito e, em uma festa, você disse a um menino chamado Dillon que você ainda era virgem?
Colocando minha mão sobre a boca, ofeguei. Balançando a cabeça, quase pude sentir as lágrimas enchendo meus olhos.
― Não… ― protestei.
― Sim ― respondeu Dean. ― Você sempre quis que eu fosse seu primeiro, Tyler. Eu só estava concedendo o seu desejo.
― O quê? ― interrompi. ― Antes que você voltasse, me perseguisse e tentasse arruinar a minha vida?
Dean assentiu.
― Algo parecido. Eu decidi acabar com você sim, mas só por causa do que você fez. Eu poderia ter lhe dado o mundo, mas tudo o que você fez foi me sacanear.
Eu tive o suficiente. Eu não ia ficar aqui e ouvir isso por mais tempo.
― Adeus, Dean. Espero nunca mais te ver novamente.
Dean bateu na mesa novamente, mas, desta vez, eu não saltei. Eu estava determinada a não deixar que ele me afetasse.
― Volte aqui, Tyler. Você e eu não terminamos ainda.
Andei em direção à porta e estava quase do lado de fora, quando de repente me virei.
― Acabamos sim, Dean. Aqui é onde tudo termina. Nunca mais quero ver você de novo. ― Virei para caminhar em direção dos elevadores quando me lembrei de algo. ― E outra coisa ― falei, virando a cabeça um pouco. ― Eu me demito!
Com a cabeça erguida, marchei em direção ao elevador e entrei. Não tinha quase ninguém no edifício agora. Ao chegar ao piso inferior, saí com um suspiro. Eu sabia que era uma pessoa forte, mas tive que buscar toda a minha força para me manter de pé. Meu primeiro amor, aquele que eu sempre imaginei que passaria a vida comigo até ficarmos velhos, tinha se transformado de meu super-herói em vilão. Como ele pôde fazer isso? Ele nem mesmo pensou em perguntar. Ele apenas assumiu que algo tinha acontecido e eu sabia que, quando se “assume” algo, nem sempre é exatamente o que parece. Eu tinha sido uma idiota. Deixei Dean, meu estranho, ter acesso a mim para me machucar. O tempo todo, ele estava ali para me causar dor. Mas o ponto crucial da coisa toda era que Dean tinha sido meu primeiro, no final das contas. Ele estava determinado a tirar minha virgindade e sustentar que, como primeira parte da sua vingança, ele tinha me marcado.
Ele jamais agiu assim quando mais jovem. Ele era inocente, doce e carinhoso. Pensar que meus pais poderiam ter algo a ver com a morte dos seus pais fez a minha pele arrepiar. Eu não conseguia acreditar que ele pudesse pensar que eu o trairia assim. Ele era o amor da minha vida. Mesmo agora, a importância que ele teve para mim se manteve forte. Ele sempre seria o amor da minha vida. Não importa o quanto eu estivesse magoada, jamais conseguiria escapar disso. Jamais conseguiria escapar dele.
Sem pensar, minha mão imediatamente procurou o colar que ele tinha me dado anos atrás. Era algo que eu sempre quis manter comigo, para me agarrar a ele de alguma forma. Sempre tive esperança de que, um dia, ele poderia voltar, mas nunca imaginei que seria assim. Inconscientemente, eu tinha evitado relações porque eu tinha essa noção tola de que, um dia, meu Dean viria em seu cavalo branco e me levaria com ele, rumo ao pôr do sol. Acho que a vida tem um jeito engraçado de mostrar que tem senso de humor. Dean queria atingir um objetivo, e ele certamente fez isso com a porra de uma cereja no topo.
O fato de estar sonhando acordada foi o que me impediu de perceber que eu estava chegando perto do meu apartamento. Dirigi o caminho todo sem nem mesmo perceber. Como foi que isso aconteceu?
