Entrei na mansão com a chave reserva que havia sob o carpete. Assim que os meus pés tocaram o piso, uma sensação péssima se apossou de mim. O coração batia descompassado e cheio de desconfiança, minha própria família se tornou desconhecida em menos de um dia. Estava sufocada com o que descobrira, precisava saber se era verdade ou não.
Um homem de meia idade posicionou-se de costas, procurando algo na estante ao lado das bebidas. Ele usava roupas pretas e coturnos de mesma cor. Jogava as coisas e batia as gavetas, nervoso. Fiquei assustada, até perceber de quem se tratava.
— Antônio?
Ele se virou para me encarar.
— Cecília, tudo bem?
— Não! Que merda tá fazendo aqui?
— Os documentos não estão no... — Rebecca parou ao me ver; estava descendo as escadas — Cecília?
— O que tá acontecendo? Você conhece o Antônio? Que documentos estão procurando?
Minha irmã olhou para o chão.
— Nós...
— Não encontrei nada no escritório, certeza de que estão na casa?
A voz que veio de trás me fez ficar tonta.
Não é possível.
O dono daquela voz estava longe, tinha fugido para não assumir um relacionamento. Ele tinha que estar longe, minha irmã não o esconderia de mim.
Eu me virei para encará-lo e me perdi nos olhos azuis surpresos. Abri a boca, perplexa por tê-lo reencontrado justo nessa ocasião. Leonardo estava mais alto e encorpado, os músculos enchiam a camiseta verde que usava; também tinha a barba muito bem marcada. Em dois anos, o garoto que conheci no Ensino Médio se tornou um homem de boa aparência e olhar misterioso.
— Podemos explicar tudo a você, Cecília! — Antônio afirmou.
— Então comecem! Agora!
Antônio se sentou no sofá, Rebecca fez o mesmo e Leonardo ficou em pé, alguns metros de mim. Eu cruzei os braços, esperando que iniciassem o discurso.
— Por onde podemos começar? São tantas coisas...
— E são mesmo, como, por exemplo, o nome da família Martins nos documentos que estavam comigo e é bom terem uma ótima explicação.
— Então estão com você? — Rebecca suspirou de alivio — Graças a Deus, precisamos deles!
— Para quê?
— Thiago e Bianca Martins são os verdadeiros culpados pela morte dos nossos pais, eles armaram a emboscada fingindo que eu estava em uma festa escondida e pagaram alguém para dirigir o caminhão na direção dos dois.
— Não acredito que não estivesse naquela festa, Rebecca. Quer tirar a porra da culpa dos seus ombros, mas não vai conseguir.
— Nossos pais estavam investigando um grupo de narcotraficantes meses antes de morrerem; não chegaram a lugar algum, mas provocaram a ira dessas pessoas. Queriam a cabeça deles a qualquer custo e conseguiram encontrar uma ruptura na armadura dos dois... — seus olhos encheram d'água — Sempre fomos o ponto fraco e era óbvio que papai iria me buscar numa festa clandestina, não deixaria que eu passasse por aquilo.
— Viu só? Está admitindo sua culpa...
— Já disse o que estava fazendo naquela noite, Cecília. Acredite se quiser, eu não me importo — me encarou com indiferença.
— Ok, supondo que isso seja verdade, já descrita nos documentos, o que isso tem a ver com esses dois?
— Estávamos investigando juntos, quando aconteceu...
— É policial também?
— Sim! Éramos parceiros! — ele suspirou — Estávamos perto de encontrar Thiago, muito perto, mas o desgraçado matou seus pais e fugiu do país com a família. Acho que deve se lembrar do momento em que o acidente ocorreu.
Estreitei os olhos.
— Você estava lá! — Antônio acenou com a cabeça — Foi você que me tirou do carro antes que ele explodisse e... Passei anos me convencendo de que tinha sido ilusão.
— Foi real!
— E por que não os salvou também?
Antônio desviou o olhar.
— Sua mãe havia morrido na hora e Ricardo estava com uma ferida grave no abdômen. Não poderia ajuda-los de qualquer maneira, mas pelo menos salvaria a vida da garotinha deles...
— Fale a verdade, Antônio! — Leonardo incentivou — Toda ela!
— Que verdade?
— Ricardo não é seu pai, eu sou!
A afirmação me fez gargalhar.
Além de mentiroso, era um piadista de mão cheia.
— Ele não está brincando, Cecília! — o homem advertiu.
— Não fale comigo, Leonardo! Perdeu esse direito há anos! — apontei o dedo na cara dele — Quem vocês pensam que são para inventar coisas da minha mãe? Porque, pelo que eu sei, ela deveria ter tido um caso com você e me recuso a acreditar que ela era infiel.
— Nossa mãe amava o Antônio, mas isso não era o suficiente para abandonar meu pai. Ela tinha uma família com ele, não seria certo se relacionar com o melhor amigo dele.
— Ricardo descobriu nosso caso e fez um escândalo. Os dois conversaram, ele a perdoou e Luciana me deixou para continuar a vida de fachada. Muito depois soube de você, já devia ter uns cinco anos, mas eles me proibiram de me aproximar, não queriam te confundir.
— Engraçado como agora vocês despejam essa verdade em cima de mim, como se meu coração fosse de pedra para aguentar — pus a mão no peito.
— Não era a intenção...
— Agora tenho que conviver com a lembrança manchada da minha progenitora, que traiu o homem que chamei de pai a vida inteira, tenho que aceitar que todos aqui sabiam que eu era uma bastarda e, ainda assim, ninguém me falou nada.
Eles abaixaram a cabeça, exceto Leonardo, que manteve o olhar fixo ao meu.
— E você? Sabia há quanto tempo? — perguntei a ele.
— Soube antes de partir, mas não podia te contar. Por isso fui embora, não aguentava continuar mentindo...
— Conveniente.
— Eu pedi para ele mentir, você sempre foi explosiva e correria perigo caso fosse atrás da família Martins.
— Ah, que bonitinho. Um cretino defendendo o outro, que meigo!
— Cecília...
— Não! Eu sempre estive aqui, muitas vezes estava caída no chão, morrendo aos poucos sem ninguém para me ajudar, enquanto o homem que eu mais amei, a minha meia irmã e o meu verdadeiro pai estavam mais próximos do que imaginava. Vocês me viam sofrer e acharam melhor ignorar o fato de que eu precisava de ajuda; nunca se importaram comigo ou com qualquer pessoa além de si mesmos.
— Não diga isso, filha.
— Jamais me chame assim, não tem esse direito! — apontei o dedo indicador, muito chateada com o que estava acontecendo.
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Cecília - Em Busca da Verdade (concluído)
Teen Fiction+16 | A vida de Cecília Castro nunca foi um mar de rosas. Quando tinha apenas dez anos, perdeu os pais em um trágico acidente de carro ao tentarem desviar de um caminhão em alta velocidade. Desde então passou a viver com a irmã mais velha, a qual gu...