Ella

3º Capítulo

Tem dias que nós não devemos sair da cama e nós sabemos disso mas insistimos que os nossos instintos estão errados e que por algum milagre, tudo vai dar certo. Eu concordo com essa teoria, mas nem sempre o milagre chega a acontecer e eu sabia disso, aliás, nós sabemos disso. Deus não pode dar-nos tudo o que queremos, não me parece correcto de jeito nenhum. Imaginem alguém a desejar que outra pessoa morra enquanto está com ódio dessa pessoa, depois do ódio certamente vem outra coisa, pode não ser amor mas o arrependimento sempre chega, tarde ou cedo. O ser humano é egoísta demais para que Deus dê tudo de bandeja. A vida requer esforço, dedicação, paixão, ternura, compaixão e amor, muito amor. A vida tem que ser vivida ao máximo, ser usada como limão que é sugado todo o seu sumo, como um vampiro drena o sangue de um humano, ou mesmo como a Lua afecta os lobisomens de forma total. Isso é viver! Aproveitar cada raio de Sol e gota de chuva.

Nesses últimos dias, o Sol parecia cada vez menos brilhante e a Lua parecia cada vez maior. Por que é que eu digo isso? Porque, se calhar, passei os últimos dois anos dentro de uma loja a trabalhar para viver e quase nunca saiu da mesma. Dias de folga são mais raros que água no deserto. Não reclamo de nada, até porque eu gosto do meu trabalho, mas ser atormentada pelo chefe, é super frustrante. Já fui assaltada duas vezes porque tinha saído muito tarde do trabalho, antes de ter o Dean comigo. E adivinhem só, foi a mesma pessoa que me assaltou! O tal de ladrão ainda disse 'Se eu estivesse no teu lugar desistia desse emprego, o teu chefe não presta e não ganhas assim tão bem.' Não sei por onde anda a sorte, mas certamente aqui, comigo, ela não está. Só alguns dias depois de ser assaltada é que entendi o porquê de ele dizer aquilo, o meu chefe fazia com que eu ficasse até mais tarde propositadamente. Ele já chamou-me de vários nomes que eu prefiro não citar aqui para não manchar o seu nome que já anda na lama. Ele pensa que é o melhor e por isso trata toda gente mal. Toda gente que ele sabe que não tem condições ou que batalha pela vida, até porque quando ele sabe que alguém tem dinheiro, vira o mais santos dos santos.

Na minha terra sempre ouvi dizer que, se seguires os nossos ditados, a glória é certa. Um dos meus favoritos, que eu levo como inspiração para todos os dias levantar da cama é ''Galinha kargadu i ka ta sibi si kaminhu lundju'' (A galinha transportada não conhece o comprimento do caminho). Esse foi um dos ditados que me fez querer continuar a batalhar na vida até hoje. Eu testemunhei o significado desse ditado quando, ainda na minha adolescência, uma amiga minha saiu de casa porque estava chateada com a mãe, o que eu achei frescura, e foi viver com o namorado. Ela sempre viveu com os pais e sempre teve tudo o que queria, desde as mais pequenas coisas até um carro que ela recebeu no seu décimo sétimo aniversário e dois dias depois já tinha oferecido ao namorado. Nos primeiros dias estava tudo bem, até que os pais dela bloquearam todos os cartões que estavam com ela. Ela voltou para casa depois de cinco dias com o namorado. Eu limitei-me a ficar calada enquanto os pais delas gritavam com ela, e como boa amiga que sou, aconselhei durante esses cinco dias que ela estava fora a voltar para casa.

E é isso, depois de tudo voltar ao normal, nós continuamos a ser amigas e ela continuou com o namorado dela. Desde esse dia, quando ela voltou para casa, eu constatei também que não importa quão longe estamos de casa, o coração vai fazer o corpo voltar e o amor vai curar o que algum dia foi chamado de ferida. Mas no meu caso é impossível, já que se voltar tudo vai estar igual e as pessoas vão comentar até que chegue aos ouvidos dele, e aí seria o inferno subido para a terra mundana. Certamente se eu fosse uma shadowhunter seria tudo mais fácil, mas como não sou...

Se tem uma coisa que eu aprendi já desde pequena, é  que tudo que vai certamente volta, e quando volta arrebata com tudo e não quer saber quem está no caminho. Por isso sempre tive a paciência de pensar antes de fazer as minhas escolhas porque, uma vez dito, já não dá para voltar. E não gosto de fazer algo mal e depois ter que viver com aquilo nos meus ombros, como uma cruz para carregar todos os dias da minha vida. Escolher sempre muito bem o que dizer e o que fazer, já dizia a minha mãe e eu carrego isso bem na minha alma. Com coragem e bondade, o mundo pode ser conquistado e as mais duras batalhas vencidas.