Tyler
Buckinghamshire, 1993
― Você nunca vai conseguir escapar de mim, Tyler. Você sabe que sempre vou te encontrar.
Coloquei minha mão sobre a boca, tentando sufocar o riso. Ele estava tão próximo de mim, agora, e provavelmente já sabia onde eu estava. Acho que ele gostava de fazer meu coração bater mais rápido. Dean sempre soube como fazer isso.
Eu tinha oito anos e ele dez. Dean estava ficando muito mais alto que eu, mas eu também era alta para uma menina de oito anos. Acho que é por isso que nós três nos dávamos bem. Sempre me incomodou pensar que, um dia, Ian e Dean iriam me achar muito nova para brincar com eles. Às vezes, isso me assustava.
― Rosey! ― ele gritou, sua voz um pouco rouca. Esse era o meu apelido, desde o dia em que nos conhecemos e minhas bochechas queimaram. Ele ficou comigo desde então. ― Eu posso ver você ― ele sussurrou em meu ouvido direito.
Pulei, gritando, e corri para fora do meu esconderijo atrás da árvore. Dean riu, mas me pegou em seus braços.
― Você não pode ficar longe de mim, Rosey. Peguei você.
Ele me fez cócegas até que eu não conseguia mais respirar.
― Por favor, pare! ― gritei, rindo ainda mais.
Dean parou, então me puxou para olhar em seus olhos.
― Veja, ainda está rosada ― disse ele, acariciando a minha bochecha.
****
Hoje foi mais um bom dia. Era sexta, mas o que tinha de tão bom era a quantidade absurda de mensagens que recebi em resposta ao meu post no jornal de ontem. Muitas pessoas ficaram emocionadas com a ideia. Alguns e-mails eram um pouco assustadores, mas a grande maioria, eram mensagens de amor. Era incrível como muitas pessoas gostavam secretamente de alguém.
Algumas das mensagens eram poemas, outras, pequenos versinhos. A minha mensagem favorita era de um homem chamado Ned, que estava desesperadamente em busca da sua paixão da escola, de vinte anos atrás. O nome dela era Melanie Cribbins e ela foi quem lhe deu o primeiro beijo. Às vezes, primeiros beijos eram difíceis demais de esquecer. Eu sabia muito bem disso.
Eu estava ansiosa para que a mensagem de Ned fosse publicada. Eu a colocaria no centro, para que ela se destacasse entre as demais, para que a misteriosa Melanie Cribbins pudesse ver. Levei horas separando minhas favoritas, antes de submeter a Andrew Walker para publicação.
Ele ficou feliz, assim como eu, com a quantidade de respostas que recebi, desde ontem. Não havia dúvidas de que receberíamos muito mais mensagens nos próximos dias, já que minha primeira postagem foi um sucesso.
Esta manhã, eu havia deixado cinco biscoitos para o meu estranho. Claro que, quando cheguei em casa, eles não estavam mais sobre a mesa e um bilhete estava no lugar do prato, agradecendo-me, para meu deleite. Se eu achava que não tinha como as coisas ficassem mais estranhas, eu estava enganada.
Após guardar o bilhete, rapidamente fui me aprontar para sair com Louisa. Não sei porque aceitei seu convite para ir ao Bo Jangles, mas mais tarde eu saberia se tinha sido uma boa ideia ou não.
Depois de tomar um banho, coloquei meu vestido azul royal e meu elegante sapato de salto preto. Eu me sentia sexy e muito alta, usando saltos. Eu não era baixa, mas sempre quis ser um pouco mais alta. Era como se eu tivesse simplesmente parado de crescer, ao chegar aos treze anos. Tinha sido um pouco decepcionante, mas rapidamente aprendi que o salto alto seria meu melhor amigo.
Quando fiquei pronta, chamei um táxi. Eu sabia que o clube ficava a vinte minutos a pé, mas não tinha jeito de fazer essa caminhada com meus sapatos. Um táxi seria perfeito. Quando cheguei, vi Louisa do lado de fora. Nos cumprimentamos com beijos na bochecha e seguimos a diante.
― Você está maravilhosa, Louisa. Sempre está, mas hoje arrasou!
Rindo, Louisa segurou minha mão.
― Obrigada, querida. Você está maravilhosa e os caras vão te comer com os olhos. Bela escolha, o vestido azul. ― Ela me deu uma piscada insolente e sorriu. ― Agora, vamos encontrar um cara para você.
Sentindo-me nervosa, a segui. Fomos buscar uns drinks e sentamos numa mesa. Não sei porque me meti nisso, mas em certo sentido, Louisa estava certa. Há muito tempo um homem não fazia parte da minha vida. Meu estranho era o único cara constante que eu tinha, no momento.
― O que acha dele? ― Louisa apontou para um homem alto, com uns vinte anos e cabelo escuro, arrepiado.
Bebericando meu drink, balancei a cabeça.
― Não, não faz meu tipo.
Remexendo-se na cadeira, Louisa olhou ao redor.
― Ok, ok. O que acha daquele?
Segui seu dedo, apontando para um cara mais baixo e mais magro. Ele também tinha cabelos escuros, mas o seu estava penteado para trás.
― Não. Muito baixo e magro. ― Nunca fui fã de caras magros.
Balançando a cabeça, Louisa sorriu.
― Ok, vamos ver. ― Ela esquadrinhou o salão do bar novamente, enquanto eu dava um gole na minha Margarita. Não demorou muito até que seus olhos caíssem sobre algo que ela, obviamente, gostou. A forma como seus lábios se curvaram em um sorriso a denunciou.
Seguindo seu olhar, eu esperava ver um carinha presunçoso, como a maioria dos que estavam aqui. No entanto, ele se destacava dos demais. Ele era alto e magro, com o cabelo loiro escuro e olhos cautelosos. Não eram feios, mas sim escuros e sensuais.
― É disso que estou falando! ― Louisa gritou.
Tentando fingir interesse, dei de ombros.
― É bom, acho… se você gosta do tipo.
Os olhos de Louisa se arregalaram.
― Ah, garota, vamos lá! Você tem que admitir que ele é sexy.
Sorrindo, pisquei para ela.
― Talvez só um pouco.
Dando um tapinha em meu braço, ela riu.
― Essa é a minha garota. Agora, vamos pedir mais Margaritas. Ele está no bar, então é a nossa oportunidade. Vamos!
Sentindo-me confusa, bebi o mais rápido que pude.
