Suspirei, derrotada por mais uma noite regada a suor e lágrimas. Aquele acidente não me abandonava, por algum motivo eu era levada até lá sempre que fechava os olhos e isso estava me matando lentamente, alimentando-se de todo o progresso que tive nos últimos anos e ficando cada vez maior.
Larissa entrou no quarto saltitante, seus cabelos loiros estavam por toda a parte e seu sorriso era contagiante. Admirava a felicidade que tinha, por mais que sua própria mãe a renegasse todos os dias. Em suas mãos havia um prato com uma omelete e um copo de suco que, pelo cheiro, era de maracujá.
— Oi, titia! — beijou minha testa e remexeu as coisas em suas mãos — Trouxe para você!
— Obrigada, meu amor! — segurei o prato e beberiquei o suco — Sua mãe mandou trazer, certo?
Ela espremeu os dedinhos uns nos outros e ficou sem jeito. Com certeza Rebecca orientou que não falasse nada sobre isso e não tirava sua razão. Mas Larissa não mentiria para ninguém, era muito inocente e ingênua.
— Não sei porquê preciso dizer que não, sendo que é sim! — resmungou, fazendo careta — Minha mãe pediu que eu trouxesse antes de ir para a escola. Parece gostoso, titia, vê se come tudinho, hein?
Soltei uma risadinha e beijei seu rosto para que fosse embora. Larissa é muito nova para entender a rixa que eu e a mãe dela temos, não há maneiras de saber o ressentimento que sinto por Rebecca e definitivamente é melhor que não saiba jamais. Tinha quase sua idade quando meus pais morreram e nunca perdoei a minha irmã por ser a causadora de tanto sofrimento.
Peguei as muletas que joguei ao lado da cama no dia anterior, após ouvir a conversa estranha entre a tirana e outro alguém, e segui até o banheiro. Pensei em como poderia tomar banho sem piorar a situação do meu tornozelo. Talvez devesse pedir que Aline passe aqui mais tarde e me traga uma cadeira do andar debaixo.
— Algum problema, garota? — dei um pulo de susto.
Trinquei os dentes, virando-me para ele.
— O que você está fazendo aqui de novo? Pensei que tivéssemos terminado o assunto ontem!
— Já viu que cumpro com as coisas que me comprometo e disse que te faria companhia até o final do meu castigo — respondeu, como se estivesse cansado de repetir — Estou vendo a fumaça daqui, em que está pensando?
— Em como posso estrangular você e não ser presa! — ele riu e esperou que eu respondesse sério — Preciso tomar banho, mas não posso descer para pegar uma cadeira.
Luiz mais uma vez fez a mesma careta de escárnio da minha irmã e, assim como ontem, odiei ter que pedir um favor a ele. Preferia esperar que Aline pudesse atender a dever algo a um idiota completo. Mas o infeliz comprimiu os lábios, girou os calcanhares e sumiu do meu campo de visão, retornando minutos depois com a cadeira de plástico em mãos.
— Não pedi que buscasse...
— Tudo bem, não precisa agradecer, queridinha! — ele desdenhou — Além do mais, estou sentindo o cheiro de quem não toma banho há dois dias daqui e não vou ficar perto de uma pessoa fedorenta!
Tomei a cadeira dele e a posicionei no box, bem embaixo do chuveiro. Quando ia começar a retirar as peças de roupa, lembrei que Luiz ainda estava no banheiro, observando atentamente com a mesma feição de ontem ao olhar para os meus seios quase expostos.
— Por que ainda está aqui?
— Você pode cair, não posso deixar que te aconteça nada enquanto estiver aqui ou você sabe, a Molly vai me quebrar na porrada! — murmurou, sacana — Às vezes também vai precisar de ajuda para...
— Não se atreva a continuar! — rosnei, prestes a avançar em seu pescoço — Saia daqui, antes que eu não responda por mim. Você mesmo disse que já havia pegado melhores, então não sei o que teria de bom para ver aqui!
Ele arqueou as sobrancelhas, ficando com a boca entreaberta; parece que enfim o deixei sem palavras. Suspirei aliviada quando o mesmo saiu do banheiro e fechou a porta, podendo tomar meu banho em paz. Tirei a roupa, sentei na cadeira e deixei que a água quente caísse nas minhas costas e me relaxasse. Precisava daquilo, afinal o banho é onde surgem as melhores ideias e as soluções de problemas difíceis. Mas meu infortúnio era um pouco mais que difícil para mim, era uma cruz que carregava sozinha e estava pesando cada vez mais.
Enrolei a toalha no corpo, escovei os dentes e peguei as muletas para sair. Luiz estava deitado na minha cama, assistindo algum filme pela tv. Ele me encarou de cima a baixo, vistoriando todas as partes do meu corpo que o pano não cobria. No fundo gostei de tê-lo feito pagar a língua, de ter visto o desejo escorrendo pelo canto dos seus olhos. Segui até o closet e coloquei uma roupa confortável e fresca, voltando para me jogar no colchão macio.
Mordi o lábio inferior, tentando provoca-lo.
Vi seus olhos descerem para o gesto.
Eu sorri.
E ele me atacou.
O beijo voraz desencadeou mãos bobas, línguas entrelaçadas e perda de fôlego. Minha mão atravessou pescoço e puxou os cabelos de sua nuca, assim como, ao dar por terminado o momento, mordi seu lábio inferior de uma forma sensual. A respiração entrecortada dizia que havia sido bom, mas apenas isso. Não gostávamos um do outro e foi apenas uma ficada, algo que não significa nada.
— Uau! — ele murmurou, baixinho.
— Foi melhor do que eu esperava! — Luiz me encarou, com o cenho franzido — Assim como você já pegou melhores, eu também, queridinho!
— Está se vingando? — questionou, incrédulo — É isso que está fazendo, Cecília?
— Não considere como uma vingança, apenas um lembrete para nunca mais chegar perto de mim!
Luiz levantou-se e foi embora da minha casa sem dizer mais nada. Fiquei aliviada por não precisar dar mais razões para o garoto me deixar em paz, gosto de ficar sozinha e não quero nenhum emocionado vindo me perseguir como se eu desse esperança. Definitivamente a fase de relacionamento já havia passado e agora só quero focar nos estudos e em mim. Enfim me coloquei como prioridade da minha própria vida e não vou jogar fora.
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Cecília - Em Busca da Verdade (concluído)
Jugendliteratur+16 | A vida de Cecília Castro nunca foi um mar de rosas. Quando tinha apenas dez anos, perdeu os pais em um trágico acidente de carro ao tentarem desviar de um caminhão em alta velocidade. Desde então passou a viver com a irmã mais velha, a qual gu...