— Meu nome é Katherine Thompson, e eu fui uma vítima da Síndrome de Estocolmo.
— A culpa não é sua, Katherine. Seja forte!
Sorrio com o que dizem.
Sim, agora sou forte.
— Cinco anos atrás, eu fui sequestrada pelo estagiário do meu marido. Bom, na época, ele era meu namorado. – olho para a porta, e sorrio para Will. – Anthony, o homem que me sequestrou, é doente. Hoje, sei disso. Na cabeça dele, ele me amava, mas aquilo não era amor. Nunca foi. Nosso primeiro encontro foi numa cafeteria, dividimos uma mesa. O engraçado é que não tenho nenhuma recordação disso. Apenas sei disso porque foi o que ele contou no seu julgamento. Enfim, não sei ao certo o motivo, mas, ele achou erroneamente que meu relacionamento com o Will era abusivo. Sintam a ironia da situação, pessoal. O homem que me sequestrou achou que meu namorado era quem estava agindo errado. O fato é que ele criou uma obsessão doentia em relação a mim e jurou para si mesmo que iria me livrar desse relacionamento abusivo, segundo as palavras dele. Durante muitos meses, ele não sabia a minha real identidade, até que, certo dia, Will nos apresentou na empresa dele. Foi a partir daí que as coisas desmoronaram.
Tomo uma respiração mais longa.
Não é fácil recordar tão avidamente as coisas que tento há tantos anos lutar contra.
— Entendam uma coisa, meu marido tem um jeito um tanto peculiar, na falta de uma palavra melhor, para tratar seus estagiários. Ele gosta de expô-los ao extremo, a fim de extrair tudo o que eles têm para dar. Mas, acima de tudo, ele tenta fazer com que eles compreendam que cada funcionário dentro da empresa é valoroso, independente do cargo que ocupa. Portanto, por causa disso, Anthony não gostava de Will. Sejamos sinceros, ele odiava o Will. E, quando descobriu que meu namorado tratava-se dele, enlouqueceu. Mas, o surto aconteceu mesmo quando ele descobriu que o Will me pediu em casamento e eu havia aceitado. Naquele dia, ele me sequestrou.
Olho para o lado, onde a doutora Taylor, Bárbara, minha grande amiga, está sentada ao meu lado.
Ela pega em minha mão e assente, me dando forças para continuar.
— Eu fiquei sete semanas com ele. No sótão da casa que ele ganhou como herança quando uma antiga professora do colegial morreu. Ele era o queridinho dela, seu aluno prodígio. Ele me contou tudo sobre ela. Gostaria de saber o que ela acharia do que ele fez na casa dela... Enfim, não é sobre isso que vocês querem saber, não é mesmo? Como eu disse, fiquei sete semanas com ele. Sete semanas em que fui estuprada, humilhada, agredida sexualmente e verbalmente. Sete semanas em que fui mal alimentada, mal hidratada, vivendo sobre situação precária, com pouca higiene. Sete semanas sem tomar banho, fazendo minhas necessidades fisiológicas em baldes. Sete semanas em que fui enganada, confundida, envergonhada. Ele ferrou tão profundo com minha mente, que eu não conseguia mais raciocinar direito. É isso que vocês aqui chamam de Síndrome de Estocolmo.
Meus pais estão de braços dados, ao lado de Will.
Mamãe está chorando.
Ela sempre chora quando se lembra disso.
Não foi fácil para ela. Nem para papai. Não foi fácil para eles. Não foi fácil para nenhum de nós.
— Anthony sempre me chamava de "docinho", "querida", "amor", "bonequinha", ou qualquer variação disso. No começo, eu achava esses nomes nojentos, depois, comecei a achá-los carinhosos. Ele sempre me beijava quando lhe dava vontade. No começo, eu achava seus beijos nojentos, depois, comecei a achá-los agradáveis. Ele sempre achava uma desculpa para me bater. No começo, eu o odiava por isso, depois, comecei a culpar-me por provocar sua ira. Eu sempre procurava deixá-lo feliz e agradá-lo para que ele fosse agradável comigo. No começo, eu tentei me convencer de que fazia isso porque eu era esperta, depois, me perguntei se era realmente isso. Eu não tinha certeza de mais nada. Ele era mesmo tão mau assim? Eu era mesmo tão inocente assim? Depois, ele começou a me contar coisas de sua vida. Sobre seu passado e seu presente. Achei que eu era muito importante para ele se dar ao trabalho de conversar comigo. Em seguida, veio o pior: as incertezas. Ele preencheu minha mente de incertezas e dúvidas. Disse-me que Will não era confiável, que me traía. E, sabem o pior? Eu imediatamente acreditei nele. Coloquei coisa onde não existia. Convenci a mim mesma de que Will era um maldito traidor. E, a coisa só fica pior: acreditei que Will e Maze, minha melhor amiga, tinham um caso. Sim, sei que sou uma maldita filha da mãe.
