21 | Como se fosse pela primeira vez

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Demorei alguns segundos para compreender que minha suspeita — de que a família de Vincent viria até ele — se fez concreta. E isso não foi nada bom; voz me faltou para dizer alguma coisa. Eu estava sufocado — pior era que olhar para a expressão dura de Vincent não me ajudava em nada. Espera... dura? Por que, afinal?

— E então? — Ele ergueu uma sobrancelha, batendo os dedos algumas vezes na lateral da porta.

Pisquei os apressadamente. Parecia que ele estava numa peça de teatro do colégio.

— Poxa, podia ter me dito — falei um pouco assustado. — Passou esses dias todos com característica de luto e...

Parei de falar quando ele me examinou com reprovação, chegando a aproximar o rosto alguns centímetros do meu, para então afastar-se, admitindo seu lugar de compostura.

— Está bêbado?

Nem eu sabia se estava. E mesmo se estivesse, isso não viria ao caso.

— Não... Sim... Sei lá. — Balancei o rosto. — Mas não é isso que interessa. Eu não sabia que seus pais... estavam aqui...

— É claro, você estava enchendo a cara em outro lugar, como saberia?

A voz ríspida dele me assustou. Foi a mesma sensação de estar correndo numa velocidade alta e colidir contra um muro de gelo invisível. Tirando nossas primeiras convivências no colégio, ele nunca dirigiu a palavra a mim desse jeito.

— Como é que é?

— Vai lá voltar aos seus amigos, Austin. — Sua cabeça foi inclinada rapidamente em direção à rua. Uma mistura de raiva e decepção oscilaram em sua voz.

Franzi a testa um tanto confuso para entender por que ele estava assim. O quê?!

— Eu só fui porque você me disse que estaria bem! — Meu tom elevou-se. Se era culpa do álcool, eu não sabia dizer, mas a ira ferveu minhas veias rápido o suficiente para que eu não pudesse contê-la. — Se você tivesse me dito que não estava...

— Você sabia que eu não estava! Esse era o problema!

Novamente eu me assustei. O que diabos está acontecendo?

— Não, não, não... — Apontei o indicador para ele. — Não aja como se a culpa fosse minha, eu não sabia que sua família homofóbica viria vê-lo!

Vincent apertou os lábios e fechou a porta atrás de si, de modo que ficássemos a sós — ou quase isso. Era evidente que ele não queria que seus pais ouvissem nossa briga — pior que isso: ele não queria que seus pais nos vissem. Pensando melhor, acho que o problema era somente eu, mesmo não vendo razão alguma para ter culpa no cartório.

— Pode ser homofóbica, mas ela sempre fará parte de mim. — Ele parou para respirar, o peitoral subindo e descendo em uma sincronização que combinava muito bem com o clima glacial de seu olhar dourado e perfurador. Após uma pausa nada agradável, ele prosseguiu. — Não sei se posso dizer o mesmo de nós dois.

O choque veio na hora. Da testa franzida de raiva eu passei a arregalar os olhos; aquiesci assim que tive oportunidade.

E era tudo um mar de surpresa: primeiramente porque ele estava sendo ríspido, um fato novo para mim desde que começamos a namorar; segundamente porque ele falava como se eu tivesse total culpa, o que não era verdade; e, em terceiro — mas não menos importante —, sua recente revelação de que poderíamos não estar mais namorando. Isso era muito para mim.

Era como se ele estalasse os dedos e, de repente, todo nossa conexão fosse por água abaixo.

Relaxei meu corpo e o fitei por um longo tempo, arquitetando meus sentimentos e tentando processar com lentidão o que estava acontecendo.

DEPOIS DO "EU TE AMO"Onde histórias criam vida. Descubra agora