Parte III.
A velocidade de seus pés acompanhava a de seus pensamentos. Suas preocupações o perturbavam tanto quanto o vento batendo contra os olhos. Mas era preciso correr. Maurício perdera seu carro de corrida no tiroteio, não conseguiria escapar de lá dirigindo. Agora ele corria pelas ruas apertadas do gueto carioca em direção à garagem onde guardava seu carro de passeio. Como a garagem era distante do local onde a corrida acontecia ele precisou correr bastante, saltando muros e desviando de cães raivosos, pegando atalhos que o levassem mais rápido ainda ao destino. A escuridão do gueto era sua aliada. Naqueles bairros menos favorecidos não havia câmeras de segurança, e os drones brilhantes da polícia poderiam ser vistos de longe. Logo Ray Bolt estava longe demais da luz dos letreiros ou dos giroflex vermelhos da polícia.
Ao alcançar seu destino Ray Bolt tocou a parede da garagem com a ponta de seus dedos, fazendo com que suas digitais liberassem o caminho. O grande portão metálico suspendeu, dando passagem para Maurício ver seu carro antigo, porém restaurado. Um Bugatti Veyron ano 2070. Uma relíquia de colecionadores. Logo as avenidas da cidade receberam os pneus apressados daquele Bugatti. Ray teve fé de que sua fuga do tiroteio fora bem-sucedida, sem ter sido perfilado. E de fato conseguira mesmo. Seu carro, de cor preta, tinha os vidros de cor semelhante e placas decodificadas para enganar as câmeras de segurança: cortesia de seu amigo hacker. O Veyron cortou o bairro em cinco minutos, e logo estava longe demais do tiroteio. Mas não longe da polícia. Ao olhar pelo espelho retrovisor ele fitou dois veículos da CopCorp sobrevoando a avenida. Não teve outra opção, se não, acelerar o máximo que pôde. Aquele carro não era tão poderoso quanto o de corrida, mesmo assim deveria ser o suficiente para escapar. Ray pisou o mais fundo que pôde no acelerador. Sentiu o volante do carro tremer em suas mãos. Acelerou até que não houvesse mais marchas para passar. Acelerou até despistar a polícia. Acelerou até se chocar contra outro veículo.
Ray perdeu a noção do tempo e do espaço. Não teve tempo de ver o que o atingiu. Estava tão focado em escapar da polícia, tão focado no que o perseguia atrás, que não pensou em olhar para os lados no cruzamento. Maurício estava tonto, desnorteado. Ao abrir os olhos fitou o painel de seu carro manchado de vermelho. A visão estava embaçada, turva. Logo seus olhos se fecharam novamente.
...
Ao acordar olhou para os lados, mas não viu carro algum, apenas seu veículo completamente amassado nas laterais. Mesmo visto por dentro era perceptível os danos que o veículo sofrera. Maurício tentou sair do banco, mas estava preso no sinto. Fez força para se soltar, mas acabou sentindo uma forte pressão na cabeça. O mundo começou a girar. A visão começou a escurecer. Desmaiou novamente.
...
Sentiu mãos tocando em seus pés. Ainda não conseguiu abrir os olhos, mas sentiu suas costas raspando contra o chão. Estava sendo arrastado. Mesmo que ainda estivesse desnorteado, de certa forma ficou aliviado por ter sido resgatado do acidente. Seu alívio o deu forças para abrir os olhos. Fitou homens em vestes religiosas, longos vestidos brancos com alguns detalhes em listras roxas.
- Baita sorte a nossa o Enzo ter batido no seu carro, cara - disse um dos religiosos enquanto arrastava Ray pelas pernas. - Assim que ele te viu não pensou nem duas vezes.
- Ligou pra gente na hora, aí viemos resgatar ele - disse outro. Talvez houvessem mais, Ray não saberia dizer. - E de brinde achamos você aqui! - Deu uma risada feliz.
Maurício estava com a cabeça colada ao chão vendo as estradas maglev no teto da cidade. Via os andares superiores onde viviam os ricos. Um lugar bem iluminado, com praças seguras para as crianças brincarem, lanchonetes limpas e escolas adequadas. Completamente o oposto de quem vivia onde Maurício morava. No chão do mundo. Enquanto estava sendo arrastado ele conseguiu observar a fachada de um edifício escrito "Igreja dos Templários da Salvação" em luzes neon. E era justamente para essa igreja onde levaram o mutante carioca.
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Contos De Um Futuro Eterno
Ciencia Ficción"A religião do futuro será cósmica e transcenderá um Deus pessoal, evitando os dogmas e a teologia." - Albert Einstein. --- || --- Sinopse: Esta é uma coletânea de contos ambientados em um cenário futurístico, em geral Cyberpunk. Aqui você encon...