Estacionei na minha vaga. Eu estava determinada a não deixá-lo vencer, mesmo agora. Fui para o meu apartamento, tendo apenas tirado o casaco e colocado minhas coisas no lugar, quando a campainha tocou.
Suspirando, estendi a mão para a porta e abri uma fresta. Vi Ian, com um grande sorriso e duas garrafas de vinho: branco e tinto. Merda, com essa confusão, tinha esquecido completamente que Ian estava vindo.
Soltando o trinco, abri a porta para encontrar Ian inalando e, em seguida, seu rosto demonstrou uma expressão aturdida.
― Espera aí, por que não estou sentindo o aroma de espaguete à bolonhesa? ― Ian virou a cabeça e me olhou, e, quando isso aconteceu, seu sorriso se desfez. ― O que houve de errado?
Ele entrou e eu fechei a porta. O que eu diria a ele? Acho que devo dizer tudo o que aconteceu esta noite. Ian fez parte da vida de Dean, assim como eu, então eu tinha que dizer, pelo menos, que ele tinha voltado. Não somente isso. Que estávamos trabalhando para ele pelos últimos três anos. Com isso, entre outros pensamentos girando em minha cabeça, fiz um gesto em direção ao sofá.
― Acho que você precisa sentar ― sugeri com um meio-sorriso. Eu realmente não sabia como eu falaria, mas tinha que tentar.
Ian engoliu em seco, mas fez o que pedi.
― Você está me assustando ― ele finalmente disse, alcançando o sofá e sentando-se. Sentei-me ao lado dele e respirei fundo. Eu não tinha certeza de como começar, então comecei do o início. Falei tudo sobre o meu estranho, as coisas que ele fazia na casa e tudo o mais. A única parte que deixei de fora foi o que ele contou sobre meus pais. Eu falaria, se ele perguntasse, mas eu estava muito esgotada para lidar com isso.
Depois que eu disse a ele que Andrew Walker era Dean, Ian sentou lá, atordoado por um momento.
― Merda, Tyler ― ele finalmente balbuciou em descrença. ― Eu não posso acreditar que ele fez isso.
Balancei minha cabeça.
― Nem eu.
O rosto de Ian estava chocado. Ele parecia assustado e com um milhão de perguntas na sua cabeça. Nós três tínhamos sido melhores amigos. Compartilhamos tudo. Nossas esperanças e sonhos, até mesmo nossas fantasias mais sombrias.
Quando Ian se acalmou, ele viu meu olhar derrotado e fez um gesto.
― Venha aqui. Deixe-me te dar um abraço e fazer uma massagem em você para te ajudar a relaxar. Você nunca está sozinha. Seu melhor amigo está aqui para você.
Sorri e me aproximei dos braços de Ian. Ele me deu um abraço caloroso, e colocou as mãos em meus ombros para massageá-los.
Gemi em apreço.
― Obrigada, Ian. Você sempre foi um amigo de verdade.
― Um amigo de verdade que está determinado a entrar em suas calcinhas quando você chegar aos trinta.
Ri de sua piada, mas não estava no clima para brincadeiras hoje.
― Sinto muito sobre o espaguete, Ian. Podemos pedir comida para viagem? ― Ele esfregou um pouco mais, me mostrando seu apoio.
― Não se preocupe com isso. Sente e relaxe. Beba um pouco de vinho. Vamos pedir algo quando você se acalmar um pouco. Seus ombros estão muito tensos.
Fechei os olhos, murmurando “obrigada”, deixando que ele continuasse a massagear meus ombros. Eu estava começando a relaxar. Hoje tinha sido um dia terrível e eu estava satisfeita por ter Ian ali para me apoiar. Mesmo que Dean nunca tivesse sido meu de verdade, Ian tinha sido meu verdadeiro amigo, alguém que eu podia realmente contar. Ele sempre esteve ao meu lado, tanto quanto eu estive ao lado dele.
― Não posso acreditar que ele culpou seus pais por tudo isso.
