Eu aprendi rápido que poderia conseguir o que quisesse se o agradasse.
Um carinho aqui, um sorriso ali, e bum! Um pouco mais de água e comida de verdade, ao invés de uma mísera frutinha. E, caso eu fosse uma boa menina, às vezes até conseguia comida por dois dias seguidos.
O que era uma verdadeira benção porque, fala sério, comida dia sim, dia não? O que aquele cara tem na cabeça?
Olho ao redor do "meu quarto" e fico orgulhosa de mim mesma: consegui um ventilador - já não suportava mais o calor infernal que fazia aqui -; tenho água e comida reserva; um livro - um livro! - em cima da cadeira; e um colchão - finalmente um colchão!
Não me orgulho das coisas que tive que me submeter para conseguir um pouco de conforto aqui, mas tento não pensar muito sobre isso. Prefiro acreditam que os fins justificam os meios - preciso me manter forte e viva, para quando finalmente os policiais vierem resgatar-me.
Mas quando me permito pensar um pouco sobre isso, sei que não é realmente um sacrifício fazer o que venho fazendo - ou permitir que ele faça comigo o que ele vem fazendo.
E é exatamente por esse motivo que não gosto de refletir sobre isso. Porque quando esqueço todos os prós e contras, quando divago sobre essa situação, quando relembro os momentos em que estamos juntos, não consigo evitar perceber as mudanças.
Desde que ele percebeu que estou mais receptiva a ele, mudou suas investidas. E - por favor, não me pergunte por que - isso muda tudo.
Agora consigo perceber coisas nele que antes passavam despercebidas por mim: eu sou alta, mas ele é ainda mais alto que eu; ele geralmente sorri torto, de lado, mas, quando sorri de verdade, por completo, aparece uma covinha do lado direito da sua bochecha - não me pergunte por que eu percebi isso, pois não sei a resposta para essa questão; ele também deixa sempre o cabelo meio desalinhado e costuma manter a barba por fazer - e condene-me se isso não é sexy como o inferno.
O pior de tudo é como ele se comporta agora - e mate-me se isso não está assustando o inferno para fora de mim.
Ele vem sendo mais carinhoso comigo, perguntando se eu estou bem ou se estou confortável. Quer dizer, por que diabos ele quer saber de mim? Não foi ele mesmo que disse que para ele não faz diferença se continuo viva ou morta?
A única resposta lógica que consigo formar para toda essa situação é a seguinte: ele está querendo me enganar.
Sim! Só pode ser isso.
Ele está vendo que estou disposta a fazer determinadas coisas se, em troca, ele fornecer para mim o que é do meu desejo.
Tendo isso em mente, obrigo-me a deixar de ser boba e ver coisas onde não existe.
Kath, ele é um sequestrador, estuprador e provavelmente assassino. Não seja estúpida!
Quando estava acabando de me insultar mentalmente, ouço a porta ser aberta e meu sequestrador aparecer - o quão bizarro é eu nem mesmo saber qual é o seu nome?
Estranho, hoje não é dia de visita.
E, oh meu Deus, ele está de camisa e calça social?
Merda! O que eu disse mesmo sobre deixar de ser estúpida? Não me lembro mais.
- Olá, docinho, como está hoje?
Depois de recuperar a voz, consegui responder:
- Estou bem.
- Ótimo. Sei que não esperava por mim hoje, mas eu tinha que te contar uma coisa. - diz ele, com um sorriso enorme, deixando aparecer aquela maldita covinha.
- Quer dizer, eu nem ao menos sei porque estou te contando isso, mas foda-se, eu preciso contar para alguém, e como não tenho mais ninguém com quem possa compartilhar isso, terá que ser você mesma. - ele continua divagando.
Não estou entendendo nada, mas continuo fitando-o.
- Eu fui promovido.
Okay, por essa eu não esperava...
- Bom, não é realmente uma promoção, é mais uma coisa temporária, enquanto meu chefe cretino tenta resolver um problema pessoal - não passou despercebido por mim a ênfase que ele deu a palavra "tenta" -. Mas não importa, porque essa é a oportunidade que eu esperei minha vida toda.
Droga, ele parece tão feliz. O que ele espera que eu diga?
- Hum... parabéns? - digo, meio incerta.
Certo, não posso deixar transparecer que estou desinteressada, senão ele vai começar a desconfiar da minha farsa.
Colocando um sorriso no rosto, eu prossigo:
- Fico muito feliz por você. Mas por que resolveu contar justo para mim? - preciso acabar com minha curiosidade e minhas dúvidas. - Não me entenda mal, mas por que não escolheu contar a algum amigo seu, ou até mesmo seus pais?
Quando seu sorriso sumiu, percebi que tinha feito a pergunta errada. Sua resposta foi seca e dura:
- Não tenho amigos. E também não tenho pais.
Merda.
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Bem me quer, mal me quer.
Ficção GeralKatherine Thompson: - 23 anos; - Filha amada; - Namorada dedicada; - Amiga querida; - Estudante exemplar; - Sequestrada.