Capítulo 6

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Suspirei, derrotada por mais uma noite regada a suor e lágrimas. Aquele acidente não me abandonava, por algum motivo eu era levada até lá sempre que fechava os olhos e isso estava me matando lentamente, alimentando-se de todo o progresso que tive nos últimos anos e ficando cada vez maior.

Larissa entrou no quarto saltitante, seus cabelos loiros estavam por toda a parte e seu sorriso era contagiante. Admirava a felicidade que tinha, por mais que sua própria mãe a renegasse todos os dias. Em suas mãos havia um prato com uma omelete e um copo de suco que, pelo cheiro, era de maracujá.

— Oi, titia! — beijou minha testa e remexeu as coisas em suas mãos — Trouxe para você!

— Obrigada, meu amor! — segurei o prato e beberiquei o suco — Sua mãe mandou trazer, certo?

Ela espremeu os dedinhos uns nos outros e ficou sem jeito. Com certeza Rebecca orientou que não falasse nada sobre isso e não tirava sua razão. Mas Larissa não mentiria para ninguém, era muito inocente e ingênua.

— Não sei porquê preciso dizer que não, sendo que é sim! — resmungou, fazendo careta — Minha mãe pediu que eu trouxesse antes de ir para a escola. Parece gostoso, titia, vê se come tudinho, hein?

Soltei uma risadinha e beijei seu rosto para que fosse embora. Larissa é muito nova para entender a rixa que eu e a mãe dela temos, não há maneiras de saber o ressentimento que sinto por Rebecca e definitivamente é melhor que não saiba jamais. Tinha quase sua idade quando meus pais morreram e nunca perdoei a minha irmã por ser a causadora de tanto sofrimento.

Peguei as muletas que joguei ao lado da cama no dia anterior, após ouvir a conversa estranha entre a tirana e outro alguém, e segui até o banheiro. Pensei em como poderia tomar banho sem piorar a situação do meu tornozelo. Talvez devesse pedir que Aline passe aqui mais tarde e me traga uma cadeira do andar debaixo.

— Algum problema, garota? — dei um pulo de susto.

Trinquei os dentes, virando-me para ele.

— O que você está fazendo aqui de novo? Pensei que tivéssemos terminado o assunto ontem!

— Já viu que cumpro com as coisas que me comprometo e disse que te faria companhia até o final do meu castigo — respondeu, como se estivesse cansado de repetir — Estou vendo a fumaça daqui, em que está pensando?

— Em como posso estrangular você e não ser presa! — ele riu e esperou que eu respondesse sério — Preciso tomar banho, mas não posso descer para pegar uma cadeira.

Luiz mais uma vez fez a mesma careta de escárnio da minha irmã e, assim como ontem, odiei ter que pedir um favor a ele. Preferia esperar que Aline pudesse atender a dever algo a um idiota completo. Mas o infeliz comprimiu os lábios, girou os calcanhares e sumiu do meu campo de visão, retornando minutos depois com a cadeira de plástico em mãos.

— Não pedi que buscasse...

— Tudo bem, não precisa agradecer, queridinha! — ele desdenhou — Além do mais, estou sentindo o cheiro de quem não toma banho há dois dias daqui e não vou ficar perto de uma pessoa fedorenta!

Tomei a cadeira dele e a posicionei no box, bem embaixo do chuveiro. Quando ia começar a retirar as peças de roupa, lembrei que Luiz ainda estava no banheiro, observando atentamente com a mesma feição de ontem ao olhar para os meus seios quase expostos.

— Por que ainda está aqui?

— Você pode cair, não posso deixar que te aconteça nada enquanto estiver aqui ou você sabe, a Molly vai me quebrar na porrada! — murmurou, sacana — Às vezes também vai precisar de ajuda para...

— Não se atreva a continuar! — rosnei, prestes a avançar em seu pescoço — Saia daqui, antes que eu não responda por mim. Você mesmo disse que já havia pegado melhores, então não sei o que teria de bom para ver aqui!

Ele arqueou as sobrancelhas, ficando com a boca entreaberta; parece que enfim o deixei sem palavras. Suspirei aliviada quando o mesmo saiu do banheiro e fechou a porta, podendo tomar meu banho em paz. Tirei a roupa, sentei na cadeira e deixei que a água quente caísse nas minhas costas e me relaxasse. Precisava daquilo, afinal o banho é onde surgem as melhores ideias e as soluções de problemas difíceis. Mas meu infortúnio era um pouco mais que difícil para mim, era uma cruz que carregava sozinha e estava pesando cada vez mais.

Enrolei a toalha no corpo, escovei os dentes e peguei as muletas para sair. Luiz estava deitado na minha cama, assistindo algum filme pela tv. Ele me encarou de cima a baixo, vistoriando todas as partes do meu corpo que o pano não cobria. No fundo gostei de tê-lo feito pagar a língua, de ter visto o desejo escorrendo pelo canto dos seus olhos. Segui até o closet e coloquei uma roupa confortável e fresca, voltando para me jogar no colchão macio.

Mordi o lábio inferior, tentando provoca-lo.

Vi seus olhos descerem para o gesto.

Eu sorri.

E ele me atacou.

O beijo voraz desencadeou mãos bobas, línguas entrelaçadas e perda de fôlego. Minha mão atravessou pescoço e puxou os cabelos de sua nuca, assim como, ao dar por terminado o momento, mordi seu lábio inferior de uma forma sensual. A respiração entrecortada dizia que havia sido bom, mas apenas isso. Não gostávamos um do outro e foi apenas uma ficada, algo que não significa nada.

— Uau! — ele murmurou, baixinho.

— Foi melhor do que eu esperava! — Luiz me encarou, com o cenho franzido — Assim como você já pegou melhores, eu também, queridinho!

— Está se vingando? — questionou, incrédulo — É isso que está fazendo, Cecília?

— Não considere como uma vingança, apenas um lembrete para nunca mais chegar perto de mim!

Luiz levantou-se e foi embora da minha casa sem dizer mais nada. Fiquei aliviada por não precisar dar mais razões para o garoto me deixar em paz, gosto de ficar sozinha e não quero nenhum emocionado vindo me perseguir como se eu desse esperança. Definitivamente a fase de relacionamento já havia passado e agora só quero focar nos estudos e em mim. Enfim me coloquei como prioridade da minha própria vida e não vou jogar fora. 

Cecília - Em Busca da Verdade (concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora