Capítulo I: And then you

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"Você pode ficar quieto o quanto quiser, mas algum dia desses, alguém vai te encontrar."
Haruki Murakami

Cada um dos presentes, jogou a sua pá de terra sobre o caixão, enquanto o Padre Alfonso Herrera terminava de recitar uma oração em Latim. Ele se fora... Quando Alfonso imaginava como seria atuar em uma paróquia grande, jamais tinha cogitado a hipótese de vir a ocupar o lugar que tinha sido até então de um dos maiores professores que tivera em seu período como seminarista.

— Ele era um bom homem, um homem de fé e conduta inquestionável, cuja vida foi dedicada a essa comunidade. Seu legado é o da caridade e do amor ao próximo. Que ele descanse em paz até o juízo final. Amém. – recitou Alfonso, finalizando com o sinal da cruz, enquanto os presentes repetiam a última palavra.

Ele se preparava para sair dali, – afinal o que mais poderia fazer? – quando uma senhora se posicionou em sua frente. A mulher chorava compulsivamente, levando um lenço ao rosto que estava vermelho e inchado. O padre Jordan era muito querido por todos em Boston, Massachusetts.

— Padre... – a senhora parecia vasculhar a memória a procura do nome do novato.

— Padre Alfonso. – ele sorriu solicito.

— Padre Alfonso... é certo que é o senhor que vai assumir o comando da Trinity Church agora que nosso querido Padre Jordan... nos deixou?

Nos deixou? Aquele era o eufemismo do século. Alfonso recebera o telefonema logo pela manhã no dia anterior e fora o suficiente pra que ele não comesse mais nada no resto do dia. Era incompreensível. Ele estava enojado. As palavras terríveis que escutara do outro lado da linha ainda soavam em sua memória.

Padre Jordan está morto... foi assassinado por trombadinhas... dois deles, que assaltaram a diocese nessa madrugada.

Como algo assim podia ter acontecido? Jordan Williams não era apenas uma padre, ele era um dos melhores amigos que Alfonso tinha e o mais devoto dos homens. Se Deus existia mesmo, por que ele abandonava aqueles que mais necessitavam dele? Aqueles que mais se empenhavam em espalhar sua palavra e executar sua obra na Terra?

— Eu fui chamado pra isso, pelo menos. – ele assentiu. — Entendo o seu sentimento nesse momento. O padre Jordan foi o meu maior mentor espiritual. Estou profundamente triste com o que aconteceu, mas sei que ele gostaria que seguíssemos em frente. Como pessoas, como membros da mesma igreja.

A mulher o abraçou de repente, tomando-o de surpresa.

— Ele era um homem tão... bom! – ela chorava copiosamente sobre a batina de Alfonso.

O dia seguiu mais ou menos do mesmo jeito, Alfonso consolou cada membro da paróquia que se sentia revoltado ou apenas triste pela morte súbita do querido padre e também ajeitou alguns documentos na escritório que pertencia a Jordan até dois dias atrás. Pertencer talvez não fosse o termo mais apropriado... como o próprio padre lhe ensinara uma vez, "nada temos além da nossa voz, do nosso coração, desse pequeno sopro de vida...". Alfonso compreendia que tudo na vida era passageiro, Carpe Diem, e que Padre Jordan ocupava um cargo, nada mais. Cargo que agora seria dele. No entanto, quem mais precisava de conforto, percebeu, era ele mesmo. Desde que tivera a notícia do assassinato do amigo, sua fé parecia dobrar-se e duvidar de si mesma. Que justiça divina era aquela que tirava um homem como Jordan da terra e deixava tantos marginais, corruptos e assassinos a solta?

O jovem padre de apenas 28 anos estava exausto, pra dizer o mínimo. O vôo direto do Novo México para Massachusetts no dia anterior tinha sido cansativo o suficiente, mas nada superava o cansaço psicológico de um funeral marcado pela dor e pela impunidade, como aquele havia sido. Por sorte, a Igreja tinha providenciado um apartamento em Back Bay, um dos únicos bairros que ele conhecia em Boston e logo, ele estaria dormindo em uma cama confortável e não no banco do avião.

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