Capítulo 20

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Entrei na mansão com a chave reserva que havia sob o carpete. Assim que os meus pés tocaram o piso, uma sensação péssima se apossou de mim. O coração batia descompassado e cheio de desconfiança, minha própria família se tornou desconhecida em menos de um dia. Estava sufocada com o que descobrira, precisava saber se era verdade ou não.

Um homem de meia idade posicionou-se de costas, procurando algo na estante ao lado das bebidas. Ele usava roupas pretas e coturnos de mesma cor. Jogava as coisas e batia as gavetas, nervoso. Fiquei assustada, até perceber de quem se tratava.

— Antônio?

Ele se virou para me encarar.

— Cecília, tudo bem?

— Não! Que merda tá fazendo aqui?

— Os documentos não estão no... — Rebecca parou ao me ver; estava descendo as escadas — Cecília?

— O que tá acontecendo? Você conhece o Antônio? Que documentos estão procurando?

Minha irmã olhou para o chão.

— Nós...

— Não encontrei nada no escritório, certeza de que estão na casa?

A voz que veio de trás me fez ficar tonta.

Não é possível.

O dono daquela voz estava longe, tinha fugido para não assumir um relacionamento. Ele tinha que estar longe, minha irmã não o esconderia de mim.

Eu me virei para encará-lo e me perdi nos olhos azuis surpresos. Abri a boca, perplexa por tê-lo reencontrado justo nessa ocasião. Leonardo estava mais alto e encorpado, os músculos enchiam a camiseta verde que usava; também tinha a barba muito bem marcada. Em dois anos, o garoto que conheci no Ensino Médio se tornou um homem de boa aparência e olhar misterioso.

— Podemos explicar tudo a você, Cecília! — Antônio afirmou.

— Então comecem! Agora!

Antônio se sentou no sofá, Rebecca fez o mesmo e Leonardo ficou em pé, alguns metros de mim. Eu cruzei os braços, esperando que iniciassem o discurso.

— Por onde podemos começar? São tantas coisas...

— E são mesmo, como, por exemplo, o nome da família Martins nos documentos que estavam comigo e é bom terem uma ótima explicação.

— Então estão com você? — Rebecca suspirou de alivio — Graças a Deus, precisamos deles!

— Para quê?

— Thiago e Bianca Martins são os verdadeiros culpados pela morte dos nossos pais, eles armaram a emboscada fingindo que eu estava em uma festa escondida e pagaram alguém para dirigir o caminhão na direção dos dois.

— Não acredito que não estivesse naquela festa, Rebecca. Quer tirar a porra da culpa dos seus ombros, mas não vai conseguir.

— Nossos pais estavam investigando um grupo de narcotraficantes meses antes de morrerem; não chegaram a lugar algum, mas provocaram a ira dessas pessoas. Queriam a cabeça deles a qualquer custo e conseguiram encontrar uma ruptura na armadura dos dois... — seus olhos encheram d'água — Sempre fomos o ponto fraco e era óbvio que papai iria me buscar numa festa clandestina, não deixaria que eu passasse por aquilo.

— Viu só? Está admitindo sua culpa...

— Já disse o que estava fazendo naquela noite, Cecília. Acredite se quiser, eu não me importo — me encarou com indiferença.

— Ok, supondo que isso seja verdade, já descrita nos documentos, o que isso tem a ver com esses dois?

— Estávamos investigando juntos, quando aconteceu...

— É policial também?

— Sim! Éramos parceiros! — ele suspirou — Estávamos perto de encontrar Thiago, muito perto, mas o desgraçado matou seus pais e fugiu do país com a família. Acho que deve se lembrar do momento em que o acidente ocorreu.

Estreitei os olhos.

— Você estava lá! — Antônio acenou com a cabeça — Foi você que me tirou do carro antes que ele explodisse e... Passei anos me convencendo de que tinha sido ilusão.

— Foi real!

— E por que não os salvou também?

Antônio desviou o olhar.

— Sua mãe havia morrido na hora e Ricardo estava com uma ferida grave no abdômen. Não poderia ajuda-los de qualquer maneira, mas pelo menos salvaria a vida da garotinha deles...

— Fale a verdade, Antônio! — Leonardo incentivou — Toda ela!

— Que verdade?

— Ricardo não é seu pai, eu sou!

A afirmação me fez gargalhar.

Além de mentiroso, era um piadista de mão cheia.

— Ele não está brincando, Cecília! — o homem advertiu.

— Não fale comigo, Leonardo! Perdeu esse direito há anos! — apontei o dedo na cara dele — Quem vocês pensam que são para inventar coisas da minha mãe? Porque, pelo que eu sei, ela deveria ter tido um caso com você e me recuso a acreditar que ela era infiel.

— Nossa mãe amava o Antônio, mas isso não era o suficiente para abandonar meu pai. Ela tinha uma família com ele, não seria certo se relacionar com o melhor amigo dele.

— Ricardo descobriu nosso caso e fez um escândalo. Os dois conversaram, ele a perdoou e Luciana me deixou para continuar a vida de fachada. Muito depois soube de você, já devia ter uns cinco anos, mas eles me proibiram de me aproximar, não queriam te confundir.

— Engraçado como agora vocês despejam essa verdade em cima de mim, como se meu coração fosse de pedra para aguentar — pus a mão no peito.

— Não era a intenção...

— Agora tenho que conviver com a lembrança manchada da minha progenitora, que traiu o homem que chamei de pai a vida inteira, tenho que aceitar que todos aqui sabiam que eu era uma bastarda e, ainda assim, ninguém me falou nada.

Eles abaixaram a cabeça, exceto Leonardo, que manteve o olhar fixo ao meu.

— E você? Sabia há quanto tempo? — perguntei a ele.

— Soube antes de partir, mas não podia te contar. Por isso fui embora, não aguentava continuar mentindo...

— Conveniente.

— Eu pedi para ele mentir, você sempre foi explosiva e correria perigo caso fosse atrás da família Martins.

— Ah, que bonitinho. Um cretino defendendo o outro, que meigo!

— Cecília...

— Não! Eu sempre estive aqui, muitas vezes estava caída no chão, morrendo aos poucos sem ninguém para me ajudar, enquanto o homem que eu mais amei, a minha meia irmã e o meu verdadeiro pai estavam mais próximos do que imaginava. Vocês me viam sofrer e acharam melhor ignorar o fato de que eu precisava de ajuda; nunca se importaram comigo ou com qualquer pessoa além de si mesmos.

— Não diga isso, filha.

— Jamais me chame assim, não tem esse direito! — apontei o dedo indicador, muito chateada com o que estava acontecendo. 

Cecília - Em Busca da Verdade (concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora