1º Capítulo

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— Livro narrado na primeira pessoa com excepção ao presente capítulo. —

O som do despertador fez-se ouvir pelo cómodo e Ella esticou a sua mão para desligá-lo. Ainda com muito sono, por ter dormido apenas às duas da manhã devido às insónias, levantou-se e arrastou-se até à casa de banho. Olhando para o seu rosto cheio de olheiras e o cabelo numa juba de leão, Ella riu e começou a fazer a sua higiene pessoal. Imagens do dia anterior passaram pela sua mente e suspirou ao lembrar do azar que a rapariga tivera. Chegara atrasada ao serviço porque o autocarro avariou e o seu chefe fez questão de fazê-la ficar até o local fechar e como castigo teria que chegar mais cedo durante o resto da semana e sair mais tarde, tendo que esperar o dono da loja para fechar a mesma e então voltar para casa. Ella sabia que esse não foi o contrato, mas sem escolhas, apenas baixou a cabeça e aceitou o que o patrão tinha para dizer ou estava desempregada novamente.

Correu, ainda de toalha, para vestir-se no quarto e escorregou na casa de banho, projectando todo o seu peso para uma das ancas. Levantando do chão rapidamente, sem tempo para queixar-se da dor na sua perna, Ella continuou a andar, ou mancar, até ao pequeno guarda-roupa que tinha e rapidamente tirou um vestido solto azul com bolinhas brancas, já antigo que chegava aos seus joelhos e colocou por cima da cama enquanto passava o creme pelo corpo e vestia a roupa interior. Depois de vestida sentou-se na sua cama e calçou os seus ténis pretos também antigos e levantou-se para pegar na sua bolsa que continha coisas importantes, como o seu casaco fino, a carteira onde estava algum dinheiro que precisasse em caso de emergência e um creme de mãos. Ella correu para sair de casa, não que a sua casa fosse grande, já que era um T1, mas sim pela pressa de chegar ao serviço e seu patrão ter que esperar. Depois de fechar a porta, Ella correu até à paragem do autocarro que estava prestes a chegar. Olhou em volta tentando respirar normalmente devido à correria. A paragem estava vazia pelo simples facto de serem apenas cinco e trinta da manhã, e toda a gente começava a sair apenas às seis e trinta para o terceiro autocarro do dia, enquanto Ella precisava apanhar o primeiro daquele momento adiante. Com um suspiro, encostou-se no vidro da paragem, não se deixando ceder ao desejo de sentar e cochilar durante os minutos restantes.

Os seus olhos fecharam-se quase que automaticamente e a sua mente voltou para o seu passado, quando ela abandonou tudo por uma simples pessoa que tanto assombrava os seus pensamentos. Envolvida numa tristeza repentina, deixou ser abraçada pela solidão e pelo medo de ser apanhada e viver aqueles momentos novamente. Os pensamentos de Ella são interrompidos com o barulho dos pneus contra o asfalto húmido da chuva da madrugada e do motor barulhento ao fundo da rua. Abriu os olhos marejados e preparou-se para limpa-los quando viu um movimento estranho nas árvores do outro lado da estrada. Os seus olhos colaram em duas pérolas azuis que mexiam devagar, como dois olhos em um corpo, e o seu sangue parou de correr em suas veias e o bocado de frio que a fazia abraçar os seus braços desapareceu rapidamente com o arrepio bom que passou pelo seu corpo todo. O ar parecia parar naquele momento e Ella conseguia sentir a respiração quente de quem estava do outro lado da estrada, começando a duvidar da sua sanidade mental quando sentiu borboletas no estômago e as suas pernas a falharem. A pessoa, ou coisa, que estava no meio da floresta deu uns passos para frente e Ella assustou-se por não ter ficado com medo do grande lobo que estava a olhar para ela naquele momento. O seu olhar dizia muitas coisas ao mesmo tempo e Ella podia entender um 'finalmente' daquele olhar que por algum motivo não conseguia quebrar. Ella deu um passo para frente e conseguiu sentir o aroma que pairava no ar, algo exótico e quente, como se fosse uma colónia humana, o que fez questionar-se sobre a sua sanidade mental outra vez. O lobo aproximou-se mais um pouco de Ella, pondo uma pata na estrada e Ella iria ao seu encontro, se não fosse o barulho do autocarro ao seu lado.

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