DARK PARADISE

Capítulo XXVII: Crossroads

"Eu adquiri o hábito de gostar de você"
F. Scott Fitzgerald

Anahí terminou a tela na qual estava trabalhando, deixou os pincéis de lado e limpando as mãos sujas no avental, se afastou admirando o resultado de seu esforço nas últimas semanas. Ela tinha pintado a vista de um mirante que havia em sua cidade natal em Minnesota. Era seu lugar favorito na pequena cidade e como ficava próximo a sua escola, Anahí conseguia chegar até lá de bicicleta. Era seu refúgio quando a situação em casa com seu padrasto se tornava difícil de suportar ou quando ela se sentia sem rumo, precisando tomar decisões complicadas. Era o último lugar onde pisara antes de deixar sua velha vida para trás.

— O que acha? – sua professora, Madame Tussley, uma mulher elegante e amável de não mais que cinquenta anos, com cabelos ruivos e curtos, perguntou, analisando o quadro sob seus óculos de aro dourado. — Está finalizado ou ainda precisa acertar alguma coisa?

Anahí sorriu, tentando transmitir confiança. Era óbvio que uma voz no seu interior sempre dizia que faltava algo em suas telas e desenhos. Ela sabia que tinha se esforçado, mas ainda julgava que tudo o que fazia não era bom o suficiente, que havia milhares de pintores melhores do que ela lá fora.

— Pra ser sincera, eu não sei...

Os lábios da professora de pintura se contraíram em uma linha fina. Como se já esperasse por aquela resposta, ela guiou Anahí até um grande espelho que ocupava toda a parede oposta. Com as mãos nos ombros da aluna, ela disse:

— Diga-me o que você vê, senhorita Portilla.

Anahí piscou, nervosa. Ela não entendia o que sua professora queria com aquilo. Olhando seu reflexo, ela notou que suas bochechas tinham um leve tom cor de rosa pelo esforço repetitivo, seus braços e mãos carregavam várias cores, como se fossem a própria paleta de tinta, seus cabelos estavam presos, mas alguns fios rebeldes saíam do prendedor de cabelo e seu avental estava ainda mais sujo.

— Eu vejo uma pessoa tentando encontrar seu lugar no mundo.

— Acha que a pintura te ajuda? – quis saber a professora, ainda a encarando através do espelho.

Anahí suspirou profundamente. Antes, ela diria que sim, mas a cada dia que passava na escola de artes, percebia o talento inquestionável dos outros artistas, seus colegas, mas os quais ela não podia evitar ver como oponentes numa guerra que nem ela sabia qual era o objetivo.

— Eu não sei se sou boa o bastante. Todo dia eu me pergunto se vale a pena continuar.

Madame Tussley assentiu.

— Sabe o que eu vejo, Anahí? Eu vejo uma jovem determinada, focada e com mais dons do que ela acha que possuí, vejo alguém que não tem motivo algum para se comparar a ninguém porque está em outro nível e deveria saber disso. As pessoas da nossa academia te olham como uma referência e não como alguém inferior. Vejo dois olhos brilhando com uma luz tão intensa que pode cegar e vejo duas mãos capazes de criar sonhos e tornar desejos em realidade. É isso que você é. Talvez você não se veja assim ainda e pode ser que levem anos até que seu processo de cura interior te permita ver essa luz que você carrega, mas eu não desisto das pessoas quando enxergo seu potencial.

Anahí não conseguiu assimilar o que a professora dizia. As palavras pareciam flutuar ao seu redor, sem que realmente pudesse absorvê-las.

— Sra Tussley, eu...

— Me escute por um momento. – A professora fez um gesto com a mão, silenciando-a novamente. — Lembre-se de Van Gogh, minha querida. Nunca reconhecido em vida, morrendo sozinho, miserável e sem reconhecimento. Um homem solitário e triste pintou as mais belas telas que a humanidade conheceu. Ele tinha tanta beleza a oferecer que eu não acho que as pessoas estivessem prontas para o que ele trazia consigo. Você tem algo especial, Anahí. Algo raro, distinto e único. Impossível de se reproduzir, porque é uma coisa que vem de dentro de você.