02 - Ella

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Era noite comum na boate. Estava relativamente cheio, mas já começava a chegar mais pessoas. Quando entrei pelas portas do fundo, Lara já estava me procurando.

- Você mora em cima do seu trabalho, Ella! e ainda consegue se atrasar.

O que eu podia fazer se minha coordenação motora para maquiagem não era muito boa? Se eu me apressasse nunca conseguiria passar sequer um batom.

- Já estou pronta, estaria atrasada se não estivesse pronta.

- Você mesmo fez a sua maquiagem?

- Sim.

- Não ficou tão ruim dessa vez. - Lara me observa de cima a baixo torcendo o nariz para um detalhe no vestido. - Acho que precisa de um alfinete na cintura.

Ela caminha até a penteadeira, abre a gaveta e tira alguns alfinetes lá de dentro.

- Não está muito cheio. Não queria ficar no bar hoje. - Comento enquanto ela ajeita o meu vestido para que não fique balançando no corpo.

- Vai encher mais tarde, tem uma despedida de solteiro, preciso de você.

- Eu pensei que poderia descansar hoje.

- Eu sinto muito, mas sabe que vai ser remunerada pela hora extra, você está precisando de dinheiro, não está?

- É. - Me limito a responder.

Eu estava cansada hoje, passei o dia na escola em que dou aula de música ensaiando canto com uma garota nova. Já tinha trabalhado na hora do almoço e provavelmente só sairia daqui depois das duas da manhã ou mais.

- Certo, você está linda. - Ela me elogia por padrão e se vira para entrar na porta que leva ao bar.

Eu caminho até o espelho e me encaro por alguns segundos. Vestido caro, maquiagem escura. Essa não era eu, nem em meus sonhos.

Respirei fundo e como sempre, tremi antes de entrar na boate escura.

Examinei o local e o ambiente, por mais que já tivesse vindo aqui várias vezes, ainda não me parecia familiar. Luzes escuras e baixas com mínimas iluminações em verde. Haviam mesas espelhadas pelo local e todas estavam cheias. Homens de terno e com rostos seguros enchiam o local que tinha o sabor ocre do pecado.

Algumas garotas de roupas de baixo brancas, que era a cor tema de hoje, caminhavam e conversavam entre os corredores escuros que as mesas formavam. Outras estavam dançando e simplesmente ignorando os caras.

Tudo normal.

Caminhei até o piano preto no canto do estabelecimento e me sentei em frente as teclas. Examinei meus dedos e os estiquei um pouco antes de começar a tocar as primeiras notas.

Eu sabia que ali eu era como um objeto exposto, ninguém dava a mínima para minhas músicas ou para o som que saia das teclas, mas era bonitinho uma garota usando roupas chiques tocando um piano em uma boate de luxo.

As vezes aquilo me repugnava, os olhares mal intencionados me causavam agonia. Porém, eu precisava fazer isso se quisesse ter um quarto alugado no hotel. Na verdade, o quarto é muito mais do que eu ganho aqui, um dia de um músico sem fama como eu, não daria para pagar nem metade da estadia de um dia nesses quartos.

Porém, esse foi o negócio que fiz com Lara. Eu e Ian, meu irmão, morávamos no hotel e eu ficava disponível para trabalhar e tocar quando eles quisessem. Eu praticamente não recebia salário aqui, mas em compensação, Ian não pagava pelo quarto então a ele cabia a missão de nos sustentar com comida, roupas e coisas básicas.

O muito que Ella senteOnde histórias criam vida. Descubra agora