Imediatamente, fiquei tensa e abri os olhos. Percebendo minha mudança, Ian parou de massagear meus ombros.
― Eu não te contei sobre a parte dos meus pais. ― Minha respiração estava ofegante e senti meu coração acelerado com a adrenalina.
Ele suspirou e seus braços caíram. Virei em busca de uma explicação, mas tudo o que pude ver era um homem que tinha sido pego. Por que, eu não sei, mas estava prestes a descobrir.
― Ian, o que você não está me dizendo?
Ele me olhou por um momento, sem piscar. Então, ele soube que tinha que dizer alguma coisa.
― Durante anos, estivemos juntos, e, por todo esse tempo, você sempre o preferiu a mim.
Balançando a cabeça, levantei da cadeira, com lágrimas em meus olhos. Eu não podia acreditar nisso. Ian tinha brincado comigo por todo esse tempo, assim como Dean?
Ian estendeu a mão em um gesto calmante.
― Por favor, me ouça. Você precisa saber como me sinto, Tyler. Você devia saber. Você, com certeza, deve ter percebido o quanto eu te amei, todo esse tempo.
Balancei minha cabeça novamente, querendo muito que tudo isso acabasse. Eu precisava saber, mas minha cabeça e coração gritavam em agonia pela perda dos meus dois melhores amigos. Eles tinham me traído todos esses anos, não o contrário. Este sentimento, acima de tudo, fez meu coração se partir em mil pedaços. Se eu achava que antes ele estava quebrado, eu estava enganada. Agora, ele estava totalmente esmagado em pequenos pedaços. Como alguém poderia se recuperar disso?
― Eu sabia que os pais de Dean estavam com problemas. Sabia que, eventualmente, Dean estaria envolvido nesse problema. Eu tinha que salvá-la, Tyler. Eu tinha que salvá-la dele. 
― Você enviou a carta, não foi? ― perguntei, pasma.
Os olhos de Ian se arregalaram de choque quando ele percebeu que eu sabia, então, ele baixou a cabeça com um aceno.
― Sim, mas eu só fiz isso para que eles tivessem que fugir. Eu sabia que, se eles achassem que alguém estava atrás deles, os pais dele fugiriam. Eu achei que eles iriam embora e não voltariam mais.
― Mas por que Dean acha que meus pais estão envolvidos? Por que ele acha que eu estou, de alguma forma, envolvida nisso?
Ele balançou a cabeça.
― Eu não sei. Acho que é porque eles estavam envolvidos no caso.
Balancei minha cabeça.
― Isso é besteira e nós dois sabemos isso. O que a carta dizia, Ian? ― Balançando a cabeça, Ian baixou os olhos para o chão por um momento, tentando abrir a boca. Mas eu fui mais rápida do que ele. ― Ian, não se atreva a mentir para mim. Me diga a porra da verdade!
Ian suspirou e olhou para mim. Seus olhos amigáveis que eu amava não estavam lá. Estavam perdidos para sempre.
― Escrevi uma carta fingindo ser seus pais. Eu queria ter certeza de que eles achassem que tinha sido escrita pelas pessoas certas.
Meus olhos se encheram de lágrimas.
― Eu não posso acreditar que você faria isso comigo, Ian. E por que ele achou que eu tinha algo a ver com isso?
Ian rangeu os dentes.
― Eu tinha que ter certeza de que Dean nunca mais voltasse.
Fechando os olhos, tentei em vão conter a minha raiva.
― Por que, Ian? Conte-me!
― Porque escrevi na carta que você sabia tudo sobre a família de Dean. Que seus pais estavam preocupados com você e não queriam que você se misturasse com eles. Só falei a verdade. Estava fazendo um favor aos seus pais.
Balancei a cabeça, incapaz de compreender como ele podia ter feito isso.
― Colocando-os no meio de tudo isso, expondo-os ao perigo? Me expondo ao perigo? ― Comecei a caminhar pela sala. Tudo estava desmoronando ao meu redor e eu precisava de espaço.
