DARK PARADISE

Capítulo XXIX: Last hour

"O quão belo é encontrar um coração que te ama, sem pedir nada em troca, exceto que você esteja bem" 

Khalil Gibran

Alfonso desafrouxava a gravata e tornava a apertá-la pela décima vez na última hora. Suas mãos suavam sobre seu colo e cada vez que encarava o relógio de parede, seu nervosismo parecia aumentar, ameaçando consumi-lo.

Seu advogado prometera que sua defesa era forte e que com o acréscimo do depoimento de Maria Fernanda, a corte poderia ser convencida a seu favor, mas Alfonso não estava tão certo disso. Em seu íntimo sentia-se esperando por um milagre, ou por um Deus Ex Machina, como os professores de teologia costumam chamar alguns acontecimentos fantásticos e inesperados que aparecem para interromper uma cadeia de eventos, dando novo curso para uma história.

— Nossa testemunha chegou. – seu advogado avisou, apertando seus ombros, enquanto se esgueirava pelo corredor de bancos. — Vou acertar os detalhes de seu depoimento.

Alfonso assentiu com a cabeça, antes de buscar Maria Fernanda com o olhar. Ela estava entrando no tribunal, acompanhada do marido, que tinha um braço protetor ao redor de sua cintura. Sob a luz das revelações da moça, Alfonso pensou no julgamento equivocado que fizera sobre a índole do homem ao seu lado. O que julgou como posse, era apenas proteção. Só Deus sabia o que ela realmente tinha passado todos aqueles anos trabalhando nas noites, e depois se envolvendo com um sujeito como Derrick. Ele tinha motivos para temer por sua esposa. Felizmente, alguns equívocos se resolviam a tempo. Alfonso esperava que o terrível equívoco de ser acusado pelo assassinato de um amigo e todos os outros crimes que se seguiram a ele, fosse resolvido também.

Após voltar de sua conversa com Maria Fernanda, o advogado e sua equipe tomaram seu lugar. Ele trocou um olhar de conforto com Alfonso, um olhar que dizia "Esteja preparado" e esperou o juiz começar.

Aquele era um julgamento aberto, então antes que o juiz desse início aos trabalhos, pessoas foram entrando para assistir. Assim que as pessoas que comporiam o júri popular se instalaram em seus lugares, o juiz tomou a palavra.

A visão de Alfonso virou um túnel. Ele tentava focar ao máximo no juiz a sua frente. Tinha medo de desmoronar. Mesmo quando sua mãe faleceu, quando pela primeira vez se sentiu sozinho no mundo, sempre procurou enxergar uma luz no fim da estrada. Sempre foi forte. Mas a cada minuto que se passava, sua força parecia se esvair mais e mais. Ele não sabia como chegaria ao final do julgamento sem desabar como uma torre de cartas que foi sustentada por um poder desconhecido que simplesmente resolveu ir embora, abrir as janelas e deixar o vento soprar forte, arrasando tudo em seu caminho.

O promotor já tinha apresentado a acusação e a defesa já tinha dado sua réplica, quando Alfonso foi chamado a fazer o juramento e dar seu depoimento. As palavras que saíam de sua boca eram tão robóticas e ensaiadas que pareciam pertencer a outra pessoa. Alfonso comprometeu-se em dizer apenas a verdade, sob pena de obstrução à justiça e perjuro. Ele não mentiria mesmo que pudesse fazê-lo. Ele era um padre, afinal. Ou tinha sido. Aquilo já não importava.

— O réu afirma que assumiu o posto que pertencia a Jordan Williams na Trinity Church, isso é verdade? – o promotor perguntou, encarando Alfonso como se encara a um animal selvagem.

— Sim. É verdade. – disse Alfonso, procurando manter a calma. — Fui chamado para assumir a paróquia, assim que recebi a notícia de que Jordan tinha sido assassinado.

O promotor sorriu e abriu os braços na direção do público, Alfonso seguiu o gesto sem compreender. Só então, quando as pessoas começaram a fazer uma balbúrdia de repente, ele percebeu do que aquilo se tratava. Era um show. O promotor queria a cabeça de alguém. Pouco importava se era de um assassino a sangue frio ou de um homem inocente.