― Porra, Louisa. Neste ritmo, vou ficar bêbada antes de sequer começar.
Puxando-me da cadeira, ela sorriu.
― Mais uma razão para beber rapidamente. Vai te deixar mais corajosa. Agora, vamos lá.
Levantei-me e respondi Louisa.
― Sim, senhora! ― gritei com um sorriso.
Rindo, caminhamos para a área do bar, onde o cara loiro e sexy estava com outros dois caras. Um deles nos notou imediatamente e deu uma cotovelada no loiro sexy. Quando nossos olhos se cruzaram, eu soube imediatamente que iria transar com alguém hoje à noite e seria ele.
Desviando meus olhos para não parecer muito interessada, olhei para o bar.
― Duas Margaritas, por favor! ― gritei.
― Boa noite, garotas ― um dos caras disse.
― Olá ― Louisa e eu respondemos juntas e notei o cara sexy olhando para mim.
― Podemos pagar uma bebida para vocês? Seria um prazer para nós. ― Olhando para o sexy loiro, balancei a cabeça e sorri.
― Então, quais os seus nomes?
― Eu sou Tyler e ela é Louisa. E vocês?
O loiro sexy sorriu.
― Sou Brad e estes são Calvin e Eddie.
Após nos apresentarmos, começamos a conversar.
― De onde você é? ― perguntei a Brad, já que era com ele quem eu queria ir para a cama hoje à noite.
― Sou de Stoke. Um bom rapaz do norte. E você?
― Nasci em Buckinghamshire, mas vivo em Londres há um bom tempo.
Com o canto do olho, pude ver Louisa sorrindo. Ela afastou-se de mim, para ficar mais perto de Calvin e Eddie. Tive a sensação que ela estava me deixando para ele.
― Você teve a mesma impressão?
Confusa, olhei para Brad.
― O que você quer dizer?
Virando sua cadeira de frente para mim, fez um gesto com o polegar por cima do ombro.
― Que eles nos empurraram um para o outro.
Eu não sabia como responder a isso. Não conseguia saber se ele estava sendo rude ou não.
― Bom, se é em Louisa que você está interessado, é só falar. ― Não o culpo. Louisa é linda, mas hoje ela estava deslumbrante, com seu vestido preto curto.
Segurando gentilmente o meu braço, ele sorriu.
― Claro que não. Estou a fim de você, não de Louisa. Sua amiga é bonita, mas ruivas não fazem o meu tipo. Prefiro as loiras, especialmente as que tem belos olhos verdes como os seus.
Recuperando o fôlego, senti meu rosto corar. Brad parecia divertido.
― Não me diga que você não recebe esse tipo de elogio o tempo todo. Uma garota como você, com certeza, é bastante cobiçada.
Balancei a cabeça, surpresa com o quão surpreso ele parecia.
― Trabalho muito, para esse tipo de coisa.
Brad olhou para o meu copo e vi que ele estava esvaziando tão rápido quanto o anterior. Ele olhou para cima e fez sinal para o barman.
― O que você faz? ― perguntou, depois de fazer o pedido.
Tomei um gole no resto da minha bebida e sorri.
― Sou jornalista, e você?
Me olhando curiosamente, ele ergueu a sobrancelha.
― Sou policial.
Meus olhos se arregalaram.
― Sério?
Ele riu.
― Não fique tão chocada, moça. É muito surpreendente que eu seja um tira?
Balançando a cabeça, sorri. Não sei porque, mas achei cômico.
― Sinto muito, mas você parece muito mais com Al Capone do que com um tira, e não é de um jeito ruim.
Sorrindo, Brad empurrou outra bebida em minha direção.
― Acho que vou deixá-la passar por essa, dessa vez.
Percebendo que já tinha acabado com a minha segunda bebida, peguei o segundo drink com prazer.
― Muito obrigada, oficial. Não quero entrar em apuros. Você pode querer pegar suas algemas.
Não posso acreditar que eu disse isso!
Querendo me esconder debaixo da mesa, olhei para Brad com um sorriso sem graça.
― Desculpe. Que clichê. Aposto que você ouve isso o tempo todo.
Rindo, ele segurou minha mão.
― Verdade, mas não de mulheres bonitas como você.
Olhando fixamente em seus olhos cheios de luxúria, não conseguia segurar a excitação que crescia dentro de mim. Talvez pelo álcool, ou pelo jeito que ele me olhava com seus olhos sensuais e seus músculos duros. Naquele momento eu soube que não iria para casa sozinha.
****
Depois de mais de duas horas de conversa, risadas e dança, Louisa saiu com Calvin e Eddie, e eu, com Brad.
Durante o percurso do táxi, tudo o que eu queria fazer era subir no colo de Brad e beijá-lo com toda a intensidade que havia dentro de mim. Eu sabia que estava bêbada, e também que estava agindo por impulso, mas não conseguia me segurar. Era para isso que eu tinha saído, não é?
Saindo do táxi, me atrapalhei ao procurar as chaves na minha bolsa. O tempo todo, Brad beijava meu pescoço por trás, fazendo com que ficasse ainda mais difícil encontrar as chaves.
Rindo, consegui encontrar o chaveiro e enfiar a chave na fechadura. Depois que abri, Brad me prendeu contra a parede, no corredor, e arrebatou meus lábios. Sua boca era macia, faminta e convidativa. Não tão sexy quanto eu tinha imaginado, mas gostoso.
Nos afastamos e, rapidamente, entramos no elevador, até o meu apartamento. Quando entramos, acendi as luzes. Brad me agarrou novamente e me puxou contra seu corpo. Eu pude sentir o quão duro ele estava e sabia que ele me queria.
Me afastei um pouco e olhei para ele, sem fôlego.
― Preciso beber um pouco de água.
Ele balançou a cabeça e fui para a cozinha, fazer meus rituais noturnos. Eu era como um relógio, sempre bebia um copo d’água na hora que entrava em casa, mesmo sob essas circunstâncias.
Entrando na cozinha, abri a porta da geladeira, sem ligar as luzes. Mexendo nas prateleiras, achei uma garrafa de Perrier. Tomando um gole, ainda estava com porta aberta, quando Brad entrou e acendeu a luz. Sorri e fechei a porta.
De repente, seu sorriso transformou-se em uma carranca, enquanto olhava para a geladeira. Franzi minha testa, me perguntando o que havia lhe chamado atenção. Virei a cabeça e levei o maior choque da minha vida.