― Você e sua família nunca estiveram em perigo, Tyler. Eu sabia que Dean nunca iria machucá-la, não importava o que ele descobrisse.
Levantei minha cabeça e o olhei nos olhos.
― Sabe, Ian, você está totalmente errado. Ele tem me machucado. Ele me machucou tanto que é irreversível agora. Ele queria acabar comigo e alcançou seu objetivo. Eu nunca vou superar o que ele fez comigo. E nunca vou superar o que você fez comigo.
Os olhos de Ian pareciam vidrados quando ele balançou a cabeça.
― Não. Eu posso consertar isso, Tyler. Eu posso fazer com que você nunca mais tenha que se preocupar com nada. Eu amo você. Seus pais nunca quiseram que você ficasse com ele e você sabe disso. Você deveria ter ficado comigo.
A bile subiu em minha garganta ao pensar que Ian orquestrou essa coisa toda para tirar Dean da minha vida. A palavra “devastada” não chegava nem perto de como eu me sentia agora.
De repente, Ian levantou-se e fez um gesto para ir em minha direção. Recuei, percebendo, então, que eu tinha ficado com medo da pessoa errada. Não era só Dean que era um depravado. Ian também era. Mas Ian era ainda pior. Suas ações eram baseadas apenas em suas próprias necessidades egoístas.
― Qual é, Tyler? É de mim que estamos falando aqui. Eu jamais a machucaria.
Meu coração tamborilou, ciente das mentiras que tinham sido derramadas de sua boca.
― Você sabia que Dean estava nos vendo, naquele dia? ― As palavras saíram de mim naturalmente. Se ele tivesse ido longe o suficiente para afastar toda a família de Dean de mim, eu queria saber quão longe ele tinha ido.
Ele suspirou de novo, balançando a cabeça.
― Eu sabia que ele voltaria para você. Achei que demoraria mais, mas, quando um amigo me falou que o viu na cidade, tive que agir antes que fosse tarde demais. Não podia colocar você em perigo, Tyler. Ele precisava sair da sua vida para sempre.
A raiva explodiu quando me afastei dele.
― Quem é você para decidir quem fica na minha vida ou não? Você sabia o quanto Dean significava para mim. Achei que ele significava algo para você, mas eu estava obviamente errada.
Só quando cheguei perto da porta do meu quarto foi que eu percebi o quão longe eu tinha andado para trás. Mas Ian ainda estava muito perto. Ele andou atrás de mim todo esse tempo. Olhei por cima do meu ombro, para o meu quarto, sentindo meu coração bater com força. Talvez, se eu me esquivasse dele, eu conseguisse trancar a porta antes que ele pudesse me alcançar.
Olhando para trás, Ian viu a hesitação em meus olhos antes que eu corresse. Era tarde demais, no entanto. Ele estava sobre mim em um instante, me arrastando para o quarto.
― Não lute comigo, Tyler. Eu não estou aqui para te machucar.
Gritando, levantei meu braço e lhe dei uma cotovelada nas costelas com tanta força quanto eu podia. Ele se dobrou de dor, me dando um pouco mais de tempo para fugir. Infelizmente, não fui rápida o suficiente. Ele me agarrou por trás, colocando a mão sobre a minha boca, me arrastando para a cama. Com um puxão rápido, ele me jogou em cima da cama e segurou meus braços acima de mim.
― Você quer que eu te amarre e te foda com força como Dean fez? Quer ser abusada e tomada contra a sua vontade? É disso que você precisa, Tyler? Eu, certamente, não me importo de ser prestativo.
Respirei profundamente, pronta para despejar minha ira sobre ele.
― Foda-se! ― grunhi entre meus dentes, tentando desesperadamente me libertar dele.
Em um flash, seus lábios estavam nos meus, enfiando a língua em minha boca. Ele era feroz e determinado e pude sentir o gosto metálico do meu próprio sangue em minha boca.
