XV

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O plano da minha tia em teoria parecia realmente simples e, de fato, seria ainda mais simples se eu não tivesse sentimentos fortes o suficientes para querer correr em direção a casa de Luís e me esconder lá por tempo indeterminado

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O plano da minha tia em teoria parecia realmente simples e, de fato, seria ainda mais simples se eu não tivesse sentimentos fortes o suficientes para querer correr em direção a casa de Luís e me esconder lá por tempo indeterminado. Não que eu não soubesse fingir frieza, essa é uma das minhas especialidades, mas levo bem mais para o lado de defeito que de ganho, afinal, já me custou percas e um orgulho sem fim que não me deixava admitir nada, e isso pra mim, é um defeito bem irritante. Fora que, não gosto de planos, principalmente quando eles tem uma possibilidade bem grande de fracassar e, talvez, apenas talvez, em uma possibilidade remota, em um mundo paralelo, eu estivesse com medo que ele escolhesse o morro e desistisse de mim. Quer dizer, é só pensar bem que, eu deveria estar correndo atrás dele também, e não só ele de mim.

Era isso tudo que vinha em minha mente em quanto subia o morro em direção a fonte, lugar onde de certeza ele estaria, talvez sozinho ou cheio dos "parça" ao redor. E seria bem melhor se fosse ele sozinho, porque seria um tanto constrangedor pedir pra ele ter que sair rapidinho pra falar comigo. Existe um histórico de meninas que fazem isso com  outras intenções e isso me deixava um tanto quanto apreensiva.

Se tem algo que odeio é ficar ansiosa a respeito de algo, eu enlouquecia com bilhões de pensamentos que me levavam direto a outros em um ciclo sem fim que me enlouquecia e fazia o frio na minha barriga apenas aumentar.

Foi aí que eu vi ele.

Em outras circunstâncias ver ele faria esse nervosismo sumir pelo ar, mas dessa vez, senti meu coração ser esmagado é uma vontade enorme de descer o morro correndo como uma avalanche sem uma direção certa, apenas pra ir pra longe dele, e, ao mesmo tempo, eu só queria correr pra ele e dizer que amava ele, que queria casar e ter uma família, e implorar pra ele largar essa vida é ir comigo. Mas, infelizmente, nenhuma das atitudes podia ser realizada, então só me restava respirar fundo e ter um mínimo de dez segundo de coragem para vomitar rapidamente tudo que eu tenho a dizer, descer o morro mais rápido que qualquer super herói possa conseguir, entrar no carro no Guilherme ( que tomara Deus já devia ter posto minhas malas no carro) e sair sem olhar para trás.

É, eu era bem covarde quando se tratava de dar adeus, e era ainda mais fraca quando Luís estava na história.

Antes que ele me visse, bolei mil e uma ideias de como dizer a ele que precisava ir porque eu não podia ficar perto dele enquanto ele vivesse nessa vida. O problema era dizer isso quando eu queria dizer o extremo oposto. Em casa, decorando possíveis falas tudo parecia tão fácil, tão superável, mas agora, olhando ele ali, distraído observando o morro com aqueles olhos como de águia, eu só conseguia pensar que tudo era uma besteira enorme, que eu estava cometendo um erro e que eu poderia apenas aceitá-lo da forma que é, sem me importar com nada.

Meus pensamentos são quebrados em uma onde de realidade ao ver um vapor com uma arma na cintura e um saquinho cheio de um pó branco duvidoso, sendo entregue diretamente nas mãos de LM. O vapor é pago e sai dali pacificamente, como se fosse absurdamente normal entregar drogas.

Meu antes pensamento de aceitá-lo como é, foi completamente dissolvido ao vê-lo por o saquinho de droga em cima da mesa, abrir uma gaveta, tirando de lá, várias notas de cem. Dinheiro desonesto, fruto do tráfico. Será que ele não fazia ideia de quantas infâncias eram destruídas de inúmeras formas pela porcaria que se continha naquele saquinho?

