35 Miguel ...

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Eram quase nove quando saí da livraria. Eram onze e quarenta quando cheguei em casa de um evento que tive que cobrir. Eu deveria me importar menos com detalhes pequenos, mas como não consigo, estou há horas editando coisas para amanhã. Eu deveria descansar já que tenho que acordar em poucas horas... mas não consigo. Sinto que se eu parar vou começar a pensar, minha mente está esgotada de pensar. Eu realmente não quero pensar sobre nada além de texto alheios à minha vida. Eu só quero não pensar.

Nas últimas semanas eu me baseei somente em escrever e trabalhar. Raramente durmo ou encontro Maria. Eu saio antes que ela e chego depois sempre. A vejo acordada somente no fim de semana, mas não tenho estado muito presente... mas eu não sei se consigo ser alguém legal para estar perto dela esses dias. A nova babá dela tem sido mais presente que eu.

Estava sem sono quando levantei da cadeira da minha mesa. Abri algumas caixas de livros e comecei a organizar minha estante. Encaixotei todos meus pertences durante a reforma da casa que agora possuía o dobro do tamanho. Eu ainda não organizei tudo pois foquei-me somente no quarto de Maria, o resto arrumaria depois.

Eu possuía duas salas que mais amava na casa. Minha biblioteca e meus quadros. Infelizmente tive que juntar o escritório a biblioteca, mas acabou tornando um cômodo confortável, antes o escritório possuía apenas exemplares dos meus livros, agora há prateleiras enormes com milhares de livros. Eu estava amando muito isso. A parede do fundo e lateral era uma estante de cima a baixo com portas de correr e uma escada de madeira e um segundo andar arquitetado, sinceramente só não é mais bonita que a de mamãe.

Eu tinha dezenas de caixas para organizar, deveria contratar alguém, mas por algum motivo organizar me acalma um pouco, principalmente se forem livros e por autor.

Meu telefone apitou uma mensagem em cima da mesa e eu vi o nome de Ariella piscando.

Ótimo. A causadora das piores semanas da minha vida. A mentirosa que tem a avó mais fofa do mundo.

Pra que ela teria a cara de pau de mandar mensagem depois de tudo? A curiosidade foi maior. Peguei o telefone e li a mensagem na barra de tarefas.

'Miguel, Maria me ligou pedindo pra ir na sua casa pois está passando mal. Ela está sozinha? Fiquei preocupada'

Ah Maria! Você não fez isso.

'Não venha'

Mandei somente. Não era da conta dela o que minha família fazia.

Saí do escritório/biblioteca e entrei no terceiro quarto do corredor. Caminhei até o abajur branco e o acendi, clareando o rosto de uma atriz mirim que fingia dormir.

- Maria Renler. Eu sei que a senhorita está acordada. - Digo me sentando ao seu lado. Ela se vira para o outro lado e abraça mais Clarinha. - Por que você ligou para a professora Ella?

- Eu não liguei. - Ela resmunga.

- Eu acabei de receber uma mensagem dela. Ela me disse que você a pediu para vir aqui pois passa mal. Por que fez isso?

- Eu não...

- Maria! Por favor. O papai está casado...

- É por isso. - Ela resmunga

- O que?

- Quando a professora estava com a gente, você não estava cansado... a gente brincava e você não ficava triste.

- Eu não estou triste, Mia...

- Está sim, eu não gosto de te ver triste, papai.

- É só cansaço, a mudança de casa me deixou assim, ainda não me acostumei com meu quarto.

- Mentira, eu sei porque você está assim.

Quantos anos essa garota tem mesmo!? Parece que estou conversando com uma mini adulta! Laila não poderia ter criado a filha mais parecida com ela.

- E qual o motivo?

- Você brigou com a professor Ella. Por isso ela sumiu. Você mandou ela embora.

Agora eu sou o culpado. Pobre Maria se soubesse o que a real Ariella faz.

- Eu não a mandei embora, só mudamos do hotel.

- Eu tenho um segredo, papai. Eu não ia te contar, mas você me obrigou.

- Eu o fiz? - Digo segurando um riso.

Maria se aproxima de mim e sussurra em meu ouvido colocando as mãos em concha como se me contasse algo que ninguém poderia escutar.

- Eu vi vocês beijando. Igual na novela da mamãe.

Ela diz e meus olhos se arregalam. Maria se esconde rapidamente embaixo das cobertas e escuto risadinhas.

- Você está nos espiando? - Eu Pergunto a cutucando por cima da coberta.

- Não, eu só queria saber onde vocês estavam... - Ela diz rindo das cócegas que estou tentando fazer nela.

- Não faça mais isso, mocinha. - Digo quando ela mostra seu rosto.

- A gente vai morar junto?

- Quem?

- Nós três? A professora Ella pode ser minha segunda mamãe...

- Aquilo foi de mentirinha, Maria. Foi igual nas novelas da mamãe.

- Por que?

- Porque sim. Você não precisa saber de coisas de adulto.

O que responder pra ela!? Eu não faço a menor ideia! 'Então Maria... a sua professora é uma garota de programas que estava tentando me roubar, mas tudo bem porque agora eu descobri e a fiz sair do emprego de professora para nunca mais te ver.'

- Quando a gente fica junto, eu não ficava sozinha. - Ela resmunga voltando a deitar.

Eu finalmente entendi o que ela quis dizer. Como sou lento!

Deitei-me ao seu lado e olhei para o teto por um instante. Eu não deveria me distância assim, mas poxa, isso tudo é muito novo pra mim...

Além de que o lance com Ariella me abalou mais do que eu gosto de assumir pra mim mesmo. Eu nutria sentimentos por uma mulher e pela primeira vez pensei que era recíproco. Mas acabou que no final era tudo igual. Era outra qualquer.

Sinceramente me iludi demais e acho que por isso estou demorando a esquecer. Ela era perfeitinha demais para ser real.

- Seu pai é um bobo, Maria. Ele acha que sabe cuidar de você, mas no final faz tudo errado.

- Você não fez tudo errado.

- Olha, eu prometo que não vou fazer isso de novo. Que tal se eu te buscar na escola todos os dias?

- Você vai!? - Ela pergunta mais animada.

- Sim, eu vou tentar todos os dias, mas se não conseguir te aviso antes, ok?

- Ok.

Ela me abraça e deita seu corpinho em cima do meu peito.

- Eu te amo, papai.

- Também te amo, Maria.

Eu sabia que o maior medo de Maria era ficar sozinha. Ela tinha medo de que eu a abandonasse assim como a mãe o fez. E era isso que eu estava fazendo aos poucos sem perceber.

O muito que Ella senteOnde histórias criam vida. Descubra agora