Ele encerrou o beijo, chegando para trás e me olhando. Tentei me libertar, mas ele era mais forte do que eu. Mais forte até do que achei que ele fosse.
― Sempre soube que você tinha um lado sombrio, Tyler. Na verdade, acho até que gosto disso. ― Ele apertou sua ereção contra mim para enfatizar seu ponto. ― Talvez, se eu tomar você sem a sua permissão, isso fizesse você me querer, como você o quis. E se eu te comesse com mais força e mais rápido? Você me escolheria?
Me contorci e lutei, mas foi inútil.
― Fique longe de mim! ― gritei, sabendo muito bem que ele não ia me deixar ir.
Ele baixou a cabeça novamente para me beijar, mas desta vez eu virei minha cabeça para o lado. Ian sorriu para mim.
― Então, é assim que você quer?
Segurando os meus pulsos com uma mão, Ian tirou algo do bolso da calça. No minuto em que vi a corda, gritei, tentando chutá-lo e me esquivar com todas as minhas forças.
― Ah, Tyler. Você sabe que quer isso. ― Ele enrolou a corda em torno de meus pulsos e amarrou uma ponta na cama. Depois que terminou, ele olhou para mim com um desejo que nunca o vi demonstrar. Eu não sabia quem estava mais doente. Eu, por me manter numa situação dessas por tanto tempo, ou Ian, por achar que eu queria isso realmente. Eu podia ver isso em seus olhos. Ele acreditava de verdade que, se ele me estuprasse, como ele achava que Dean tinha feito, eu o escolheria. O que ele não sabia era que eu sempre quis o meu estranho porque ele era Dean. Eu nunca quis nenhum outro cara além de Dean.
Com esse pensamento em mente, gritei de novo, e Ian colocou a mão em minha boca. Com um puxão rápido, ele arrancou minha calcinha e pude senti-lo tentar desabotoar a calça desesperadamente.
Fiquei ali, as lágrimas caindo, vendo o que a pessoa que eu considerei o meu melhor amigo estava prestes a fazer comigo. Encarei os olhos dele e tentei sacudir a cabeça. Ele precisava saber que eu não queria isso. Jamais quis algo assim. Nem mesmo o quis.
Isso não me levou a lugar algum. Ian, obviamente, estava focado no que ele achava que eu queria. Então, eu fiquei lá, esperando que ele apenas acabasse logo com isso. Não havia nada que eu pudesse fazer para escapar, então, aceitei meu destino e fechei meus olhos, esperando.
Um som me alertou que algo tinha acontecido no quarto. Abri meus olhos para ver Dean parado ali, pairando sobre Ian. Ele viu o desespero em meu olhar, e pude ver a raiva no seu. Puxando o pescoço de Ian, ele o jogou longe, enquanto eu gritava para que ele tirasse Ian de cima de mim. Ele agiu rapidamente, golpeando-o e voltou para perto de mim, tomando o seu lugar. Com uma mão em minha boca, ele gentilmente me silenciou. O pânico que havia me tomado lentamente diminuiu. Dean não estava aqui para me machucar. Ele nunca tinha feito isso.
Quando ele percebeu que eu estava mais calma, ele desamarrou meus pulsos e me segurou em seus braços, até que a minha respiração se acalmou.
― Sinto muito não ter chegado mais rápido ― ele disse, acariciando meu cabelo.
Solucei. Foi então que me senti despedaçada, lamentando a perda de todos aqueles que eram importantes para mim. Dean, Jeremy, e agora, Ian.
― Eu nunca te trai ― sussurrei em seu peito.
Senti que ele me abraçou mais apertado, seu carinho me dando uma falsa sensação de segurança.
― Isso não importa agora. Podemos falar sobre isso mais tarde. Em primeiro lugar, preciso cuidar dele. Vou voltar para você, mas eu preciso levar seu corpo para um lugar onde ele jamais seja encontrado. Você entende?
