Especial de Natal: Krampus

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Krampus



Era véspera de Natal. A mesa estava pronta, ceia farta, enfeites aqui e ali pela sala de jantar. Luzes neon em cor verde iluminavam a decoração branca da casa. "Nossa cor jamais será vermelha", diria o pai. A família, como bons cristãos, se reuniram para jantar naquele dia 24. A mãe trouxe o Chester assado à mesa. O pai trouxe o vinho, mas apenas os adultos beberiam. Seus dois filhos, ainda crianças, sentaram-se à mesa salivando ao ver as sobremesas. Logo todos estavam sentados, saboreando a comida enquanto olhavam fixamente para seus celulares.

Enquanto a luz dos aparelhos brilhava em seus rostos, o pai começou a comentar as notícias que recebia em suas redes sociais:

— Vocês viram a ação policial na reserva indígena?

— Não — a mãe respondeu. — O que houve?

— A polícia invadiu a última reserva do país. Já chegou descendo o cacete naquele bando de animais.

— Tem que acabar com essa mamata mesmo — disse a mãe, entre uma garfada e outra.

— Sabem quanto o governo paga pra esses palhaços viverem por aí batendo cabeça? — o pai perguntou aos seus dois filhos. — Milhões! Do nosso bolso! Gastam nosso dinheiro pra cuidar de gente atrasada. Vê se pode uma coisa dessas...

— Mamãe — o filho mais velho chamou sua atenção. — Índios comemoram o Natal?

— Claro que não, filho. São hereges. Não receberam a mesma educação que a gente.

— E por que não? — o filho perguntou.

— Filho — o pai interveio. Deixou os talheres ao lado do prato, limpou sua boca, então começou. — Durante anos o governo usou dinheiro público pra "proteger esses índios" — fez aspas com as mãos. — Esse "proteger" significa impedir que eles recebam educação. Não querem que eles se adaptem às novas tecnologias.

— E por que fariam isso? — Caio, o filho mais novo, perguntou.

— Eleição, filho — a mãe respondeu. — é tudo uma questão de votos. Quanto mais burros, mais fáceis de seres manipulados.

— Não acho que seja bem isso — Caio viu seu pai exibir desaprovação no semblante.

— Amor, deixa isso pra lá — disse o pai, com comida na boca. — Ele é muito novo, ainda não entende dessas coisas.

— Outro dia eu estava lendo sobre liberdade — disse Caio. — E acho que os índios merecem o direito de escolher sobre sua vida. Quer dizer... a gente já nasce aqui na tecnologia. Mas eles não. Então acho que eles deveriam ter o direito de escolher vir pro nosso mundo, ou não. Tipo, muitos deles escolhem vir pra cá. Mas outros não. Qual o problema de deixar eles lá? Foi a escolha deles.

— Filho, aquelas terras são produtivas! — o pai elevou o tom de voz. — Terras que poderiam ser usadas pra derrubar árvores e construir madeira! Dá pra fazer shoppings lá! Dá pra construir prédios lá! Pelo amor de Deus, Caio! Imagine quantas frutas ou legumes não poderiam ser plantados lá! Ou mesmo quantos animais poderiam ser criados! Animais de verdades, não essas porcarias artificiais de hoje em dia.

— Eu ainda acho que eles não merecem perder suas terras — deu uma garfada. Então continuou. — Tipo... e se fizessem isso com a gente? E se tirassem a gente de casa dessa forma tão agressiva?

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