Decisão

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  Thay.

    6:00 da manhã. Os raios de sol ainda não apareceram - é sinal de que terá uma chuva novamente. Ultimamente está mais chovendo do que fazendo sol. Não que eu não goste de chuva, eu adoro; mas o sol faz falta. Preciso dele pra poder sair nas ruas e tentar não pensar no acontecido de duas semanas atrás.

 Me remexo em minha cama, nada do sono vir. Droga! Me remexo de novo. Nada. Levanto-me indo em direção á janela, e olho pro horizonte. Uma bela vista do mar do litoral, de uma cidade pequena.

— É, vou sentir falta disso. - falei pra ninguém especial. Fiquei mais alguns minutos olhando o amanhecer opaco que nascia. Não adiantava, eu tinha que ir embora, não conseguiria viver aqui, nessa casa, sozinha, olhando para o amanhecer e o entardecer atônitamente... Eu preciso sumir daqui.

Balancei a cabeça e sai do quarto indo em direção a cozinha. Levei um enorme susto quando o liquidificador ligou, me fazendo entrar no banheiro logo próximo a sala.

— Meu Deus! - falei com mão no coração. Entrei na cozinha com o máximo de cuidado, e deparei com uma cena nada legal. Minha tia Jéssica suja de vitamina de abacate. Nada sedutor. - Oi tia, bom dia. - cumprimentei. 

Jéssica Bernardino não estava nada de bom humor. Uma mulher baixinha, mas de muita inteligência e tenacidade, mas de um coração de ouro. Mesmo na minha situação nada harmoniosa, ela estava tentando cuidar de mim, uma garota de 20 anos.

— Oi, nada de bom dia. Essa droga de tampa não fixa no liquidificador! - reclamou irritada. - Como você faz as vitaminas? - perguntou pegando vários papéis toalha pra limpar a blusa.

— Simples. Não tomo vitaminas de manhã. A senhora sabe que eu não gosto, prefiro chá. - disse ajudando a limpar a pia. Estava um horror.

— Thayná Bernardino, eu não irei repetir o que o médico disse. - recitou a frase de toda mãe. Mesmo ela tendo 31 anos, era como se fosse a minha mãe.

— Tia, eu sei o que o médico disse. Acredite, estou melhor sem tomar vitaminas verdes. - disse jogando o papel toalha sujo no cesto de lixo, e logo em seguida peguei a leiteira para fazer chá.

— Thay, sua boba, você tem que se levantar e seguir em frente. O Alison... - eu a interrompi.

— A tampa tem que ser fixa no copo, tia. Tem uma abertura aqui, que se encaixa nessas beiradas do copo. Viu? - disse mostrando como se faz. - Ok, vou lavar isso aqui.

Ela assentiu, e o assunto foi encerrado. Com isso, ela me ajudou a limpar a cozinha, ambas em silêncio. E depois que terminamos a nossa tarefa, fomos a sala ver televisão. 

— Cadê o tio Zeus? - puxei assunto. Não queria que ela achasse que eu estava magoada ou irritada. E a resposta em sua fisionomia foi  de alívio.

— Ah, ele está com as crianças. - respondeu passando o canal de TV.  Jéssica é casada com o Zeus á 3 anos, mas se conhecem á 20. Com isso tiveram 3 crianças: Richard de 15 anos, Lica de 9 e Leônidas de 7. São muito educados, mas as vezes são terroristas.

— Ela ligou pra você esses dias? - perguntei. Ela suspirou.

— Sim, estava muito brava. Thay, ela é a minha mãe, e é a sua avó. Ela te criou como filha, está com a razão em ficar brava. 

— Eu sei, não tiro a razão dela. Só que eu não conseguiria ficar naquela casa. 

— Então, porque não volta e pede desculpas? 

— Porque é melhor não desperdiçar tempo.- eu rebati. Não posso pedir desculpas, tudo que aconteceu foi falta de compreensão dela. Jéssica assentiu e voltou-se para a TV. 

Ficamos assistindo um filme falando de destino. Sinceramente, isso não existe! Já se foi a época que eu acreditava nisso. Pensava muito que eu estaria bem de vida, numa praia da Austrália, com Henry Cavill. Mas agora, isso está muito longe, anos luz.

— A Sabrina está colocando cada vez mais fogo na lenha. - comentou Jéssica baixinho. Olhei para ela sem entender.

— Como assim? 

— Ela está postando indireta no Facebook, enchendo a cabeça da mãe com ladainha, está fazendo e acontecendo. - disse com o olhar fixo na televisão, mas eu sei que o pensamento dela está longe.  - Se eu fosse você, pensava bem sobre essa viagem. Vai ser bom pra todos.

Observei as palavras, e depois o meu olhar foi para a foto que eu tinha no quadro da estante. A minha foto preferida. Eu e os meus irmãos. As únicas pessoas que me atingem. E olhei principalmente o rosto de um que nunca esquecerei. Alison. 

— Tia?

— Oi. 

— Me ajuda a fazer as malas e comprar a passagem? - perguntei. Ela olhou pra mim surpresa. 

— Sério? - perguntou incrédula.

— A senhora me incentivou, agora estou inspirada. - imitei uma pessoa feliz.

— Ok, você compra a passagem pela internet. E eu vou fazer as suas malas. - disse com a voz embargada. 

— Ótimo! - disse segura. 

Essa era a minha decisão, irei para longe daqui, longe da família, da dor, e da perda. Vou recomeçar.

O RecomeçoOnde histórias criam vida. Descubra agora