Balancei a cabeça, mas o medo rasgou meu coração. Dean era poderoso. Eu sabia disso agora. Ele tinha tomado o poder dos pais e usava-o a seu favor. Mas e agora? O que aconteceria entre nós? Tudo isso parecia assustador demais.
Ele moveu-se sobre mim e segurou meu rosto entre as mãos. Deu um beijo em minha testa e sorriu.
― Volto logo que puder, ok? Preciso chamar uma pessoa, primeiro. ― Ele levantou-se e pegou seu telefone. Dean foi para a sala, deixando-me com o corpo de Ian. Não ousei olhar em sua direção. Não podia ver o olhar sem vida refletido em seus olhos agora.
Pude ouvir Dean dizer a alguém para encontrá-lo na segunda saída de incêndio do prédio. Só então me dei conta de que ele deve ter usado uma entrada secreta para entrar e sair do prédio. Não admira que ele era tão bom no que fazia.
Desligando o telefone, ele voltou para o quarto. Vi quando ele olhou para Ian como se estivesse diante de um corpo qualquer, que ele nunca tinha visto antes. Esse pensamento me gelou até os ossos.
― Vou levar este pedaço de merda para a porta da frente.
Concordei.
― Acho que seria uma boa ideia. ― Eu não podia me mover, e acho que ele sentiu a minha apreensão.
Com um sorriso, eu o ouvi puxar Ian pelo chão. Virei-me, não querendo ver o que ele estava fazendo. Fechei meus olhos, querendo me proteger. Eu não queria isso. Eu não pedi por isso, e certamente não queria mais viver assim.
Cerca de dez minutos depois, Dean voltou para o meu quarto e segurou meu ombro.
― Eu vou sair agora. Posso demorar algumas horas, mas prometo que vou voltar. Você vai ficar bem?
Balancei a cabeça e o ouvi sair do apartamento. No minuto em que ele se foi, levantei da cama, agarrando uma mala e jogando o máximo de coisas possíveis lá dentro. Sentei-me, escrevi uma carta rápida, joguei fora a minha calcinha rasgada, e peguei todos os meus pertences.
Assim que corri para o meu carro, liguei para a minha mãe e disse a ela que precisava de sua ajuda. Rapidamente, contei o que tinha acontecido e ela me disse que iria fazer todos os arranjos.
Colocando tudo no carro, entrei e fugi o mais depressa que pude. Foi complicado porque tive que manobrar o carro. Você não pode fugir rapidamente, se ainda tiver que manobrar. Porra, Dean!
Dirigi por mais ou menos meia hora até a casa dos meus pais, e corri, batendo na porta.
― Bom Deus, Tyler. Você está bem? ― minha mãe perguntou quando passei pela porta.
― Agora estou, mas preciso me afastar, mãe. Não posso lidar com isso agora.
Minha mãe me puxou para os seus braços e acariciou meu cabelo.
― Está tudo bem, Tyler. Já está tudo organizado. Não precisa ter medo. Nós vamos resolver tudo isso.
Afastando-me do nosso abraço, olhei para a minha mãe.
― Ele disse que você e papai deduraram os pais dele. Que por culpa de vocês eles estão mortos. Mas a culpa foi de Ian. Ele enviou uma carta, fingindo ser você, dizendo que você sabia tudo a respeito deles e que estava preocupada comigo.
Seus olhos se arregalaram em choque.
― Eu não posso acreditar que ele faria isso. Ouvi falar a respeito de uma família rival, um pouco mais poderosa do que os pais de Dean, que queria matá-los, numa tentativa de impedir que eles assumissem no futuro. Eles vieram até nós, temendo pela vida de Dean. Eles queriam vingança, mas, no fim das contas, viram que isso colocaria a vida do filho em perigo. Eles estavam tentando fazer um acordo, trocando informações em troca de proteção. Obviamente, não estavam protegidos o suficiente. Eles conseguiram encontrá-los no final. Felizmente, Dean não estava lá quando aconteceu. Ouvi dizer que ele tinha brigado com os pais e saído de casa. Eles foram procurá-lo quando isso aconteceu.