Ele volta a observar o morro, dessa vez com um olhar mais perdido. Meu coração pareceu ter sido preso em um nó, que cada vez o esmaga mais.

Era isso, eu precisava fazer, e precisava ser agora.

Respirei fundo e tentei dissipar qualquer sentimento que quisesse se reproduzir rapidamente, como uma infestação que tenta tomar conta das minhas decisões. Eu estava no controle, e não meu emocional.

Eu estava no controle, e não meu emocional.

E esse foi meu mantra até ele dirigir aqueles olhos fortes e diretos na minha direção, abrindo pouco a pouco um sorriso.

Um sorriso que eu destruiria em fração de segundos.

Ele ia abrir a boca para dizer algo mas então fui mais rápida. Qualquer palavra carinhosa me faria desmoronar tão rápido quanto a coragem que a pouco eu tinha adquirido.

- Preciso falar contigo, LM.

E isso bastou para fazer aquele sorriso morrer.
E isso bastou para querer me fazer parar e gritar comigo mesma, mas eu não podia.

Eu estava no controle, e não meu emocional.

- Eu vou embora do morro.

E essa frase fez ele desmoronar na cadeira. Diferente do que eu esperava, ele não falou nada, mas no seu olhar se escondia tantos mistérios que eu não seria capaz de desvendar todos no tempo que ainda me restava ali.

- Eu vou ser breve porque, minha tia nem sabe que vim aqui me despedir e o Guilherme tá me esperando lá em baixo. Eu vim te dar tchau, LM.

- Porque tá fazendo isso? Me chamando assim?

- Porque esse é você. O LM. O dono do morro, o comandante do tráfico do morro, a voz a quem todos escutam. A voz que dá direção pra matar e pra vender drogas. É esse quem você é.

No fundo eu só queria vê-lo me mostrar que aquele não era ele, que ele era diferente, que faria diferente. Dizer ele já havia me dito, e Deus sabe como eu acredito. Eu só queria uma ação.

Mas tudo que tive como resposta foi o silêncio.

Naquela fração de segundos me veio a mente todos nossos enfrentamentos, todos os nossos momentos, e antes que eu pudesse evitar, uma lágrima caiu, e depois outra, e depois outra.

E ele viu. Viu um por uma cair por terra. E ele não fez nada.

E naquele breve silêncio tive a certeza que ele entendeu meus motivos, entendeu o que eu estava fazendo, entendeu porque eu estava fazendo.

Ele se levantou, se aproximou. E a cada passo meu coração se desenrolava daquele nó apertado. Mas o que veio em seguida, apenas me fez partir em pequenos pedaços.

- Eu te amo, Geisa.

E a verdade naquela frase simples chegava a ser palpável, e pra mim aquilo era suficiente, pra mim era apenas o que eu precisava para ficar, era o único motivo que eu precisava. Mas esse não podia ser meu único motivo. E essa frase não podia ser suficiente.

Porque as coisas tende ser tão complicadas quando são tão fáceis de resolver?

- Desculpa.

Foi tudo que eu consegui dizer antes de dar as costas a ele. Me sentia sufocar, queria ficar ali, ficar com ele. Porque raios querer não basta? Porque raios ele vive nessa vida?

Eu ouvi os passos dele atrás de mim, mas não senti ele segurar meu braço. Ele desceu passo a passo atrás de mim, e o morro todo assistiu quando eu vi Guilherme escorado no carro.

Acho que os segundos nunca passaram tão devagar como nesse dia.

- Cachinhos?

A voz dele, teve algo nela que fez acender em mim um desespero tão grande a ponto de me virar da forma mais rápida que pude.

- Oi?

- Tu vai mesmo ir? De novo?

A frase que ouvi foi " Vai mesmo me abandonar? De novo?"

Apenas assenti, e entrei no carro. Guilherme deu partida e conforme o carro andava, Luís ainda estava lá, parado, e eu pude jurar que vi lágrimas descerem do rosto dele, mas já não tinha certeza. A distância crescia cada vez mais.

DE VOLTA AO MORRO - EM REVISÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora