Entre robôs carregando bagagens e pessoas apressadas, lá estava a família Leonor na rodoviária. Augusto, pai de Jonas, estava sentado em um banco ao lado do filho esperando pela esposa chegar de viagem. Olhando sem parar para o relógio, ele batia os pés no chão esperando a hora dela chegar. No entanto, ainda faltava meia hora. Só não reclamava pois tinha uma ótima distração vinda dos televisores holográficos: a prisão do ex Primeiro Ministro.
- Graças a Deus esse desgraçado vai ser preso – Augusto comentou.
- Por que ele vai ser preso, pai? – perguntou Jonas, vendo na TV a Polícia Federal sobrevoar a mansão do político com carros voadores.
- Esse homem roubou muito dinheiro do governo, filho. Um homem horrível. Corrupto!
Havia uma multidão ao redor da mansão do ex Primeiro Ministro. A jornalista comentava a guerra civil que poderia acontecer caso a PF não surgisse para interver. Havia aqueles que apoiavam o político, e havia aqueles que não queria apenas a prisão, mas a sua morte. A polícia usava barricadas para separar os manifestantes. Todos à espera do ex Primeiro Ministro deixar sua mansão e se entregar.
- Mas não é o povo quem vota no Primeiro Ministro? – Jonas perguntou.
- Sim, filho – o pai buscou palavras. – Olha, às vezes o povo é enganado. Às vezes não, quase sempre. Acontece que durante a campanha política a gente nunca sabe quem são esses homens. Só durante o mandato. E é aí que vemos a merda que fizemos ao colocar eles lá no poder.
O filho não disse mais nada, apenas permaneceu assistindo o noticiário. Até que surgisse um idoso carregando sua pesada bagagem. Em geral as pessoas usavam malas de levitação gravitacional; não importava o peso, eram fáceis de carregar. Os mais ricos podiam pagar por robôs de carga. Aquele idoso não possuía nenhum dos dois. Usava malas de rodinha, de tecido quase se rasgando e de uma cor desbotada.
- Olá, meus jovens – o idoso se aproximou da família Leonor. – Vocês poderiam me dar uma mãozinha, por gentileza?
- Mas é claro! – o pai se ergueu pronto para ajudá-lo. Não era preciso especificar a ajuda que queria, já que era evidente o esforço do idoso para arrastar suas duas malas. Quando Augusto pegou uma delas sentiu o enorme peso. – O que traz aqui?
- Ah, muitas bugigangas, coisa de velho – o idoso riu. – Obrigado pela ajuda, meus jovens.
Jonas pegou a outra mala, então ambos as carregaram, seguindo o corredor em direção ao ônibus.
- Uma pouca vergonha o que esse homem fez, não acham? – o idoso falava do ex Primeiro Ministro.
- Ah, com certeza – respondeu Augusto. – Um ladrão.
- Não só isso. Eu me lembro quando esse homem era o Primeiro Ministro. Eu vivi em todos os mandatos dele. Sei como nossa nação era antes, sei como foi durante seu mandato, e sei como ficou depois. E eu posso dizer com razão: esse homem afundou nossa nação.
- Isso tudo só roubando? – perguntou Jonas curioso.
- Não só roubando – respondeu o idoso. – Ele tomou atitudes muito erradas. Ajudou facções criminosas, organizações terroristas, países ditatoriais, abrigou refugiados de países em crise, acabou com os empregos de nossa nação... nos destruiu! Um homem sem nenhum tipo de respeito, entende?
- O senhor viu bastante coisa, pelo visto – disse o garoto impressionado com o idoso.
- Com certeza, meu jovem, com certeza. Eu vivi a miséria que esse homem causou. Vivi em extrema pobreza. Mas graças à Deus ele saiu do poder fazem muitos anos. E eu pude criar meus filhos e ver eles crescendo, ficando ricos e felizes!
- Olha só, mas que maravilha! – Augusto ficou feliz. – E onde estão seus filhos agora?
- Bem longe daqui... – o idoso abaixou a cabeça. – Bem... é que... eles não ligam mais pra mim, sabe... Sou só um velho com pensamentos ultrapassados, entende?
- Eles te abandonaram? – o garoto arregalou os olhos.
- É, aconteceu, pois é. Não faça isso com o seu pai, hein – o velho brincou. Possuía um sorriso no rosto, mas também uma lágrima escorrendo pelo olho. – Eu sofri demais pra sair da miséria. Sofri demais pra criar aqueles garotos. E no final... eles me deixaram. Me abandonaram aqui nesta nação imunda! – Puxou um lenço para secar os olhos.
- Eu sinto muito... – Augusto não tinha palavras naquele momento.
- Estou indo visitar eles agora. Não sei se vão me receber, mas tenho esperança – o idoso voltou a sorrir. – É tudo o que posso ter agora, não acham? De que adianta o dinheiro se não tenho minha família? Tudo o que tenho é a esperança de poder rever meus filhos e netos.
O corredor chegou ao fim, então alcançaram o terminal da rodoviária. Havia uma fila para entrar no ônibus. Um robô guardava as bagagens de cada um dos passageiros enquanto eles entravam no veículo. Logo chegou a vez do velho entregar suas pesadas malas ao robô. A máquina pareceu fazer mais esforço que o comum. Assim que suas malas foram postas no ônibus o velho virou-se para a família Leonor.
- Muito obrigado, de verdade. E me desculpem pelo desabafo.
- Ah, não se preocupe – disse Augusto Leonor. – Boa viagem! E boa sorte com os filhos!
Pai e filho viram o idoso entrar no ônibus, então deram meia volta e foram em direção à um dos bancos. Assim que sentaram viram na TV que o ex Primeiro Ministro estava deixando sua mansão. A multidão abria espaço, como se ele fosse Moisés abrindo o mar vermelho. Logo uma chuva de ovos caiu sobre ele, sujando seu rosto e seu terno preto. Se a ideia do político era caminhar elegante até a viatura da polícia, os ovos estragaram seus planos. Flashes de fotos brilhavam para todo o lado. A multidão gritava, e a polícia o aguardava. Mas algo inesperado aconteceu.
Não na TV, mas ali na rodoviária. Viaturas da Polícia Federal estacionaram na frente e atrás do ônibus, o impedindo de sair. Os Leonor se assustaram com o barulho dos pneus derrapando no chão antes da parada brusca. Os policiais, trajados com armaduras de kevlar preto, traziam em mãos seus fuzis e um mandado de prisão. Logo um deles adentrou no ônibus.
- Pai, o que tá acontecendo?
Augusto apenas se colocou na frente do filho, o protegendo de seja lá o que pudesse acontecer. Ambos ficaram atentos, olhando para o ônibus. Outro policial, com a ajuda do robô, removeu as malas do ônibus e as abriu, exibindo uma dezena de pistolas e alguns fuzis com uma quantidade enorme de munição. O garoto olhou para a televisão e viu o ex Primeiro Ministro, algemado, sendo levado à viatura para ser preso. O pai olhou para o ônibus e viu o idoso, algemado, sendo levado à viatura para ser preso.
Parece que o povo daquela nação está acostumado a cair no papo de gente carismática.
Conto inspirado na notícia "Polícia prende 'Vovô do Crime' com armamento de facções criminosas em SP". -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Nota do Autor:
Olá, leitores! Tudo bem?
Acharam que eu ia falar do Lula, né? kkkk
Esse conto surgiu quando eu pensei sobre como o carisma das pessoas nos cria ilusões sobre elas. Especialmente quando se fala de políticos.
Espero que tenham gostando. Deixem seu voto e um comentário com críticas ou sugestões.
Muito obrigado, e até semana que vem com um novo conto! :D
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Contos De Um Futuro Eterno
Ciencia Ficción"A religião do futuro será cósmica e transcenderá um Deus pessoal, evitando os dogmas e a teologia." - Albert Einstein. --- || --- Sinopse: Esta é uma coletânea de contos ambientados em um cenário futurístico, em geral Cyberpunk. Aqui você encon...