Deixando a garrafa de vidro cair, ofeguei. Não podia acreditar no que estava vendo na porta da geladeira. Ele devia saber que eu estava indo para a casa com Brad e sabia que a primeira coisa que eu faria, era beber um copo d’água.
À minha frente, estava um bilhete do meu estranho, impresso em letras garrafais e negrito.
MANDE-O EMBORA!
― Merda, você não falou que era casada ou estava envolvida com alguém. Não fico com mulheres que tem um relacionamento. É aborrecimento demais.
Ainda em estado de choque, segui Brad de volta para a sala, olhando-o pegar seu casaco. Eu deveria falar com ele. Ele é um policial, afinal de contas. Eu deveria explicar a ele sobre meu perseguidor, que vasculhava meu apartamento diariamente, há quase três anos. Mas, por alguma razão, eu não conseguia pronunciar as palavras. Eu deveria ter falado, mas sentia uma necessidade de proteger esse estranho. Ele era o meu estranho, afinal.
Depois de alguns segundos de silêncio, a única coisa que saiu dos meus lábios foi:
― Sinto muito, achei que não tínhamos esse tipo de relacionamento, mas estou obviamente errada.
Suspirando, Brad vestiu o casaco.
― O que você quer dizer com isso? ― Ele balançou a cabeça e caminhou até a porta. ― Ah, não importa. Prazer em conhecê-la.
Ao ouvir a porta se fechar, afundei na cadeira. Por alguma razão, já não me sentia mais tão bêbada. Além disso, eu deveria estar com raiva, mas não estava assim. Quem quer que vinha me perseguindo por Deus sabe quanto tempo, além de mexer nos meus pertences, agora parecia querer controlar a minha vida amorosa. Ele sabia tudo sobre mim e, agora, ele devia sentir que tinha algum direito sobre mim.
Pensando nisso um pouco mais, cheguei à conclusão que ele deve ter me seguido esta noite. Ele deveria saber que eu voltaria para casa com Brad e, de alguma forma, voltou ao apartamento antes de mim.
Foi neste momento que me perguntei se ele ainda estava aqui. Como ele poderia ter vindo para cá, escrito o bilhete e desaparecido antes que eu chegasse? Eu tinha que descobrir.
Com a ansiedade percorrendo meu corpo, me levantei da cadeira, tropeçando, e segui em direção aos quartos.
Não encontrei nada, é claro. Só quando cheguei ao meu quarto é que vi outro bilhete, preso em minha cama. Rindo, percebi que ele deve ter colocado lá como garantia, caso eu não fosse até a cozinha beber água.
Quem era esse cara? Ele não estava apenas com ciúmes, ele era possessivo. As palavras rabiscadas no papel, me mostraram isso.
Você é minha!
Suspirando, falei.
― Se você acha que sou sua, porque você não se mostra. Saia, saia de onde quer que você esteja! ― Eu ri.
Parada por alguns instantes, tudo o que me cercava era o silêncio.
Respirando fundo, deixei o bilhete cair e fui para o banheiro, me preparar para dormir. Eu não iria mais pensar sobre isso, esta noite. Estava bêbada demais e cansada, para tentar entender o que tinha acontecido. Amanhã era outro dia. E eu iria descobrir, de uma vez por todas, quem era esse cara.
****
Em meu sono atordoado, estava vagamente consciente das mãos de alguém, em mim. Os dedos se arrastavam tão sedutoramente sobre meu corpo, que eu não conseguia segurar os gemidos. Parecia um sonho, mas o sonho era muito real. Estou sonhando? Essas mãos estão sobre mim, de verdade? Eu não sabia. Minha cabeça parecia não querer saber. Tudo o que meu corpo queria era sentir e eu queria aproveitar cada toque.
Pulando da cama, percebi que já era de manhã. Procurei pelo quarto, mas não havia nada. Foi um sonho? Parecia muito real. Por outro lado, eu estava de ressaca, então, provavelmente, eu estava tendo alucinações. Talvez, saber que meu estranho estava tão próximo, estava brincando com a minha cabeça. Eu não só estava vendo coisas, como estava sentindo coisas agora.
Sacudindo a cabeça, levantei-me para ir ao banheiro. O maldito papel estava colocado de forma errada, de novo. Qual o problema dele com essa porra dessa obsessão com meu papel higiênico?
― Eu moro aqui, amigo, não você! ― Gritei para o ar. ― Ótimo! Agora você está me fazendo falar sozinha. Que maravilha, Tyler! Você, finalmente, tá ficando maluca!
Balancei a cabeça e me calei. Estava ansiosa para descobrir se haveria alguma mensagem para minha coluna, então tomei banho e me vesti, colocando meu telefone no silencioso ao pegar o laptop.
Comecei a ler as mensagens que chegaram. Deveria ter uma centena delas. Algumas eram estranhas, outras nojentas. Fui apagando as mensagens que não prestavam, ficando apenas com as verdadeiras. Fui passando os olhos em cada uma, até me deparar com uma que despertou meu interesse imediato.
Oi, meu nome é Jeremy e tenho quinze anos. Há pouco tempo, me apaixonei por uma garota que conheci no McDonald’s, mas nunca tive coragem de me aproximar dela e convidá-la para sair. Eu gostaria, mas agora não posso. Sabe, estou doente. Estou no hospital há dias. É bem complicado declarar meus sentimentos para ela agora, mas sinto que não tenho muito tempo. Além disso, nunca beijei uma garota antes, então, se eu morrer, gostaria de morrer tendo beijado alguém.
Na verdade, tenho várias outras coisas em minha lista, como provar e tentar gostar de vegetais. Não consigo entender como os adultos gostam tanto disso. O que eles têm de tão especial?
Bom, o nome da minha paixão secreta é Julie, e eu adoraria que você mandasse essa mensagem para ela por mim.
Julie, já há algum tempo que a admiro de longe. Quando a vi pela primeira vez, no lado de fora do McDonald’s da Brent Street, uma série de coisas me chamou atenção. Seus cabelos loiros acobreados balançavam de uma forma tão mágica, que minha respiração ofegou imediatamente. Quando você me olhou, quase desmaiei. Você tem os olhos mais incomuns que já vi. E então, você sorriu. Foi um sorriso breve, quando você estava distraída, mas sempre me fez pensar que adoraria receber um sorriso daquele, só para mim. Eu não pude desviar o olhar.