Olho para Maze.
Ela está com a cabeça apoiada no ombro de Will.
Mas, apesar disso, hoje me pergunto: como posso um dia ter pensado que havia algo a mais ali?
Consigo ver daqui, mesmo de longe, a devoção a mim no olhar dos dois.
Eles me amam e me respeitam.
— Entretanto, para mim, naquele momento estava tudo muito claro: eu estava rodeada de traidores e só podia confiar em Anthony. Eu estava convencida de que amava Anthony e ele me amava, simples assim. Quando os policiais descobriram meu paradeiro, e me resgataram, eu enlouqueci. Achava que todos estavam tentando nos separar. Levaram-no para a prisão. Não me deixavam vê-lo. Eu fiquei um tempo no hospital, fazendo alguns exames e recebendo tratamento. Foi lá que meus pais conheceram a doutora Taylor, a psicóloga do hospital. Ela lhes disse que já havia trabalhado com casos como o meu e podia me ajudar. Mesmo depois que eu recebi alta, meus pais continuaram mantendo contato com a doutora Taylor. Porém, eu nunca a tinha visto. Ou escutado falar dela. Eles não me disseram nada sobre ela. E, depois que eu voltei para casa, virei uma verdadeira rebelde. Voltei-me contra minha família, rompi laços com meus amigos, terminei meu namoro. Eu me isolei completamente. Só passava uma coisa na minha cabeça: se eu não podia ficar com Anthony, então ninguém podia ficar comigo. Foi nesse momento de depressão extrema, que minha mãe me fez uma proposta: dez sessões com a doutora Taylor e ela me deixaria visitar Anthony.
Sorri com essa lembrança.
Acabou que nunca o visitei.
Nunca.
— Eu, obviamente, aceitei a proposta. Qualquer coisa para ver Anthony de novo. Bom, infelizmente, não posso compartilhar com vocês o conteúdo das conversas que tive com a doutora Taylor. Uma vez ela me disse que nada que era dito ali, saia dali. – olho para Bárbara e sorrio para ela. – Mas, uma coisa posso dizer a vocês: só foram preciso três consultas para ela abrir meus olhos, meus ouvidos, meu coração e minha mente. E foi exatamente aqui, nesta sala, que eu dei meu primeiro passo para minha cura. Não posso dizer a vocês que fui curada nessas três sessões, mas elas foram suficientes para eu colocar uma pedra em qualquer sentimento que eu achasse que tivesse em relação a Anthony. A doutora Taylor me mostrou que o que eu tinha, na verdade, não era amor, era o mais puro e simples medo. Minha mente estava tão ferrada de medo do que Anthony já tinha feito a mim e o que ele ainda poderia vir a fazer, e, por isso, criou uma espécie distorcida de amor como um tipo de autodefesa para mim. Era autopreservação e não amor.
Dou uma boa olhada em minha família amontoada em um canto, perto da porta.
Eles insistiram em vir hoje.
Queriam estar aqui, comigo, quando eu desse meu ponto final nisso tudo.
Papai, mamãe, Maze e Will estão com os olhos fixos em mim.
Eles são minha fortaleza, meu farol, meu alicerce.
É graças a eles, a cada um deles, que estou aqui hoje.
Devo minha vida, minha sanidade, a eles.
— A doutora Taylor me ajudou a refazer pouco a pouco minha vida. O engraçado é que todos estavam de braços abertos para me receber, acreditam? Meus pais. Meu namorado. Minha melhor amiga. Todos eles. Nenhum deles me abandonou um minuto sequer. Lutaram por mim. Nunca desistiram de mim. Eu não os merecia. Ainda não os mereço. Mas, por alguma razão desconhecida para mim, eles continuaram lá, me esperando. Eles continuam aqui, ao meu lado. Hoje, eu tenho os melhores pais do mundo, a melhor amiga do mundo, a melhor psicóloga do mundo, o melhor marido do mundo... e os melhores filhos do mundo.
Olho Kora, de dois anos, agarrada firmemente a mão de Will, e o pequeno John, de cinco meses, nos braços de Will.
Meus filhos.
Nossos filhos.
Meus olhos se enchem de lágrimas.
— Você venceu, Katherine. Você é forte. – a sala entoa em uníssono.
Sim, agora sou forte.
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Bem me quer, mal me quer.
General FictionKatherine Thompson: - 23 anos; - Filha amada; - Namorada dedicada; - Amiga querida; - Estudante exemplar; - Sequestrada.