07/11/2017 12pm
Sou criança outra vez.
Sinto os meus cabelos serem puxados e uma mão tocar na minha cara pequenina. Oiço gritos, súplicas e choro. Sobretudo muito choro.
Lágrimas começam a escorrer pelo meu rosto. Que mal fiz eu? Porque é que me tratas assim? Eu estou apenas a ver um dos meus programas de televisão favoritos. Eu não fiz nada.Começo a correr pela casa tentando freneticamente chegar ao meu esconderijo secreto. Não me conseguem alcançar lá. É muito estreito para um adulto conseguir passar. Estou a salvo.
Escuto algo cair no chão e a partir-se. Mobília antiga da mãe que foi deixada para trás quando ela foi embora, suponho.
Gritos, gritos e mais gritos. Agora o saco de boxe é o meu irmãozinho. Não quero que ele se magoe, não quero que ele o magoe.
"Monstro bebado e desequilibrado", a minha alma inocente pensa.
Não me posso esconder. Tenho de ajudar o meu irmãozinho. Ele protege-me e eu protejo-o, foi o combinado.
Sigo os pedidos de ajuda do meu irmão. Eu sabia que o tinha de encarar, de fazer-lhe frente.
Empurrei-o mas não adiantou de nada porque não sou tão forte como ele, mas isso deu caminho livre ao meu irmãozinho para se aproveitar da sua distração, e finalmente conseguiu escapar.Agarrámos nas chaves de casa e saímos, tentado manter a porta fechada com toda a força possível podendo então trancá-la por fora.
Agora ninguém nos pode fazer mal.
Vamos até ao parque que fica por trás da nossa casa para podermos brincar e esperar que monstro deixe de ser monstro e volte a ser humano.
Estamos a salvo. Agora, estamos finalmente a salvo.
VOCÊ ESTÁ LENDO
as cartas que nunca leste
Non-Fictionescrever atenua a dor na alma portanto talvez assim a minha fique mais leve