14 | Impulso

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Depois dos ensaios da primeira cena da peça, fui para casa. Foi difícil atuar no primeiro dia, e mesmo a professora dizendo que isso era comum, eu sabia que o empecilho não era isso: era Vincent. Todas as vezes que ele me olhava, parte de mim queria quebrar a interpretação teatral e partir para o beijo. Deus sabe o quanto minha mão coçava.

Tomei o mais demorado dos banhos, vesti-me sem pressa alguma, peguei minha pasta e fui à cozinha, sentando-me para ler um pouco da peça só para manter minha mente ocupada. Meus pais não estavam em casa, mas eu tinha certeza de que ou fizeram compras ou decidiram dar uma passeada em algum canto da cidade. Fiquei definitivamente em paz — pelo menos por fora. Por dentro eu não parava de pensar, mesmo lendo, em como foi burrice minha não ter beijado Vincent de uma vez por todas. Onde já se viu pedir permissão para esse afeto?

Okay, estávamos em aula... Eu podia usar essa desculpa para não me condenar por completo, mesmo sabendo que ela sequer beirava a verdade. Sempre acreditei que se eu forçasse meu cérebro a trilhar um caminho menos torturante poderia me fazer bem. Mas isso não estava funcionando agora.

Tá, vamos ler um pouco...

Engoli em seco, pus a pasta na mesa e comecei a passar as mãos pelas folhas. Droga, eu poderia adiantar o processo com Vincent se eu tivesse o número do celular dele... Por que diabos eu não tenho? Pelo amor de Deus, eu já deveria ter começado por aí. Normalmente as pessoas conversam com as outras antes de iniciarem quaisquer gestos íntimos, mas eu nem segui a ordem cronológica da coisa. Quer dizer, eu segui, só que pessoalmente, afinal, conversei com ele todos os dias desde que nos vimos. Dá no mesmo, não dá?

Passei meia hora parado, até me dar conta de que vim encarando a mesma página por um longo tempo sem folhear uma única vez. Por fim, me convenci de que não importaria quantas horas eu permanecesse sentado, minha mente estaria ligada a outra coisa.

Quando ouvi a campainha de casa tocar, levantei-me para subir ao meu quarto e passar o resto da noite pensando. Se eu não tivesse tão desligado do meu mundo, eu teria notado de que meus pais jamais tocariam a campainha para entrar. Então eu tive que ir lá averiguar. É, Austin, você está encrencado amorosamente...

Vincent me lançou um sorriso branco quando abri a porta. O... quê?!

— Isso é macumba, não pode ser — sussurrei, os olhos arregalados.

— Perdão?

— O que está fazendo aqui?

Ele pareceu chocado com minha pergunta — e decepcionado também.

— Posso vir outra hora. Já deve estar enjoado da minha cara mesmo, né?

Com um riso tímido, ele ergueu as mãos, mostrando meu colar em uma delas. Outra coisa que eu havia esquecido além da minha consciência.

— Desculpe — pedi apertando as pálpebras levemente. — Eu não queria... que pensasse nisso. Não queria soar grosso.

Seus olhos ficaram relaxados.

— Tudo bem. Eu só vim devolver isso. — Ele estendeu o colar na minha direção. — Estava na minha cômoda, no meu quarto. Claro que eu poderia ter entregado amanhã na aula, mas... eu simplesmente não quis.

Fiz uma expressão de surpresa.

— Ah... — Peguei meu pertence de seus dedos e sorri. — Obrigado.

Uma linha rígida de "não foi nada" se formou em sua boca. Eu precisei ser rápido — mais do que um dia eu já fui com algum garoto que eu tanto desejava.

— Escuta, você não quer entrar? — perguntei apontando para trás de mim, a esperança de que ele aceitasse bem tangível na minha face. — Não tenho filmes clássicos como você, mas eu posso ser um clássico para você, se quiser.

DEPOIS DO "EU TE AMO"Onde histórias criam vida. Descubra agora