Se você ler esta mensagem, gostaria de dizer, antes de mais nada, com todo meu coração, que você é linda. Em segundo lugar, se você gostar de mim também e quiser conversar ou, quem sabe, me dar um beijo, eu adoraria.
Com amor, J.
Por favor, não coloque meu nome completo. Conheço várias pessoas na escola que leem seu jornal, e eles não me deixariam em paz ao descobrirem sobre isso.
Obrigado por seu tempo.
Jeremy.
Sentei, piscando por alguns minutos, relendo o que Jeremy tinha escrito. Fiquei imediatamente atraída por sua história e tinha que descobrir quem ele era, então, respondi a sua mensagem.
Querido Jeremy,
Acabo de ler seu e-mail e, devo admitir, fiquei imediatamente tocada por suas palavras. Você só tem quinze anos, mas tudo que escreveu foi muito sincero e maduro para alguém da sua idade. Logicamente, vou postar sua mensagem e deixarei seu nome de fora. No entanto, gostaria muito de visitá-lo, Jeremy. Você poderia me dizer, por favor, em que hospital você está?
Muito obrigada,
Tyler O’Shea
Colunista do Daily London.
Esperava não assustá-lo. Queria conhecer Jeremy, simplesmente, porque ele me intrigou muito. Seu e-mail me tocou e me fez valorizar tudo o que tenho em minha vida. Entristeceu-me pensar que ele poderia ter pouco tempo de vida. Eu não sabia o que fez com que ele chegasse a essa conclusão, mas queria saber.
Quando eu estava prestes a me levantar para fazer minha segunda xícara de café, veio outro e-mail dele.
Adoraria receber sua visita. Não recebo muitas visitas. Só não gostaria que as pessoas descobrissem que era eu.
Assim que li sua resposta, cliquei em responder no e-mail e escrevi:
Jeremy, pode acreditar em mim, quando digo que não quero visitá-lo como jornalista. Gostaria de conhecer você, de verdade. Juro que nem seu nome ou foto serão publicados em qualquer matéria minha. A menos, é claro, que você autorize. J
Cliquei em enviar e esperei. Eu podia entender sua apreensão, já que jornalistas não tinham boa reputação. Eu tentava, na minha linha de trabalho, não agir como um abutre. Por isso, sempre sonhei em ter minha própria coluna, entrevistando pessoas que gostariam de ser entrevistadas.
Não demorou muito e sua resposta chegou. Acho que ficar preso no hospital, por tanto tempo, não proporciona muito o que fazer.
Ok. Estou no St. Francis, na Dexter Street. Meu nome é Jeremy Crawlings e estou no Benedict Ward. O horário de visitas é entre nove e onze horas, e depois, das quatro às seis. Venha quando quiser, mas traga Stiksy com você.
Fiquei rindo do seu pedido de biscoito salgadinho, mas respondi que faria o meu melhor para realizar o seu desejo. Ele deveria ser como eu, que adorava essas besteiras. Acho que Jeremy e eu já tínhamos alguma coisa em comum.
Ao terminar de ler os e-mails, decidi fazer compras para o jantar de hoje à noite, com Ian. Depois que fizesse tudo, eu poderia relaxar um pouco, antes de ir visitar Jeremy. Eu estava ansiosa para conhecê-lo.
Estava prestes a sair, quando um alerta soou em meu telefone. Era um e-mail de Louisa, então fui ler, imediatamente.
Tyler,
Você não vai acreditar no que acabou de acontecer!! Porque você não atende a porra do telefone?? Bem, abri meu e-mail e tem um convite para a Mansão!! Meu Deus, Tyler, sabe há quanto tempo eu espero por isso? É para este sábado e eu posso levar um acompanhante. Você PRECISA ir comigo. Se você disser que não vai, terei de amarrá-la e levá-la comigo.
Beijos,
Louisa.
Tive que rir. Eu sabia o quanto isso era importante para ela, pois Louisa estava numa lista de espera há meses. A “Mansão”, como ela chama, é um total mistério. Todos os meses, um pequeno grupo seleto era escolhido para participar de uma festa. O mais estranho, era que ninguém sabia quem diabos era o dono do lugar. As pessoas, simplesmente, eram convidadas, passavam a noite, se quisessem, e depois iam para a casa. Sem falar com o anfitrião, sem saber o porquê de terem sido escolhidos. O tal mistério parecia fazer as pessoas desejarem querer ir ainda mais. Louisa, sendo a jornalista que era, estava determinada a descobrir tudo sobre isso. Perdi as contas de quantas vezes ela passou em frente a Mansão, se coçando para entrar e ver o que estava acontecendo.
E agora, ela quer que eu vá. É claro que tenho que ir, caso contrário, ela jamais me deixaria em paz. Meus pais também estavam me atormentando para vê-los, já que nossos trabalhos pareciam não permitir que conciliássemos nossa agenda. Eu iria sugerir este fim de semana, mas teria que adiar.
Com um suspiro, fechei a porta e digitei a resposta.
Não gosto de ser amarrada por meus amigos, então acho que você me deixou sem escolha.
Pressionei enviar, abri a porta e saí. Eu não sairia com o carro hoje, mas não consegui controlar a vontade de ver se o meu estranho tinha mudado ele de posição na vaga. Com certeza estava, mas eu já não ficava mais surpresa.
A manhã correu como planejei e ainda consegui comprar o biscoito de Jeremy. Eu estava realmente ansiosa para conhecê-lo. Ele parecia ser um garoto muito legal. Também comprei vinho e os ingredientes para o jantar. Ian sempre dizia que eu cozinhava bem.
Entrei em casa, coloquei as compras na cozinha e fui ao banheiro. Me surpreendi com o que encontrei, ao entrar. Com um profundo suspiro, tentei me acalmar antes de colocar o papel higiênico no lugar. Meu estranho tentava implicar comigo, devia achar que esse joguinho era divertido. Mas isso, muitas vezes me irritava profundamente. Se isso fosse um relacionamento, e eu morasse com ele, poderia decidir se gostaria de lidar com esse tipo de coisa. Com esse cara, eu não tinha opção a não ser conviver com seus hábitos irritantes.
Eu tinha que lidar com as coisas em casa, com minhas estranhas visitas. Ele sabia tudo sobre mim e tudo o que eu fazia. Devo estar louca por conviver com essa merda.
