Capítulo Dezesseis: Sem Som.

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 Ana.

 Chegamos ao local da entrevista. Cumprimentamos o pessoal e nos preparamos. Fariam as mesmas perguntas, dariam as mesmas respostas, cantariam as mesmas músicas. Não tinha o que se preocupar. Sentei ao lado de Vitória, seria algo para o youtube, então estávamos mais à vontade. Estávamos no chão, com as costas no sofá. A menina que iria fazer as perguntas se chamava Thais.

 -- Oooie! -- Disse ela animada para a câmera. -- Hoje estamos aqui com as meninas do AnaVitoria.


 -- Eu sou Ana. -- Sorri, dando tchauzinho.

 -- E eu sou a Vitória. -- Vi virou o rostinho num charme fofo.


 -- Vamos fazer umas perguntas que já tínhamos anotados, e uma que selecionamos da tag no twitter.

 -- Mar menina teve até tag?? -- Minha companheira disse, e rimos alto.


 -- A primeira pergunta é aquelas bem clichê mesmo, porém só para inteirar a galerinha de vocês e tudo mais.

 As perguntas clichês começaram. Onde havíamos nos conhecido? Como surgiu o duo? Desde quando cantamos? Poderíamos tocar "Singular"? Tudo dentro do planejado. Eu e Vitória tínhamos as respostas na ponta da língua. Estavamos calmas, até que...


 -- Então, Aninha... -- Chamou Thais, segurando seu celular para ler as perguntas. -- Queremos saber, se não for invasão de privacidade, quem é Diego?

 Gelei. Olhei Vitória e vi seu sorriso falhar, vi sua cabeça baixar e seus olhos se perderem num canto qualquer da sala. Apenas a citação do nome dele fazia tudo nela desmoronar. A paz nela havia sumido, mexia as mãos incomodadas e respirava fundo, claramente desconfortável. Disfarçadamente, segurei a mão dela que estava ao meu lado, apoiada no chão.


 -- Somos amigos, ele é um cara muito gente boa. -- Sorri, deixando a questão no ar. -- Ele é nosso segurança, é uma companhia legal.


 -- E como está sendo as audições no S!NG?

 -- Menina -- Vitória se animou -- Conhecemos muita gente com talento espetacular, é uma energia muito boa naquele lugar, sem dúvidas, um projeto muito lindo.


 -- É realmente um projeto lindo o que estão fazendo. Vamos para as perguntas do twitter agora. -- Ela sorriu, simpática. -- Vitória, se pudesse fazer um último pedido para Ana, o que pediria?

 Os olhos cor de marte encontraram os meus. Senti tudo em mim gelar. Fazia algum tempo que ela não me olhava tão profundamente, no fundo da minh'alma, me revirando por dentro. De repente, ela entrou no meu universo e explorava todas as galáxias e planetas que ela tão bem conhecia. Abri um pouco a boca, sentindo faltar o ar com tamanha intensidade ela me olhava. Nossas mãos ainda estavam juntas e senti ela apertar forte meu dedo, e pude jurar que seu corpo se inclinou alguns milésimos para o meu, mas olhei para a câmera e depois para ela, a fazendo parar. Parecia que estávamos naquele momento por longos e incríveis minutos, mas na verdade, tudo ocorreu numa fração de segundos.


 -- Eu num sei. -- Ela respondeu, ainda olhando para mim. -- Pediria para ela cantar para mim dormir, eu acho. -- Ela sorriu para Thais que observava tudo atenta. Depois olhou para mim enquanto a menina olhava outra pergunta, e disse sem produzir som nenhum: -- Eu te pediria em casamento.


 Meu coração falhou a batida. Todo o resto pareceu submerso porque de repente eu me afoguei em Vitória. A cada segundo perto dela eu notava o quanto ela tinha o controle em mim. Ela fazia parecer que só tinha eu e ela naquela sala.


-- Ah é? -- disse, sem som. -- Pede então.

 -- Ana Clara Caetano Costa -- Ela manteve a brincadeira de leitura labial. -- Você aceita casar comigo?


Assenti com a cabeça sorrindo. Eu sabia que foi uma brincadeira, que não era sério, mas eu me sentia noiva naquele instante. Ali eu assinei um contrato de que meu coração pertencia a Vitória e somente a ela. Fazia dela dona do meu sobrenome, ganhava o dela de presente e já me vi pensando nas minha nova assinatura. Já vi as correspondência chegando. Vi meu futuro todo dentro dos olhos dela e de repente eu quis ser eclipse de novo. Eu quis virar super lua e agitar todo o mar dela, fazer virar maré alta. Eu estava apaixonada por Vitória, e nada me faria desistir dela. Encostei minha cabeça no seu ombro e continuamos respondendo.

 Até que caiu a ficha, eu e Vitória estávamos muito próximas. Era uma entrevista gravada. Os boatos iriam aumentar novamente. Me senti como uma criança que havia aprontado sem querer. Fiquei confusa. Eu sabia que nada que Will fazia era certo, mas me sentia mal por não cumprir. Ele me convenceu que os boatos sobre eu namorar a Falcão era ruins para minha carreira, e meu futuro todo era minha carreira. Eu iria ter que largar da música igual Marcos largou do teatro pra ter sossego? Tudo virou uma bagunça enorme dentro de mim.

 Não me lembro como, mas terminamos a entrevista e fomos para casa. As palavras de Will rodavam minha cabeça, todos os gráficos e dados que tinha me mostrado, todos os artistas que foram privados de tanto por amar alguém. Eu entrei em pânico. Eu desisti de medicina para estar vivendo aquilo, por Vitória, eu teria que desistir dela pra seguir o sonho? Seguir a música? Era como se as duas coisas não pudessem existir ao mesmo tempo, juntas. Uma afetava a outra. Era tudo tão simples antes, onde foi que complicamos?

 Minha cabeça parecia explodir. Já havia decepcionado minha família ao desistir de ser médica, não poderia desistir da música por amar uma garota. Meus pais sequer aceitariam. Eu não podia fazer eles passarem por isso. Lembrei de Diego, e de como ele desistiu do sonho dele porque não tinha outra opção. Eu seria ingrata de desistir do meu. Ele fez o que foi preciso pra ajudar a família dele, certeza que queria estar se formando, que queria viver a vida dele, mas ele continuava ajudando seu pai. Vitória também desistiu da carreira teatral pelo duo e ela respirava para fazer música. Eu não podia deixar tudo isso morrer, tantos fãs, tanta gente com tanta fé em mim. Tomei uma decisão. Vitória saiu do banho e veio se sentar ao meu lado. Tentou me abraçar e sem pensar, recuei.

 -- NaClara, tá tudo bem? -- Ela franziu as sobrancelhas.

 -- Não podemos continuar com isso, Vitória. -- respondi, séria. -- Não podemos continuar com nós.

 Me levantei e fui até meu quarto, fechando a porta e trancando. Em seguida, encostei as costas nela e deslizei até sentar no chão. Esqueci de pegar papel em branco naquele dia, um barquinho viria a calhar no naufrágio que sofri quando eu mesmo inundei o quarto com lágrimas. Eu estava matando um amor, estava arrancando ele do meu peito, cirurgia sem anestesia.


 E isso vai muito além da poesia.

Ana&VitóriaOnde histórias criam vida. Descubra agora