Capítulo 36 - Arpão

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No Planeta Mater

Mais uma noite cai sobre os humanos nas trincheiras. 
Mais uma noite fria, onde os refugiados se cobrem com os poucos cobertores disponíveis. Não foi permitido que se ascendesse fogueiras.

E de madrugada uma forte cortina de neblina caiu sobre toda a região.

Fernanda e os membros de sua equipe estavam de guarda. Ela se sentia tensa. A visibilidade era de menos de dez metros. E a informação de que os inimigos conseguiam controlar com exatidão a temperatura corporal a perturbava, pois tornava os sensores térmicos não confiáveis.

Julho estava usando microfones direcionais para tentar ouvir algum possível inimigo.

Carmen e Virgílio estavam a postos com rifles de plasma.

O som de alguma coisa batendo nas pedras a algumas centenas de metros chamou a atenção de todos.

Fernanda apertou o botão do alarme silencioso em seu computador de pulso.

Todos os computadores dos outros soldados vibraram e exibiram mensagens de alerta em suas telas.

Dezenas de soldados levantaram a cabeça para fora das trincheiras e apontaram suas armas para a escuridão e para a neblina.

Fernanda ouve o som de alguma coisa cortando o ar em alta velocidade. E então o som do impacto. Ela se vira e vê que Virgílio foi atingido no pescoço, por algo parecido com um arpão, ou um tipo de flecha.

O sangue esguicha para todos os lados e Virgílio cai para dentro da trincheira.

Então Fernanda vê que o arpão possuía uma esfera na extremidade posterior. E nela uma pequena luz pisca cada vez mais rápido. Ela entende o que aquilo significa e grita:

- Granada!

Ela, Carmen, Julho e outros soldados pulam para fora da trincheira e deitam no chão.

A explosão se alastrou por dezenas de metros na trincheira. Dois soldados não conseguiram sair a tempo, e sofreram ferimentos graves.

As paredes da trincheira absolveram a força da explosão e Fernanda e os outros que conseguiram pular para fora não se feriram, só ficaram com os ouvidos zunindo por vários minutos.

Os soldados, mesmo sem ver nada, atiraram com seus rifles na direção de onde o estranho armamento veio.

Fernanda e seus companheiros recuaram para a segunda linha de trincheiras.

Não havia mais nada a fazer naquele momento. Apenas esperar outro ataque ou o fim da neblina.
O choro das crianças e o desespero dos refugiados era enlouquecedor. Então Carlos teve que falar ao rádio com todos.

- Lembrem-se do treinamento básico. Esse barulho só identifica a posição de vocês ao inimigo, calem a boca!

A maioria se calou, uma menina de cinco anos estava tendo um surto de pânico e não conseguiam fazê-la se calar. Fernanda foi até ela e lhe aplicou um sedativo.

Depois que a criança dormiu o silêncio foi tão completo que os soldados podiam ouvir seus corações baterem acelerados.

Depois de alguns minutos Dora mandou quatro de seus autômatos irem patrulhar próximo às trincheiras.

Os pequenos robôs de Dora viam apenas alguns metros a frente com suas câmeras e luzes, e os sensores infravermelhos não mostravam nada de anormal.

O autômato que estava mais afastado chegou perto de uma pedra e foi atingido por um arpão, o qual furou a carcaça metálica fina e ficou preso na lateral do robô.

O braço mecânico do autômato levou pouco mais de dois segundos para se virar e alcançar o arpão. O robô estava conseguindo arrancar o inusitado armazenamento de sua carcaça quando o mesmo explodiu.

Peças do autômato foram lançadas a dezenas de metros de distância.
Os outros três robôs passaram a atirar na direção de onde o ataque teria vindo, enquanto recuam para as trincheiras.

---x---

Depois de cinco longas horas finalmente amanheceu e o nevoeiro se dissipou.
Fernanda, Julho  e Carmem foram até a trincheira onde os restos de Virgílio estavam.

Fernanda achou a moeda de bronze em um dos bolsos da jaqueta de Virgílio. Infelizmente o morto não tinha mais cabeça para a moeda ser colocada sobre um de seus olhos, então ela foi deixada sobre a pilha de restos.
Depois de se despedir do companheiro eles enterraram o que sobrou dele.

Fernanda e Carlos analisaram a trajetória do arpão. Então perceberam a grande rocha no meio do campo, ela seria o local ideal para lançar a arma e se proteger depois.

Eles foram até o local, e atrás da grande pedra havia pegadas grandes.

Carlos disse para Fernanda:

-Lamento pelo seu amigo. Já perdi muita gente também. Sei que é difícil.

- Obrigada, o Virgílio era um cara legal. Ele era religioso, era um novo atenista, acreditava na deusa Atena. Vivia falando que depois da morte ele atravessaria o mitológico Rio Estige e iria para os Campos Elíseos, onde as almas dos bons passam a eternidade. Que era para colocarmos uma moeda sobre seu olho para pagar o barqueiro. Fizemos o melhor possível, não que eu acredite nessas coisas, mas enfim, para honrar nosso amigo.

Carlos balançou afirmativamente a cabeça. Ele também faria qualquer estranho ritual para honrar um amigo que morresse em combate.

Dora chamou no rádio:

- Vamos instalar sensores de movimento. Fazer um perímetro monitorado, para o caso do nevoeiro voltar. E mudando de assunto. Vamos aceitar seus reforços.

- Certo. Vou avisar a comandante Aline, ela está acalmando os refugiados.

---x---

No asteroide de mineração FK 625

A menina stall chamada Terle acorda. Para sua surpresa suas mãos e pés estão soltos.

Ela percebe que está em uma câmara diferente. O ambiente em que ela está agora possui as paredes acolchoadas e não tinha armários ou móveis.

Ela sente que seu corpo repousa no piso que também era acolchoado.

A gravidade daquele ambiente é muito baixa, o simples movimento de apoiar as mãos no piso para se levantar a lança para cima. Então ela vai lentamente descendo de volta ao chão.

Os minutos se passam e nada acontece. Então ela vê a porta da câmara, não existe maçaneta ou outro meio para abri-la.

Uma pequena abertura ao lado da porta se abriu e um pacote de ração e uma garrafa de água vieram por ela, e lentamente foram descendo para o chão.

Ela pensa em todos os seus familiares que provavelmente morreram ao defender a nave de transporte. A vida dela se tornou um sofrimento sem fim, ela não sabia o que aqueles monstros dos humanos queriam com ela.

Ela vai até a garrafa e bebe um pouco de água. E horas se passam. Então a porta se abre, e um humano entrou na sala.
Terle vai para um canto da sala e fica em posição fetal, tentando proteger a cabeça com os braço.

---x---

Na nave de transporte interestelar

A pequena Trix procura ser forte e não demonstrar medo, ela sabe que os demais stall precisam que ela seja um exemplo de coragem.
Suas mãos e pés doem depois de tantas horas amarrada.

Ela percebe que um autômato, o qual é uma caixa com quarto braços mecânicos se aproxima dela.

Um dos braços possui uma câmera e com ela faz uma vistoria em Trix. Então os alto falantes do autômato funcionam e uma voz sai por eles:

- Olá querida. Lamento pelo desconforto. Eu vou solta-la, só peço que não tente fazer nada estúpido. Temos muito o que conversar.

O Deus TuloOnde histórias criam vida. Descubra agora