Capítulo 46

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Três meses depois
 
Eu estava à espreita, nas sombras, assim como sempre havia estado. Eu observava as pessoas de luto pela morte de Tyler O’Shea. Não havia nenhum corpo no caixão. Nada havia sido encontrado, já tinham se passado três meses e nada tinha aparecido.
Vi as pessoas se consolando. Eu mantinha uma distância segura, observando, à espreita, certificando-me de que ninguém poderia me ver. Eu tinha me tornado uma especialista nisso. Era incrível o poder que se sentia quando você podia observar as pessoas, mas elas não podiam observar você. Era uma sensação estranha, mas que eu sentia muito, ultimamente.
Esperei imóvel até que eles baixaram o caixão no buraco. Vim para dizer adeus a Tyler O’Shea. Ela estava morta agora. Aqui de pé, em seu lugar, estava Jessica Florentino, um sobrenome bastante apropriado, considerando que não só era italiano como também significava “florescer”. Eu estava florescendo agora. Eu renasceria dessas águas turvas e teria a maldita certeza de nunca mais murchar.
Eu tinha uma nova vida para conduzir agora. Uma que implicava em um futuro brilhante. Graças aos meus pais, que forjaram minha morte, criamos uma nova identidade, e eu estava vivendo agora em Nebraska, com a minha irmã. Eu estava pensando em trabalhar como professora de jardim da infância, mas, no momento, alguma coisa, ou melhor, alguém, por assim dizer, havia interrompido meus planos. Teria que adiá-los por alguns poucos meses, para começar na minha nova carreira. Era meio engraçado ver Dean à espreita, nas sombras, da mesma forma que eu. Mas eu era a pessoa que o observava agora, sem que ele soubesse. Eu tinha me tornado a estranha, aquela que o perseguia, o observava e o desejava. Desde que cheguei aqui, há alguns dias, visitei meus pais; observei Dean e não pude resistir a ir ao meu antigo apartamento. Fiquei dez minutos por lá, olhando o lugar, antes de dizer adeus. Não pude resistir à tentação de verificar o banheiro mais uma vez. O papel higiênico estava virado do lado errado de novo e, sorrindo, não pude resistir à ideia de colocá-lo de volta no lado certo. Digamos que eu quis ter a última palavra. Imagino que Dean tenha ido lá algumas vezes, depois que desapareci, mas ele não voltaria lá agora. Por que o faria, se eu estava morta?
Olhei para frente, vendo-os finalmente baixar o caixão. Por hoje, estava tudo acabado. Hoje à noite, eu entraria em um avião, pronta para recomeçar minha vida. Olhei mais uma vez para Dean, apenas para capturar seu rosto em minha mente. Eu precisava de algo dele. Precisava dessa imagem comigo. Eu sabia que, se eu tivesse ficado, ele nunca teria parado. A nossa relação tinha sido baseada em mentiras e traição. Jamais poderia ficar com ele sabendo disso, não importa o quanto me dilacerasse saber que nunca mais o veria novamente.
Sem saber, Dean havia me deixado um presente de despedida, que eu cuidarei como um tesouro, pelo resto da minha vida.
Acariciando a minha barriga saliente, voltei para o táxi que me aguardava, e entrei, sem olhar para trás. O objetivo final de Dean sempre foi deixar uma marca permanente em Tyler O’Shea. Bem, acho que posso dizer que ele alcançou o seu objetivo…
Em mais de um sentido.

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