Capitulo 4

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Pego pela décima vez a tigela no armário, e de novo a minha mão a devolve para dentro do armário.

— Aigo, você não vai me deixar nem comer mais? Quer me matar de fome? — Resmungo, como se fosse mudar alguma coisa.

Tento mais uma vez e, finalmente, consigo pôr a tigela na mesa, vou pegar o cereal no outro armário, e por incrível que pareça a minha mão não me atrapalha, pego o leite na geladeira e quando vou por o mesmo na tigela, a minha mão a empurra para o lado e vira o leite.

— Aigoo, que inferno.

Limpo tudo e tento de novo, mais uma vez o leite é virado. Desisto de por o leite, vou comer só o cereal mesmo.

Quando vou colocar a primeira colher na boca a minha mão arremessa a tigela longe, espalhando cereal por toda a cozinha. É, parece que não vou conseguir comer hoje. Ponho a tigela na pia e vou guardar o leite, mas antes eu feche a geladeira novamente, um pote me chama a atenção, é o pote do Park, me bate uma curiosidade e pego o mesmo, dentro dele há um tipo de bolo e na tampa tem um bilhete.

"Esse bolo se chama brownie, eu aprendi a fazer quando fui para os Estados Unidos, ele fica melhor se você esquentar"

Não parece ser tão ruim, vou provar.

— Dessa vez me deixe comer, por favor. — Falo para a minha mão, como se ela fosse me entender.

Pego uma colher e boto um pedaço de bolo na boca, huuuum, que delícia, isso é muito bom. Boto o resto no microondas e depois como, realmente é melhor quente.

Depois de comer lavo o pote e escovo os dentes, vou devolver o pote antes que o Park venha buscar.

Nem tranco a porta, a casa é do lado e não pretendo demorar.

Bato na porta do Park e o mesmo abre segundos depois, com uma luva térmica na mão e um pouco de farinha no rosto.

— Eu vim devolver seu pote. — Falo estendendo o pote para ele.

— Obrigado, você gostou?

— Sim, é muito bom.

Me preparo para sair mas ele segura meu braço.

— Que bom que gostou. Você tem sorte, estou com um Brownie no forno, quer ficar para comer?

— Não, obrigado.

— Eu insisto.

— Eu...

— Não aceito "não" como resposta.

—Tudo bem. — Suspiro, eu não queria passar um tempo com o Park, mas o bolo é muito bom, e conseguir comer está um pouco difícil ultimamente, minha mão quer me matar de fome, ao que parece.

Ele abre espaço para mim entrar. A entrada da direto para a sala, que é muito bonita, tudo em tons pastéis. Vamos para um corredor, no mesmo há vários quadros do Park e de sua família, noto que há mais quadros de um garoto do que de qualquer outra pessoa, deve ser o namorado do Park, depois vamos para a cozinha, as paredes são cor de pêssego, a mesa e as cadeiras são rústicas, mas o resto é tudo moderno.

— Pode sentar. —Ele aponta para as cadeiras da mesa. — Já está quase pronto.

Ele pega um pano de prato e abre o forno, o aroma que vem dali de dentro é magnífico. Ele põe a forma com o brownie na mesa e meu estômago ronca, Jimin ouve e da uma risadinha, estômago traidor.

Ele corta o brownie, pega um suco na geladeira e põe na mesa, junto a dois pratos e dois copos, ele nos serve de brownie e suco, começamos a comer em um silêncio meio constrangedor para mim, mas o silêncio logo é quebrado pelo Park.

— Você trabalha em quê?

— Ahn... Nada, e você trabalha em que?

— Trabalho como acompanhante, algumas pessoas não gostam de ser solitárias e me contratam. Como você se sustenta se não trabalha?

— Meus pais trabalharam a vida inteira e juntaram muito dinheiro, me deixaram milionário, tenho dinheiro para viver o resto da minha vida.

— Que maravilha, você faz algum curso ou faculdade? — Ele pergunta, me analisando.

— Faço faculdade de pediatria, mas vou ter que parar.

— Você gosta de crianças? Por que vai parar? — Caralho, ele não para de falar, sua voz doce, como perfume barato, está me enjoando já.

— Sim, eu amo crianças, eu vou ter que parar por que tive uns problemas ultimamente e não posso continuar na faculdade. E você faz alguma faculdade?

— Infelizmente não, não tenho dinheiro para pagar a faculdade dos meus sonhos, o meu trabalho não paga muito bem.

— Qual a faculdade dos seus sonhos?

— Geriatria, gostaria muito de ajudar os velhinhos com Alzheimer, como a minha mãe.

— Sua mãe tem Alzheimer?

— Sim, está no começo ainda, ela não está tão mal, ainda está um pouco lúcida, mas tende a piorar, e cada vez mais rápido, ela não é tão velha, não entendo porque ela tem isso. — Depois dessa declaração do Park, acabo sentindo um pouco de pena dele, perder os pais não é legal, é horrível, eu perdi meus pais de uma vez só, não tive que vê-los definhar, ele está vendo a mãe dele definhar e isso deve causar muita dor à ele. — E a sua mãe? E o seu pai? Como eles estão?

— Mortos. — Falo curto e grosso, fazendo com que o mesmo arregale os olhos e fique constrangido.

— Oh, me perdoe, eu não sabia, eu não...

— Tá tudo bem, eu já me acostumei a ficar sem eles, a gente se acostuma com a dor depois de um tempo...

— Eu sinto muito.

— Obrigado.

Terminamos de comer em silêncio, Jimin vai pegar alguma coisa em seu quarto e eu vou ao banheiro. Minha mão se rebela novamente, começa a fuçar nas coisas do banheiro, droga, tento segura-la mas não consigo, saio do banheiro correndo, e algumas coisas caem no meio disso, mas não ligo, vou correndo para casa, não me importo com o que o Park vai pensar por eu ter saído sem avisar, eu não gosto dele mesmo.

Entro em casa e corro para meu quarto, eu não aguento mais isso, essa mão dos infernos, por que isso aconteceu comigo? Eu já perdi os meus pais, isso não bastou? Será que eu fui tão ruim assim na minha vida passada para merecer tudo isso?

Agarro meu travesseiro e me afundo na cama, eu não quero isso para mim. Eu preciso de ajuda, se precisar eu corto a minha mão fora, mas não quero continuar assim.


SMA - Síndrome da mão alheia [Jikook]Onde histórias criam vida. Descubra agora