18/10/19 11pm
Às vezes imagino que moras comigo. Que és tu quem mete a chave na fechadura e entra pela porta de casa.
Imagino que se assim fosse metade dos meus conflitos internos iriam desaparecer.
Chegava a casa após um dia de trabalho e sentava-me ao teu lado no sofá. Acompanhava-te a ver a tua novela favorita e sem que reparasses apreciava o quão focada estavas naquele momento, vidrada a olhar para a televisão e a reclamar sobre as atitudes menos boas dos atores.
No intervalo, pedia-te carinhosamente que fosses fazer uma das tuas grandes especialidades: leite com café - nunca percebi como é que as tuas chávenas ficam sempre diferentes das minhas - e conversava contigo sobre todos os detalhes que fizeram aquele dia ser diferente.
Escutava então as tuas lamurias sobre o nosso menino. Tanto o facto dele ter recusado a comer o peixe todo que fizeste ao almoço, como ele ter negado dormir a sesta. Os dias passam e a peste interior dele cresce!
Vou até ao meu quarto e reparo que os lençóis da minha cama foram trocados. O cheiro do teu perfume está espalhado no meu quarto porque tu tens o hábito de borrifar os lençóis assim que fazes a cama de lavado. Nunca percebi o porquê de o fazeres, mas o que é certo é que agora partilhamos esse vício.Mas tudo isto não passa da minha imaginação.
Porque se realmente morasses comigo, os meus conflitos internos iriam crescer todos os dias. Entrava em casa e tinha de enfrentar o terror - porque para onde tu vais, ele vai atrás - ao invés de chegar a casa e conversar contigo, virava-te as costas e trancava-me no quarto e esperava que o pior acontecesse.
Sem descanso, sem mimos, sem ti.Porque por mais que eu goste de imaginar uma família feliz, essa família feliz não existe. Eu não tenho uma. E quero habituar-me a isso. Por mais que custe.
E só eu sei o quanto custa...
Chegar a casa e não ter alguém com quem falar, pedir conselhos, desabafar, partilhar histórias, risos, abraços, beijos, ou até mesmo discussões. Alguém que me dê na cabeça quando faço merda. Faz parte. Só que não faz parte de mim.É uma mágoa muito grande com que tenho de lidar.
Queria conseguir socorrer a ti quando preciso.
Dói.
Dói muito.
Choro muito.
Nunca disse isto mas,
Amo-te muito mãe.
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as cartas que nunca leste
Nonfiksiescrever atenua a dor na alma portanto talvez assim a minha fique mais leve