Tudo isso mês fez pensar em Brad, por um minuto. Eu teria ficado feliz em ir para a cama com ele na noite passada, mas, por alguma razão, fiquei feliz por não ter acontecido. Meu estranho, obviamente, sentiu que tinha alguns direitos sobre mim. Por que? Eu não sabia. E nem sabia o que ele faria, se eu tivesse ido em frente. Não estou dizendo que fiquei feliz porque não queria chatear meu estranho. Mas não sou o tipo de mulher que costuma levar um cara qualquer para casa, para transar com ele. Pensando por um outro lado, ele meio que me fez um favor. Mas, não pude deixar de pensar. E se, em algum momento, eu conhecesse alguém e gostasse dele? E se a gente quisesse ter um relacionamento? O que aconteceria com o meu estranho, então? O que ele faria? Eu não sabia as respostas. Ao mesmo tempo, apesar de me assustar, ele me deixava animada de um jeito meio pervertido.
Sei que eu precisava falar com alguém sobre isso. Eu devo ser louca de manter tudo isso escondido. Meus pais e amigos me matariam se soubesse que estava sendo perseguida e não fiz nada sobre isso, nem falei nada com ninguém. Honestamente, eu não conseguia entender a lógica dele. Ele devia ser um pouco louco, por fazer coisas assim. Obviamente, não era normal. Era um comportamento estranho e me sentei, perguntando-me o que ele faria agora. Ele era uma companhia constante, pelos últimos três anos, mas nunca fez nada além de arrumar coisas que eu tinha deixado fora do lugar ou mudando o lugar de coisas que ele achava que estavam erradas. O que ele fez ontem à noite, mudaria as coisas? Será que ele, finalmente, responderia as minhas perguntas? Quem era ele? O que ele quer comigo? Ou será que um dia vou acordar e me deparar com ele em frente a minha cama, com um machado na mão? A única coisa que eu tinha certeza era que ele não queria me fazer mal, se quisesse, já teria feito antes. Ele já teve muitas oportunidades no passado para fazer isso. Se ele quisesse me matar, por que eu ainda estava viva?
Com todas essas coisas na cabeça, fui arrumar as compras, a casa e comer alguma coisa antes de sair para visitar o Jeremy. O hospital ficava próximo de onde eu morava, então, próximo das três e meia, decidi sair. Eu não tinha me exercitado, nos últimos tempos, então uma caminhada até o hospital me faria bem.
Com um pacote dos salgadinhos que Jeremy pediu, na bolsa, e um livro que comprei na livraria, segui para o hospital. O dia estava nublado, então levei um guarda-chuva, para me prevenir. Não queria ficar encharcada se caísse um temporal no caminho para o hospital.
Ao chegar no hospital, procurei no mapa da entrada a ala Benedict Ward, que ficava no terceiro andar. Peguei o elevador. O hospital estava lotado, no elevador, cerca de dez pessoas estavam espremidas.
Quando cheguei no terceiro andar, dei um suspiro de alivio e pedi licença, saindo do elevador. Tudo parecia tranquilo, exceto um casal que estava de pé, junto à porta da enfermaria. A mulher chorava e o homem ao seu lado tentava consolá-la da melhor maneira possível. Isso me fez ficar triste, ante a perspectiva de ter um filho que pudesse ficar doente… ou pior.
Tremendo com o pensamento, fiz o máximo para lhes dar privacidade, voltando a caminhar. Meu primeiro choque foi ver a quantidade de crianças na enfermaria. Eu não imaginei que tantas crianças poderiam ficar doentes. Eu sabia, mas ver foi um choque, no entanto.
― Posso ajuda-la? ― uma enfermeira perguntou.
― Sim. Vim visitar Jeremy Crawlings. Ele está me esperando.
― Tyler O’Shea!
Olhando por cima do ombro da enfermeira, vi um menino sem cabelos, sentado na cama. Ele era muito bonito, com brilhantes olhos azuis e lábios rosados. Apesar disso, ele não parecia muito bem.
― Jeremy? ― perguntei, agradecendo a enfermeira e seguindo em direção a sua cama.
― Uau. Você é ainda mais bonita pessoalmente. Sua foto não lhe faz justiça.
Sorri, pensando que ele era um pequeno atrevido. Eu gostava de pessoas assim.
― É um prazer conhecê-lo também ― respondi, sentando ao seu lado, na cama, e estendendo a minha mão.
Jeremy abriu um grande sorriso e segurou minha mão.
― Não ganho um beijo? Acho que mudei de ideia sobre Julie, agora que te conheci.
Rindo, vasculhei minha bolsa.
― Apesar de me sentir lisonjeada, acho que a lei não é muito tolerante com mulheres adultas que ficam beijando garotos de quinze anos.
Jeremy ergueu-se um pouco na cama.
― Ah, que droga. Bom, eu tinha que tentar, né?
Balancei a cabeça, rindo.
― Tá certo. Bem, como você me pediu o salgadinho, vim cumprir minha promessa. ― Tirei as coisas da minha bolsa e entreguei a Jeremy com um sorriso caloroso. Ele pegou e seu rosto iluminou-se. Imediatamente, senti meu coração inchar. Me apaixonei por esse menino instantaneamente.
― Você não sabe o quanto sonhei com isso. Obrigado.
Coloquei minha bolsa ao lado da cama e olhei de volta para Jeremy.
― De nada. Mas por que outra pessoa não veio lhe trazer?
O rosto de Jeremy refletiu tristeza.
― Não tenho muitos amigos.
Meu coração apertou, dolorido.
― Mas por quê?
Eu não conseguia entender como um menino como ele poderia não ter amigos.
Jeremy deu de ombros e olhou para mim.
― Não tem porque fazer amigos. Não tem nem mesmo porque de você estar aqui.
Olhei para Jeremy em estado de choque.
― Mas por que? Não entendo.
Ele olhou para mim, com uma expressão de dor.
― Você não vai escrever sobre isso, não é?
― Claro que não. Fiz uma promessa e vou cumpri-la. Tudo que você me disser, nunca vai sair daqui, a menos que você queira. Vim aqui hoje, porque queria conhecê-lo.
― E me beijar? ― ele perguntou com um sorriso insolente.
― Não força a barra, garoto.
Jeremy acenou, com um sinal de rendição.
― Tá bom, tá bom. Vou me comportar. Só não quero ninguém por perto. Minha companhia sempre me bastou. Assim, ninguém vai sentir minha falta, quando eu me for.
