Joguei minhas chaves na mesinha de centro da sala da minha casa e me surpreendi quando ouvi um "estou aqui!" do meu pai vindo da cozinha.
– Você não deveria estar na redação? – perguntei me apoiando na porta enquanto o observava.
Ele virou de costas para a pia e me encarou. Sua camiseta branca estava respingada de molho vermelho.
Droga. Ele está tentando cozinhar de novo...
– Também estou feliz por ver você mais cedo hoje – disse com ironia. – Entreguei meu trabalho todo ontem e não precisei ir nem para bater ponto – explicou. – eu tinha te avisado sobre isso ontem mesmo.
Meu pai era de uma revista importante em São Paulo que falava sobre fatos científicos. Ele era o editor auxiliar então tinha horários maleáveis (às vezes maleáveis até demais).
– Como foi o treino? – perguntou contornando seu bigode negro com o polegar e o dedo indicador.
Respirei fundo me sentando na cadeira da cozinha e apoiando meus braços brancos-quase-transparentes em cima da mesa.
– Está tentando cozinhar de novo? – mudei de assunto. – Macarrão? – deduzi pelo cheiro.
– Sim, e este está com certeza melhor que os outros que eu já fiz, acredite.
Meu pai não era um bom cozinheiro, mas ele sabia fazer o "básico"... E não, macarrão não estava incluído no "básico" dele.
Ele era viúvo e nunca havia namorado depois que minha mãe morreu. Se tivesse se casado depois disso, talvez eu tivesse crescido com uma alimentação saudável, livre de possíveis intoxicações alimentares, longe do "básico" e da comida congelada. Por outro lado, se ele tivesse de fato se casado novamente, eu não teria aprendido a cozinhar a minha própria comida.
Pois é, sou cheia de talentos.
Meu pai colocou o pano de louça (igualmente sujo à sua camisa) em cima do ombro e começou a colocar uma massa vermelha em um prato – acho que aquilo era o macarrão –, depositando-o em seguida na minha frente.
– Não estou comendo carboidratos essa semana – o que não era de todo mentira.
– A massa é integral – defendeu. – Mas ainda tem a sua gororoba natureba na geladeira – ele puxou a cadeira para se sentar ao meu lado na mesa – Você não respondeu a minha pergunta.
– Qual pergunta? – me fingi de desentendida enquanto encarava aquela massa grudenta.
– Como foi seu treino?
– Ah... Essa pergunta – fingi me recordar. – A mesma coisa de sempre. Grama, bola, gente se machucando e gente sendo expulsa...
Peguei o garfo que estava em cima da mesa e comecei a cutucar o suposto macarrão – sem pretensão de comê-lo, óbvio.
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NOVEMBRO
Teen FictionAmanda Horstmann foi expulsa do time de futebol da escola (sua maior paixão) e, entre esse acontecimento, descobre que sua falecida mãe compôs uma música para seu pai quando ainda era viva. Motivada por essa descoberta, decide aprender a tocar a mús...