Capítulo Dezessete: Cor de Cobre

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Vitória.

Encarei a porta do quarta da Ana por longos segundos desde que ela a trancou. Tudo dentro de mim estava confuso demais para ir atrás dela. Sentia minhas mãos tremendo e minha respiração descompassada. O que será que aconteceu? Numa hora estávamos sorrindo por um pedido silencioso e agora estávamos numa despedida sem adeus. Eu não fazia ideia do que estava acontecendo. Segurei firme no sofá para por os pés no tapete da sala, porém a sensação de estar sem chão continuou. Eu sabia que Ana Clara precisava de um tempo para pensar. Me levantei, então, e fui para uma cafeteria que nunca tinha ido antes.

Me sentei numa das cadeiras de madeira e passei longos segundos encarando o centro de mesa. Nem notei o garoto que veio anotar meu pedido.

-- Vitória?? -- ele chamou, como se já tivesse dito aquilo várias vezes.

-- Oi -- me virei para ele, tentando me localizar. Estava tudo tão distante e estranho, nada fazia sentido. Encarei os olhos cor de cobre do menino e logo os reconheci. Meus olhos foram para o crachá do seu uniforme e eu li "Theo Felipe". -- TF?

-- Oi, Vitória. -- Ela sorriu, revelando uma covinha nas bochechas. -- E ai, o que vai querer tomar nesse fim de tarde?

-- Algo que aqueça o peito. -- Suspirei, poesia agora fluía em mim.

-- Volto em 12 minutos com sua bebida especial. -- Ele disse, guardando o bloquinho de notas e indo até a cozinha. Ele mesmo se encarregou de fazer seja lá o que eu iria tomar.

Peguei um guardanapo e comecei a dobra-lo geometricamente, tentando ver se as coisas se encaixavam desse jeito. Ana havia surtado e eu precisava entender o que estava acontecendo dentro daquela cabecinha. Lembrei então de algo parecido, quando ela foi trancar a faculdade. Me vi de volta aquela tarde em que ela me ligou chorando igual criança, com direito a soluços e fungadas.

"Vi, e se der tudo errado?? Eu vou ter colocado tudo em jogo, meus pais estão tão tristes com isso, eu não... Eu não posso Vitória. Eu não posso causar tudo isso por um sonho louco." Ela disse, como se tentasse convencer a si própria.


"Eu preciso que você respire, Ninha." Lembro de ter dito, calmamente e a ouvir respirar fundo. "Não é um sonho louco, é o seu sonho. E isso já é motivo o suficiente para você largar tudo e ir atrás dele, cê nasceu para cantar, menina, por agora vai ser assim mesmo, é uma mudança tão grande na sua vida... Seus pais estão com medo só, mas logo passa, vai dar tudo certo pra nóis, Aninha, vai dar tudo certo."

Acontece que Ana era assim. Talvez a alma de libriana a fizesse odiar decepcionar quem ela ama, ou os impactos da mudança causavam instabilidade e ela odiava a falta de harmonia. Talvez toda essa história de mídia a fez surtar, talvez lembrou que sua mãe surtaria se soubesse de nós.

-- Aqui. -- Ele colocou duas canecas na mesa e se sentou na minha frente.

Encarei minha bebida. A xícara era azul pastel, havia um canudo listradinho de branco e vermelho. Muito chantilly com o que imaginei ser achocolatado e granulado colorido em formato de estrela. No pratinho que ele havia acabado de colocar tinha cookies com gotas de chocolate. Pareciam recém saídos do forno. A xícara dele estava com a mesma bebida que a minha, porém sua xícara era rosa pastel.

-- Espero que goste. -- Ele disse, apontando para meu copo.

Segurei a xícara com as duas mãos, colocando o canudo da boca e tomando uma bebida doce que reconheci como chocolate quente. Com canela. E muito cremoso. Era, oficialmente, o melhor chocolate quente da minha vida. Peguei o cookie quentinho e passei no chantilly, TF sorriu, aprovando minha atitude. O sabor doce e quentinho me fez esquecer os problemas.

Ana&VitóriaOnde histórias criam vida. Descubra agora