Ana&Vitória

Capítulo Dois: Quedas

 Já eram 8h e alguns poucos minutos quando Vitória deu os primeiros indícios que acordaria. Se mexeu um pouco, ainda de olhos fechados. Sentiu o cheiro doce de Ana bem perto e abriu os olhos, confusa. A morena se encontrava toda encolhida nos seus braços, dormindo tranquilamente. Ela não ousou se mexer para acordar-lá.

 Ficou ali, olhando os fios negros, a pele branca e o corpo pequeno. Ficou ali, abraçando a cintura dela, sentindo o corpo quente enquanto ela respirava, tão calma. Vitória se viu encantada, pelas pernas entrelaçadas e pelas duas juntas. Se viu tão perdida no cheiro doce e na pele macia. Apertou a menor em seus braços, não querendo soltar, mas sabendo que seu coração não aguentaria muito com a outra tão pertinho de si. Com muita cautela, Vitória se desprendeu de Ana, se levantou e foi até o banheiro, tomar um banho. Assim que o chuveiro foi ligado, a morena se mexeu na cama, sentindo o frio nas costas por não ter mais a companheira a abraçando. O céu estava bem azul, com algumas nuvens e o feito continuava gelado. Se espalhou pela cama, sentindo o lado ainda quente onde a outra estava deitada, agarrou as cobertas e fechou os olhos, cochilando com o resto de perfume que restou ali. A preguiça era grande, o tempo estava ótimo para uma longa soneca.

 O chuveiro foi desligado, Vitória se enrolou na toalha, pegou o secador e foi arrumar o cabelo. Ela preferia deixar secar naturalmente, mas não tinham tempo naquela manhã. Depois, de juba seca e ainda com toalha, saiu do banheiro indo até a mala, pegar a roupa que usaria para a entrevista.

 -- Vamo, Naclara, acorde logo, mulher. -- Ela chamou, abrindo o zíper e pegando uma calça jeans escura, uma blusa de manga comprida preta e um par de coturnos baixinhos. Ela preferia seus vestidos leves, mas o vento gelado dizia que não era dia pra isso.

 -- Num dá pra cochilar mais um pouco, Vi? -- resmungou, escondendo o rosto embaixo do edredom.

 -- Tu precisa se arrumar, menina. -- Respondeu jogando a toalha na cama, estava colocando a blusa quando Ana colocou os pés pra fora da cama.

 Resmungou um pouco pelo frio e foi ao banheiro tomar banho. Colocou jeans, tênis, camiseta branca e sua jaqueta jeans. As duas saíram do quarto sem falar muito, tomaram café da manhã apressadas e foram no lugar que gravariam. Iam dar entrevista numa rádio, sem muitas novidades. Fariam as mesmas perguntas, dariam as mesmas respostas, cantariam as mesmas músicas. Não tinha o que se preocupar.

 Tudo foi tranquilo e o dia passou rápido, num piscar de olhos era hora do show e Ana checava a afinação do violão. Vitória parecia calma em frente ao espelho, mexendo no celular, esperando a amiga para saírem.

 O show estava calmo, a temperatura tinha subido, mas tudo indicava mais uma noite de chuva. Cantaram todas as músicas do CD. Porém, ao cantar o primeiro parágrafo de Cor de Marte, os olhos da morena se perderam nos da companheira e tudo pareceu sumir. Por algum motivo, Ana notou que a música tinha mais de Vitória do que qualquer outra coisa. E nisso esqueceu do show, da platéia, do tempo e do acorde do violão. O silêncio reinou no lugar por longos segundos, a intensa troca de olhares era evidente pra todos.

 -- Eu.... -- Ana começou, ainda olhando Vitória. -- Eu esqueci o próximo acorde.

 A outra explodiu em risadas, daquelas felizes tipo criança mesmo. Riu e todos da plateia riam junto.

 -- Do começo então, Aninha, vamos do começo. -- Ela puxou o microfone para mais perto da morena, sorrindo.

 Recomeçando a música, Caetano não desviava os olhos por mais de 5 segundos da garota ao seu lado. Porque tudo aquilo ficou tão forte de repente? Porque de uma noite pra outra, seu coração resolveu sapatiar ao som da risada da Falcão?

 Conseguiu se manter até o fim do show. Agradeceram todos, sorriram e ao sair do palco, um dos fios dos instrumentos se disfarçou ao chão e Vitória acabou tropeçando. A platéia se viu entre rir e se preocupar, mas quando ouviram ela gritar:

 -- Menina, cê tinha visto o danado desse fio? -- riu ela, em tom de diversão.

 Ana revirou os olhos e ajudou a amiga a se levantar. Mancando um pouco, as duas saíram do palco. A equipe se aproximou para ver se Vitória estava bem. O pé logo começou a inchar e doía. Depois de uma visita ao hospital e vários stories no instagram gravados, as duas voltaram ao quarto de hotel.

 -- Não acredito que você torceu o tornozelo, Vi, como cê num viu o fio? -- Ana reclamou, entrando amparando a amiga.

 -- Naclara, tava tudo escuro, eu num vi foi nada. -- Riu, ainda com dor e o pé enfaixado, estava alegre e otimista.

 -- Mas e agora, menina, como que a gente faz com você com esse pé assim?

 -- A gente cuida, uai. -- Vitória se deitou, tentando tirar o vestido que usou a noite. -- Venha cá, me ajude.

 Ana se aproximou e levantou a amiga, abriu o zíper das costas e a ajudou puxando o vestido. Num pequeno desequilíbrio, a maior acabou apoiando todo o corpo na morena. O rosto das duas estavam próximos e ambas ganharam um tom rosado na bochecha.

 -- Mas hoje tá difícil, hein, mulher. -- Brincou Caetano. -- Num se guenta em pé.

 -- Tu viu, Aninha? Tô mole hoje. -- Riu ela, mancando até a mala e vestindo o moletom. -- Acho que vai chover de novo.

 -- Né? O vento tá bem frio de novo.

 -- Será que os trovões vão te assustar de novo, Naclara? -- Vitória se deitou, se cobrindo e olhando a outra com seus grandes olhos cor de marte.

 -- Eu espero que não, Vi, num quero te incomoda de novo não.

 -- Mas cê num incomoda, pode dormir aqui sempre que quiser, num dá nada não, menina, que isso. -- Sorriu, cobrindo o corpo e se ajeitando. -- Apaga a luz? Eu já deitei.

 -- Tá, Vi. -- Riu. -- Eu apago a luz. Mas pode deixar que tô grandinha já, posso dormir na minha cama.

 -- Grandinha cê num tá não, pequena. -- Riu, com a voz já embriagada de sono.

 Ana ficou boba com ela a chamando de "Pequena". Ficou ecoando em sua cabeça várias vezes, num loop infinito e agradável. Se deitou, com seu pijaminha de frio, com seus edredons quentinhos, mas sem Vitória.

 E ela nem imaginava a falta que isso causaria em seu sono.