Enquanto as coisas já estavam postas em seus devidos lugares, as coisas dentro de mim não estavam em seus devidos lugares, pelo contrário, se encontravam bem desassossegadas se é que assim se podem chamar.
Luís Felipe parecia ter realmente respeitado o meu chilique, e lá estava ele.
Me olhando na cara dura, mostrando a cada segundo que eu podia não estar falando com ele, andando com ele ou agarrada a ele, mas que ele não iria me permitir fugir assim.
É tão confuso não saber se dou mais atenção ao que sinto ou ao que é certo. Não posso ignorar o fato de que ele financia drogas pra comunidade. Mesmo que não fosse ele seria outro, reconheço isso mas, só queria que ele largasse mão disso.
Entendo que o sustento dele se baseia nisso, já que foi por ai que tudo começou, mas não posso negar que me anoja, me entristece, me faz me sentir desprotegida.
O título que tantas desejam, eu repudio. "Fiel do LM". Não quero isso pra mim. Quero ser a esposa do Luís, e não a rainha de copas do morro todo. Isso pra mim não é motivo de orgulho.
Me dá orgulho saber as coisas boas que ele fez, o dinheiro que construiu, da maneira basicamente certa, ajudando pessoas, oferecendo emprego e uma chance temporariamente diferente de enfrentar a realidade sombria que o morro pode te apresentar quando tudo cai. A escolha entre a sobrevivência e a honra.
Eu não estou dançando ou curtindo a festa. De longe observo Mariana dançar com as "miga" como ela mesma se refere. Sentada, reflito sobre tudo que se passa aqui. Dentro de mim. Não acho maduro ignorar ele, mas também não acho prudente ficar beijando alguém que, mesmo que eu ame, e que seja mais que recíproco, age de forma diferente do que, pra mim, é o certo. Não quero mandar nele, ditar ordens.
Só queria o Luís aqui.
O Luís da infância, cheio de sonhos. O meu Luís.Eu não quero uma vida regada a riquezas que, mesmo sendo parcialmente honestas, vem de algo ruim. Algo que destrói vidas, pessoas.
Cansada da música alta, de meus pensamentos gritando ainda mais alto, me levanto de um dos bancos largados pelo baile, e me volto para a saída. Não me prendo em ver se ele me observa, eu sei que sim.
Caminho desajeitamente entre a multidão, me perguntando porque aceitei entrar aqui. Eu deveria ter admitido para mim mesma que meu lado emocional sempre falaria mais alto que alguma parte perdida de mim que tenta fazer a pose de garota plena e poderosa, que não liga para o fato de estar afastada do garoto que ama.
Novamente.
Me sinto tão ridícula. Me sinto mal por julga-lo, no fundo sei que nada do que ele faz é de má intenção, e reconheço que ele mesmo não gosta disso, então, a solução não seria simplesmente se afastar de algo tóxico como isso?
Vejo a dúvida nos olhos dele quando para em minha frente. Eu, escorada na parede, já do lado de fora do baile, me contendo em olhar para aqueles olhos tão profundos. Seja lá que disse que os olhos são a janela da alma, lhe dou total convicção e firmeza, de que falou tudo que se pode declarar sobre um olhar.
A dúvida de Luís, sua confusão, seu medo, sua indecisão. Eu vejo tudo ali, misturado, tão claro quanto água. É sufocante não saber se devo permanecer aqui, enfrentando esse olhar, ou optar pelo mais fácil agora, sair rapidamente sem olhar para trás. Mas, esta segunda opção é apenas temporariamente fácil. No final da noite, serei eu, uma noite em claro e milhões de pensamentos.
Deve ser difícil. Estar de frente para a pessoa capaz de girar seu mundo pra baixo, com os pés em um morro tão amado, e que você não deseja virar as costas.
O problema é que eu não quero que ele vire as costas para o morro. Desejo apenas que as pessoas olhem nos olhos dele e vejam uma superação visível, direta é possível. De alguém com uma linhagem familiar errada, com bases balançadas, mas que mostrou que é mais que provável ser o que você quer ser, seja lá qual for o tipo de vida que te deram como profecia durante a infância inteira.
Expectativa.
Eu depositei isso nele. A mãe dele, mesmo desesperançosa fez o mesmo. Mas o resto, apenas agiu como se fosse fato que Luís sempre seria LM e se tornaria mais um bandidinho barato, e trabalhado em armas, passando por cima de pessoas, de histórias, de vidas, de contextos.
Isso é triste, é desmotivante. Principalmente para quem viu o pai agir como um tremendo babaca sem coração. Cheio de traições, agressividade, raiva acumulada, ódio explosivo, e enojado pelo próprio filho.O pai de Luís era repleto de fases. Possuía mais que a própria Lua. Às vezes ele era um principe, tratava a mulher feito rainha, os filhos feio o tessouro mais precioso. Em outros lá estava ele, bêbado, fazendo merda seguida de merda.
Meus olhos estavam perdidos na escuridão noturna, quando senti os braços de Luís me envolverem com desespero. E então, quando o toquei, ouvi por segundos a fio, seus soluços. Meu pescoço pouco a pouco era banhado por suas lágrimas.
E eu fiz a única coisa que eu achei que poderia ajudá-lo.
Acariciei seus cabelos com uma mão, enquanto com a outra, abraçava su cintura, fazendo pequenos e grandes círculos invisíveis, em suas costas.
Sentia o tecido leve e ao mesmo tempo áspero de sua camiseta confrontar meus dedos, projetando pequenas dificuldades na conclusão de minha tentativa de carinho.- Eu estou aqui para você. Eu sempre vou estar aqui. Eu só te peço que cumpra tuas promessas, porque a cada dia, você me dá um vislumbre do Luís por quem sou apaixonada, e no dia seguinte, sou invadida pela certeza de que, você é apenas o LM, o dono do morro.
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DE VOLTA AO MORRO - EM REVISÃO
Romance#2 mudanças - 18/11/2021 #1 risadas - 07/03/2023 #1 nostalgia- 07/03/2023 #2 afeto - 02/12/2021 - Quem é tu garota? Fumou foi? Não tem medo de morrer não? - Eu? - sorri, indo em direção a mesa em passos devagar, me escorando nela - Nunca tive medo d...