Ao chegar em casa, aproveitei o tempo livre e sozinha para organizar as minhas malas para a mudança. Eu não tinha muitas coisas para levar, inclusive queria deixar aqui tudo o que fosse da minha irmã ou que me lembrasse ela. Gostaria de apagar a figura loira e autoritária da minha memória, uma mera sombra no passado obscuro de uma menina perdida. Mas não era possível, ela me acompanharia para sempre.
Entrei no escritório dos meus pais e lembrei das vezes que brincava deitada naquele chão; era o único jeito de passar um pouquinho mais de tempo com eles, antes que voltassem a trabalhar. Abri a gaveta da escrivaninha e peguei de lá o caderno de desenhos que me pertencia. Desenhava muito mal, rabiscava um cabelo cor-de-rosa em bonecos palitinhos e dizia que era ótima no que fazia.
Reparei que algumas daquelas gavetas estavam trancadas, o que atiçou a minha curiosidade como nunca. A chave provavelmente estava com a Rebecca, o que dificultava um pouco a bisbilhotagem. Mas era simples resolver aquilo com um grampo de cabelo ou um pedaço de arame, já que vivia perdendo a chave do meu armário escolar. Demorou alguns minutos e consegui abrir. Haviam papéis, documentos, cartas com recortes de revistas e outras que nem foram abertas.
Engoli em seco assim que a porta se abriu, escondi a papelada bagunçada no meio do caderno de desenhos e fechei a gaveta com a perna. Rebecca me encarou sem entender nada e com a testa franzida.
— O que está fazendo aqui?
— Até onde sei essa casa é minha também, posso andar em qualquer lugar daqui sem te dever satisfação!
Ela revirou os olhos.
— Estava procurando esse caderno velho? Vai leva-lo consigo? — confirmei, sem a menor paciência — Quando vai partir?
— Hoje mesmo, só estava procurando por isso e já vou chamar o táxi — mordi a parte interna da boca — Não devia estar trabalhando?
— Saí mais cedo para resolver uns problemas e aproveitei para saber como estava.
Aos poucos recuei do escritório e andei quase correndo para o quarto. No apartamento olharia com mais calma todos aqueles papéis, ou simplesmente devolveria quando minha irmã não estivesse aqui; afinal, com certeza não entenderia nada do que estava escrito lá.
***
Cheguei ao apartamento lá pelas três da tarde, estava muito calor e o ambiente todo fechado me sufocava. Mas era acolhedor, um espaço pequeno: dois quartos, um banheiro, cozinha e sala de estar; com as paredes pintadas de creme e branco e móveis em tons escuros. Eu estava orgulhosa de ter conseguido esse lugar por um bom preço e me livrado da Rebecca como brinde.
Ela, inclusive, me pediu que pegasse Larissa na escola hoje, porque precisava sair para resolver alguns problemas e não deu tempo mais cedo. O bom é que passaria umas horinhas com a minha sobrinha e não causaria tanto transtorno na cabecinha dela com a ausência repentina.
— Sério que já se mudou, titia?
— É, Rapunzel, mas vamos nos ver sempre que der — agarrei a mãozinha dela — Que tal tomarmos sorvete hoje?
A animação tomou conta de seus olhinhos brilhantes e corremos para a sorveteria mais próxima. Como sempre, Larissa pediu sorvete de chocolate e eu de flocos com cobertura de morango. Ela se sentou ao meu lado no banco da praça, enquanto tomávamos nossos sorvetes.
— Acha que a mamãe vai ficar muito diferente agora que você foi embora, tia?
— Por que, meu anjo?
— Não sei, ela anda preocupada demais comigo e com tudo ao redor... Nem ao menos ficou zangada quando eu peguei carona com a minha amiga — murmurou, a voz mole.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Cecília - Em Busca da Verdade (concluído)
Tienerfictie+16 | A vida de Cecília Castro nunca foi um mar de rosas. Quando tinha apenas dez anos, perdeu os pais em um trágico acidente de carro ao tentarem desviar de um caminhão em alta velocidade. Desde então passou a viver com a irmã mais velha, a qual gu...