Eu queria pegá-lo em meus braços e abraça-lo com todo carinho.
― E a sua família, Jeremy?
― Não tenho família, nunca tive. Meus pais não me querem. Depois de viver uma vida de assistência social e hospitais, decidi que era melhor me manter longe de todos. Ninguém quer cuidar de um filho doente. Ninguém quer ficar muito perto. Eu entendo. Na verdade, eu faria o mesmo.
Fique parada, completamente apavorada e em choque. Uma parte de mim queria abraçá-lo, outra, queria sacudi-lo. Para alguém com apenas quinze anos, ele certamente parecia ter um grande peso e reponsabilidade, sobre seus ombros.
― O que você está pensando? ― ele perguntou, ao notar meu silêncio.
Olhando para ele, sorri timidamente.
― Estava pensando que você é tão maduro para alguém com apenas quinze anos.
― Você concorda comigo, então?
― Não disse que concordo com você. Só acho que você está colocando muita responsabilidade sobre seus ombros.
― Então você não concorda com isso?
Balancei a cabeça.
― Não, Jeremy. Não concordo. Eu só o conheço a dez minutos e já sei que quero você como um amigo. Não me importo com mais nada além disso.
Agora foi a vez de Jeremy a sacudir a cabeça.
― Não. Você não quer ser minha amiga. Um amigo é alguém que você tem a longo prazo. Alguém que você confia por toda a vida. Não vou estar por aqui, por muito tempo.
― O que te faz dizer isso?
― Eu não sei. Chame de instinto. Venho lutando contra a leucemia há anos. Não acho que meu corpo pode aguentar muito mais. É difícil continuar lutando. É difícil ter vontade de continuar lutando.
Agarrando sua mão, olhei em seus olhos azuis claros.
― Talvez, se você deixar as pessoas entrarem em sua vida, você fosse querer lutar por eles. Todo mundo precisa de alguém.
A carinha triste de Jeremy de repente iluminou-se com um sorriso insolente.
― Você quer ser minha, então?
Balancei a cabeça e, com um sorriso, inclinei-me um pouco para trás.
― Não se envolve beijar você. Vou deixar isso para você e Julie.
Vi o brilho em seus olhos no momento em que mencionei o nome dela.
― Gosto da Julie.”
― Você deveria falar isso para ela.
― É por isso que te escrevi, não é?
Balancei a cabeça.
― Vou publicar isso na edição de segunda-feira de manhã.
Jeremy sorriu e sentou-se, recostando em seu travesseiro. Ele viu o livro debaixo do pacote de biscoito e puxou-o.
― Você não leu esse, não é?
Ele balançou a cabeça.
― Não, mas ouvi dizer que o filme é muito bom.
Balancei a cabeça, porque tinha visto o filme há uma semana atrás.
― É bom. Mas ouvi dizer que o livro é ainda melhor.
A expressão de Jeremy era divertida.
― Não é sempre assim?
Eu ri um pouco.
― Sim, normalmente é assim.
― Bem, obrigado pelo livro. Vou começar a lê-lo mais tarde. Não tenho nada melhor para fazer.
Fiz uma careta, sentindo-me mal que eu pudesse sair daqui e voltar para a minha vida, enquanto Jeremy só poderia ficar nesta enfermaria de hospital.
― Posso te perguntar uma coisa? ― ele perguntou, tirando-me do meu torpor.
― Claro vá em frente.
― Você tem namorado?
Avistei o sorriso insolente e balancei a cabeça.
― Não, e eu não estou procurando por um, seja quem for. Você nunca desiste?
― Achei que você não queria que eu desistisse. ― Sua sobrancelha estava um pouco levantada, me desafiando.
― Touché, Jeremy. Touché.
― Por que você não quer um namorado?
Dei de ombros.
― Isso complica as coisas. Além disso, tenho o meu estranho. ― No minuto em que disse isso, meus olhos se arregalaram. Eu realmente falei para esse menino, a quem eu só tinha conhecido há alguns minutos, sobre o meu estranho? Eu devo estar ouvindo coisas.
Jeremy observou minha reação chocada e me deu um sorriso irônico.
― Seu estranho? ― Eu, obviamente, disse isso em voz alta.
― Não sei por que lhe disse isso. Eu não falei a ninguém.
Abrindo o pacote de salgadinhos, Jeremy ofereceu um para mim. Peguei um e coloquei na boca.
― Eu estou confiando em você, com a minha vida. Talvez você devesse retribuir o favor. Prometo não dizer nada a ninguém.
Sentei-me na cadeira e mastiguei o biscoito. Eu não podia acreditar que estava prestes a dizer-lhe isso. Eu não tinha certeza do que me compeliu a revelar tudo a um rapaz de quinze anos de idade, que eu não conhecia até dez minutos.
― Nos últimos três anos, tive alguém me observando. Alguém que continua vindo em minha casa e mexendo nas coisas.
Jeremy se sentou.
― Você tem um fantasma em sua casa? Isso é legal.
Balancei minha cabeça.
― Não… bem, pelo menos acho que ele é real.
Jeremy parecia confuso e eu não poderia culpá-lo.
― Espere um segundo. Um homem estranho tem entrado em sua casa? Não só isso, ele vem fazendo isso por três anos? ― Balancei a cabeça e engoli meu nervosismo. ― Puta merda!
― Tem certeza que você deveria estar dizendo coisas como essa?
Ele olhou para mim se desculpando.
― Sinto muito, mas você tem que admitir que é um momento puta merda.
Eu ri. Quem sou eu para dizer-lhe que não é.
― Acho que sim.
― Então, o que você sabe sobre ele? Você nunca chamou os rozzers?
Levantei minha sobrancelha para ele.
― Rozzers? Você anda vendo muito o programa Top Gear?
Ele abriu um sorriso enorme.
― Bem, eu tenho o mesmo nome que um deles.
― Sim, mas tudo ele diz que é a melhor coisa do mundo. E James May fala rozzers o tempo todo.
Jeremy riu.
― Você é muito legal. Assiste sempre ao Top Gear?
Balancei a cabeça.
― Sim. Adoro.
― Mas você é uma garota.
Admirada, eu gritei:
― E o que tem? ― Jeremy abriu aquele sorriso insolente dele. ― Você está me zoando, não é ― Ele balançou a cabeça. ― O que eu vou fazer com você?
― Eu não tenho certeza, mas certamente poderia pensar em algumas coisas.
Balancei a cabeça e fiz um pequeno tsk, tsk com a língua.
― Pode parar com isso agora, meu jovem.
Fazendo um beicinho, Jeremy olhou para baixo timidamente.
― Desculpe.
Balancei a cabeça triunfante e recostei-me na cadeira novamente.
― Então, o que você vai fazer com esse seu estranho? ― ele perguntou, jogando outro biscoito em sua boca.
Dei de ombros.
― Não sei. Ele já faz parte da minha vida. Não sei como me sentiria sem ele. Sei que parece loucura, mas é quase como se ele tivesse se tornado um sapato velho e confortável.
Jeremy bufou.
― Não tenho certeza se ele gostaria de ouvir isso. Ele é obviamente uma espécie de “Um estranho no ninho”.
Fiquei chocado que, com apenas quinze anos, ele sequer tivesse ouvido falar sobre esse filme.
― E como você sabe sobre esse filme?
― Passo muito tempo à toa. Tenho visto muitos filmes, inclusive “Antes de partir”, com Jack Nicholson. Tenho minha própria lista. Não é tão grande.
Sentindo-me triste, mas intrigada, inclinei-me mais perto.
― Sério? Você se importaria de partilhar isso comigo?
Jeremy se sentou e ponderou por um momento. No final, ele encolheu os ombros e enfiou a mão no bolso do pijama.
― Acho que sim ― respondeu ele, entregando-me. ― Você confiou em mim com o seu grande segredo. Eu acho que posso confiar em você. ― Ele piscou quando peguei o pedaço de papel dele.
Abrindo-o, olhei para os cinco itens da lista:
1. Assistir o máximo de filmes que eu puder. ü
2. Conseguir o autógrafo na foto do ator David Tennant. ü
3. Voar de helicóptero.
4. Ir para a Disneylândia, Paris. ü
5. Beijar Julie.
Olhei para a lista por um tempo, antes de responder.
― Você tem os itens um, dois e quatro assinalados. Quando você foi para a Disneylândia de Paris?
Jeremy revirou os olhos.
― Tive sorte que um dos lares adotivos que fiquei teve um financiamento do governo para uma viagem. Onze de nós foram escolhidos. Eu me diverti. Pelo menos eu posso dizer que fiz isso
― Por que você quer voar de helicóptero?
Seus olhos, de repente, se iluminaram.
― Quantas pessoas você conhece que já voou em um avião?
Balancei a cabeça, tentando pensar.
― Acho que todo mundo que conheço já voou de avião, em algum momento.
― Ok, bem, quantas pessoas você conhece que voou em um helicóptero?
Olhando para longe por um momento, tentei pensar.
― Não consigo me lembrar de ter conhecido ninguém que tenha voado em um.
Jeremy assentiu com um olhar presunçoso.
― Exatamente.
Olhei Jeremy por um momento.
― Sabe que você é a pessoa mais interessante que já conheci?
O sorriso presunçoso de Jeremy permaneceu.
― Eu tomo isso como um elogio.
Sorri de volta para ele.
― A intenção era ser mesmo. ― Pensando que era hora de mudar de assunto, suspirei. ― Então, me fale sobre Julie. Quando vocês se conheceram?
Jeremy sorriu e olhou para longe.
― Há quase cinco meses. Avistei-a do lado de fora do McDonald’s com alguns de seus amigos. Ela estava linda. Desde aquele dia, nos encontramos algumas vezes. Sempre falamos oi, mas é o máximo que consegui falar com ela. Toda vez que penso em falar mais, minha língua parece colada à minha boca. É realmente irritante. “
― Então vocês dois se conhecem, então?
― Sim, mas acho que estou mais consciente dela do que ela é de mim.
Agarrando outro de seus salgadinhos, balancei minha cabeça.
― Você não pode dizer isso com certeza. Ela pode se sentir como você.
Jeremy deu de ombros novamente.
― Acho que nunca vou saber.
Recuei novamente.
― Não diga isso. Você nunca sabe o que a vida vai lhe trazer, Jeremy.
Ele riu um pouco.
― Eu sei, eu sei. Talvez eu precise de alguém como você por perto. Você é adorável e seu jeito é bastante contagiante. Você ainda acolhe homens estranhos em sua casa. Você provavelmente até mesmo o alimenta ― Ele riu alto da sua própria piada, mas depois viu que eu não estava rindo. ― Puta merda. Você está alimentando-o, não é?
Balançando minhas mãos para frente, disse-lhe para se calar.
― Pare com isso, Jeremy. Eu só dou uns cookies a ele, às vezes.
Ele estava rindo ainda mais, agora.
― Cookies? Isso é clássico. Ele soa como seu animal de estimação.
Agora foi a minha vez de dar de ombros.
― Ele gosta de cookies.
Jeremy bateu na cama.
― Para, para. Acho que vou desmaiar de tanto rir.
― Você não pode dizer a ninguém ― eu sussurrei para ele.
Jeremy parou de rir e colocou uma mão em seu coração.
― Eu juro que não vou contar a ninguém.
Eu pisquei de volta.
― Sei que não vai.
****
Fiquei lá até me sentir exausta. Me diverti muito, o tempo parecia voar. Deixei Jeremy, deixando-o saber que ele tinha uma amiga para o resto da vida e eu iria visitá-lo muitas vezes, ele gostando ou não. Jeremy apenas sorriu e disse que eu tinha ficado feliz por ele ter dado em cima de mim. Eu meio que esperei uma certa resistência por parte dele, mas minha promessa de levar os salgadinhos em cada visita, o conquistou no final.
Corri de volta para o meu apartamento, para que eu pudesse preparar o jantar. Ian demoraria uma hora para chegar, mas não gosto de me sentir apressada. Gosto de ter tudo planejado e pronto com antecedência.
Eram pouco mais de sete e meia, quando ouvi a batida na porta. Corri, com uma taça de vinho tinto na mão, e tomei um gole furtivo antes de abrir a porta.
― Ian!
― Para mim? ― ele perguntou, pegando a taça de vinho e bebendo em um gole.
― Ian, você é um filho da puta rude.
Ele me deu um beijo na bochecha.
― Sabe o quanto você me deixa duro, quando fala com essa boca imunda?
Empurrando-o, fiz uma carranca.
― Muito engraçado, parece que só você provoca a minha boca suja.
Colocando a mão no coração, ele sorriu.
