2 | Tudo o que vai, volta

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— E o primeiro dia de aula?

Suspirei ao entrar em casa e olhei para meus pais, que nesse momento estavam jantando.

— Foi legal. Alunos novos, professores novos, conteúdos novos, matérias novas... — fui citando com o esforço de deixar o babaca do Vincent de lado, ajeitando minha mochila no meu único braço. — Ah, e beijei três garotos super lindos. Nada de novo.

— Austin... — Meu pai fez uma careta.

— Pai, estou exausto. Vou subir para tomar um banho, tá?

— Teve teatro? — indagou minha mãe.

— Teve — falei ao pisar nos degraus da escada que me levaria ao meu quarto. — É por isso que estou cansado. Desço para jantar já, já. Amo vocês.

E os amava mesmo. Pensei que seria um caos o dia em que saí do armário — decisão que foi tomada quando arranjei meu primeiro namorado, o David, um garoto que também era do meu colégio. Quem teve uma dificuldade um pouco maior em me aceitar foi minha mãe, ironicamente, já que o pai sempre é o mais rígido. A princípio ela não falou comigo por uns dias, mas se tratando de uma das matérias de sua faculdade — psicologia —, ela compreendeu perfeitamente que nunca foi minha intenção magoá-los.

Já o meu pai tinha uma mente muito aberta quanto a isso, então foi natural. Ele já desconfiava há um bom tempo também, ele me disse, pois eu tinha umas atitudes que a maioria dos héteros — ou pelo menos uma boa parte deles — não teriam, como não jogar bola nem brincar de luta com os outros meninos. Nunca entendi a finalidade disso — que graça tem bater um no outro para decidir quem é mais macho? Me dava vontade de revirar os olhos quando eu via esse tipo de coisa. Eu também nunca fitava as garotas por tempo suficiente para dar a entender ao meu pai que eu gostava delas, o que já era diferente em relação aos meninos, embora eu sempre disfarçasse.

Sempre soube, desde criança, que havia alguma coisa dentro de mim que falava diferente.

No quarto, lancei minha mochila para alguma região que não me interessava e fui direito ao espelho, observando a mim mesmo. Eu tive uma sorte genética muito boa graças às belezas estéticas do meu pai — Clark — e minha mãe — Carla. Eles eram muito parecidos: olhos azuis — sendo o do meu pai mais claro —, cabelos lisos — loiro para meu pai e castanho para minha mãe, a qual eu puxei —, rostos com traços chamativos, estaturas altas e o mais importante para mim: os sorrisos lindos. Agradeço a Deus por ter puxado principalmente essa parte, e, por conta disso, nem ligava muito para o restante do meu corpo. Sempre achei que o sorriso era a melhor coisa do ser humano.

Eu gostava muito de usar pulseiras e um colar diferente no pescoço, além de um alargador pequeno na orelha esquerda. Eu só não tinha tatuagens, mas, se algum dia eu fizesse, escolheria tatuar no meu pulso sete pontos pequenos próximos de si com cada dor do arco-íris, representando claramente meu vale. E só.

Soltei a respiração após ficar parado, peguei uma toalha no guarda-roupa e fui direto ao banheiro. Eu teria que trabalhar amanhã cedo, então quanto menos tempo em permanecesse acordado, melhor. Eu não precisava de um emprego pela excelente condição social dos meus pais, mas eu detestava ficar à custa deles — independência era uma coisa muito importante para mim. Eu poderia ter um rostinho bonito e ser um tanto sedente por garotos, porém nunca poderia dizer que era esnobe e aproveitador. Por isso fui atrás de um emprego com dezesseis anos e consegui um trabalho numa loja pequena de decoração desde então, tendo que trabalhar todas as manhãs de segunda a sexta-feira (e às vezes aos sábados). Era maravilhoso; eu amava.

Naquela noite, dormi antes das 22h. Mas tive dificuldade em ter um bom sono por causa de um par de olhos dourados vindo de um garoto idiota.

🎭

DEPOIS DO "EU TE AMO"Onde histórias criam vida. Descubra agora