Uma pontada de culpa me tomou, pensando que ele estava chateado comigo e que por isso ele resolveu fugir. Se não fosse por isso, talvez seus pais ainda estivessem vivos.
― Por que você não me contou tudo isso?
Minha mãe suspirou.
― Porque a história não era minha para contar. Ainda tinha a questão da confidencialidade do cliente e tudo mais. Além disso, eu queria protegê-la. Eu não queria que você se envolvesse em toda essa bagunça.
Pude sentir a raiva crescer.
― Mãe, você não tinha o direito de decidir. Você sabia o quanto Dean significava para mim.
Ela assentiu com a cabeça e agarrou meus ombros.
― Sim, mas o seu bem-estar foi a minha única preocupação. Eu só estava fazendo o que uma mãe cuidadosa faria para proteger sua filha. Eu não lhe contei, simplesmente, para mantê-la segura. Ian também achou que era o melhor. Ele até sugeriu que não lhe disséssemos nada. ― Minha mãe estremeceu, percebendo que ele estava, secretamente, jogando com todos.
Meu estômago revirou, recordando os acontecimentos desta noite. Agora Ian estava morto, e eu estava sofrendo por algo que eu não tinha feito. Para que serviam os amigos se você não pode nem mesmo confiar neles? Eu estava determinada a nunca mais deixar ninguém se aproximar assim, de novo. Jeremy estava certo de pensar daquele jeito. Todo mundo só te sacaneia no final. Jamais confiaria de novo em ninguém.
― Você não pensou em perguntar como Ian sabia disso tudo?
Ela encolheu os ombros.
― Achei que ele sabia porque era amigo de Dean. Eu apenas assumi que Dean tinha contado tudo.
Eu ri. De novo, aquela palavra.
Balançando a cabeça, olhei nos olhos da minha mãe.
― Eu queria saber mais detalhes, mas acho que não temos muito tempo. Podemos ir agora?
Minha mãe concordou e pediu ao meu pai para desligar o telefone e descer para que pudéssemos ir.
― Seu pai ficou no telefone a noite toda, tentando resolver tudo ― explicou ela. Acenei, mas isso foi tudo. Depois de tudo o que havia acontecido hoje à noite, eu estava ansiosa para ficar longe… e rápido.
― Oi, pai ― eu disse, observando quando ele apareceu na parte inferior da escada.
― Oi, docinho ― ele respondeu, segurando-me em seus braços. ― Sinto muito que você tenha passado por tudo isso sozinha. Por que você não nos disse que estava sendo perseguida?
Dei de ombros, realmente não querendo entrar neste detalhe. Minha mãe percebeu que eu não estava de bom humor, então, ela se virou para o meu pai.
― Olha, Derren, não acho que ela queira entrar em detalhes, neste momento. Vamos apenas afastá-la, e falaremos sobre tudo isso mais tarde, quando tivermos tempo.
Concordei com um sorriso e saímos o mais rapidamente possível.
Era estranho pedir ajuda dos meus pais. Sempre fui orgulhosa e tentei fazer tudo sozinha, do meu jeito. Meus pais sempre quiseram ajudar, mas eu nunca permiti. Esta era a primeira e única vez que eu pediria sua ajuda. E tudo por causa de um menino que tinha roubado meu coração há vinte e três anos. Engraçado como a vida podia mudar de forma tão dramática. Dean estava certo sobre uma coisa. Ele era o homem dos meus sonhos e o meu pior pesadelo. Ele me conquistou, me roubou, me arruinou, e finalmente conseguiu o que desejava. Eu estava arruinada. Eu estava acabada. Eu era, e sempre seria, sua.

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