― Me sinto honrado. ― Eu ri, mas então, ele se voltou na direção da cozinha. Inspirando profundamente, ele olhou para mim. ― Espaguete à bolonhesa?
Balancei a cabeça.
―Sim, e nada de esgueirar-se na cozinha, enquanto eu não estiver olhando. ― Ele me olhou chocado. ― Não me venha com esse olhar, Ian. Você sabe do que estou falando. Eu vi.
Ian acenou, balançando a mão.
― Oh, bem, o que posso dizer? Você faz um bom espaguete à bolonhesa, e como fez hoje à noite, acho que posso permitir que você tenha sorte. ― Ian piscou para mim, mas revirei os olhos.
Ian e eu estivemos numa posição várias vezes em que poderíamos ter chegado aos finalmente… tantas festas e brincadeiras. Acho que ele era o único cara que me conhecia muito bem, sem ultrapassar a barreira da brincadeira. Sabíamos quando parar. Eu sabia que quando Ian brincava comigo sobre dormirmos juntos, era exatamente isso. Ele nunca permitia que as coisas fossem longe demais, mesmo que estivéssemos bêbados. Era uma amizade estranha, no mínimo, mas funcionava. Nós não queríamos mais do que isso, para não estragar a amizade. Nós nos amávamos, mas não no sentido de casarmos e termos filhos. Apesar de Ian já ter brincado com o fato de que se chegássemos aos trinta solteiros, deveríamos nos casar. Eu concordei, porque estava bêbada e achei engraçado.
― Então, o que você fez nos últimos dias? Como foi sua noite, ontem? Teve sorte?
Caminhando em direção à cozinha, balancei a cabeça, sorrindo.
― Conheci uma pessoa, mas não passamos da segunda base. ― Servi-nos mais uma taça, entregando uma a Ian.
― Você sabe como isso é chato?
Engoli em seco.
― Ian, quem está te obrigando a jantar aqui?
Ele balançou a cabeça e fez beicinho.
― Sinto muito. Adoraria ouvir você falar que transou com alguém.
― Pervertido!
― Faço o meu melhor. ― Ele sorriu descaradamente. ― Então, você conheceu alguém na noite passada, mas não passou da segunda base? ― Balancei a cabeça. ― E Louisa?
Pensando a respeito, ela não mencionou sobre isso em seu e-mail. Acho que ela estava animada demais com a festa no próximo sábado.
― Ela não falou nada a respeito. Estava ocupada demais gritando que, finalmente, recebeu um convite para a Mansão, no próximo sábado.
Ian me olhou, boquiaberto.
― Você está brincando comigo! ― Balancei a cabeça. ― Louisa recebeu um convite para a Mansão? ― Assenti. ― E ela pode levar alguém com ela? ― Balancei a cabeça novamente. ― Puta merda! Qual o número dela? Quero ir com ela.
Tomei um gole de vinho e sorri. Honestamente, não estava tão animada em ir com ela. Parecia que todo mundo estava brigando por um convite. Se eu pudesse escolher, o deixaria ir em meu lugar, mas eu sabia que Louisa não aceitaria.
― Sinto muito, Ian. Louisa já convidou alguém. ― Sorri para ele descaradamente.
― Cadela!
Dei um soco em seu braço.
― Não posso fazer nada se ela gosta mais de mim do que de você.
Ian mordeu as unhas, enquanto eu mexia o molho.
― Talvez eu devesse oferecer sexo oral a ela. Será que ela me levaria, então?
Revirei os olhos e bebi mais vinho.
― Acho que não.
― Droga!
― Não se preocupe. Prometo te contar tudo sobre isso. ― Sorri.
― Acho bom. Estou morrendo de vontade de saber como é por dentro e o que acontece lá. Ouvi dizer que acontecem orgias lá dentro.
Me senti em pânico.
― Quem te falou isso?
― John.
Meu pânico diminuiu.
― John é tão doente e pervertido quanto você, Ian. É claro que ele falaria algo assim. Ele adoraria te deixar com inveja de algo sórdido.
Virando, peguei dois pratos no armário. Com o canto do olho, vi Ian enfiando uma colher em meu molho.
― Ei, eu vi isso! ― Fiz uma careta para ele.
― Desculpe ― Ian respondeu, sem demonstrar arrependimento. ― Não tenho culpa que você cozinha tão bem.
Balançando a cabeça, coloquei os pratos na mesa.
― Vai sentar. Está quase pronto. ― Para minha surpresa, ele fez o que pedi.
****
Após o jantar, Ian ainda ficou por um tempo, rindo e brincando. Contei-lhe sobre minha noite fora e minha visita a Jeremy, hoje. Assistimos a alguns episódios de Suits e ele ficou debochando, chamando-os de irritantes.
Quando eu estava começando a cochilar, Ian levantou-se.
― Eu sei quando estou incomodando. Já estou indo.
Bocejei.
― Desculpe, Ian, foi um dia muito agitado.
Ele me envolveu em um abraço e cochichou em meu ouvido.
― Nós podíamos ir para o quarto, sabia? Prometo deixá-la acordada.
Socando seu braço, o empurrei.
― É melhor você ir antes que eu chute seu traseiro.
Ele riu.
― Gostaria de ver você tentar.
Encarei suas palavras como um desafio e bati meu pé em seu traseiro. Ele logo correu.
― Sinto muito. Sinto muito. Retiro o que disse.
― É melhor mesmo,
Segurando-me, Ian me deu um abraço de verdade.
― Obrigado pelo jantar. Estava delicioso, como sempre.
Esfregando seu braço, sorri.
― De nada. Vejo você na segunda.
Ele abriu a porta e acenou.
― Pode apostar.
Depois de fechar a porta, segui para o meu quarto. Nem quis pensar sobre a louça. Eu arrumaria tudo, pela manhã. Tudo o que eu queria agora, era a minha cama.
Quando acendi o abajur, cambaleei. Cuidadosamente apoiada em minha cama estava uma flor. Eu não sabia o que era, mas me pareceu familiar. Meu estranho estava me trazendo flores, agora? Isso era novo. O que ele faria a seguir ?
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Sortilégio
RomanceEste não é um conto de fadas. Ele não é um príncipe encantado que vai levá-la em direção ao pôr do sol. Esta é uma história sobre traição, luxúria, desejo e, em última análise, vingança... E a vingança só pode conduzir a uma coisa. Tyler Ele era um...