"Eu penso, penso e meus pensamentos estão todos doentes, e minha cabeça está doente"
Fyodor DostoevskyA semana seguinte ao natal ocorreu sem grandes eventos.
Maisie quase nunca estava em casa, sempre ocupada com o enxoval do seu casamento, o que deixava Anahí secretamente aliviada. Ela não precisava de nenhum tipo de conflito naquele momento, principalmente com sua irmã.
O curso de artes plásticas estava indo de vento em polpa e naquele dia, como de costume, seu pai passaria para buscá-la. Tornara-se uma rotina para ela passar uma parte das tardes ao lado de Enrique. Os dois visitavam museus, galerias de arte e pinacotecas, nas quais Anahí tinha a oportunidade de mostrar o que aprendera em suas aulas; depois eles costumavam parar em algum Café, antes se ir para casa.
Ela não podia negar que a presença de Enrique a deixava feliz como nunca estivera antes, talvez apenas enquanto sua mãe era viva, mas por algum motivo, ela ainda não conseguia chamá-lo de pai. Era nítida a frustração de Enrique cada vez que tinha a esperança de que a filha finalmente o reconhecesse como seu pai, mas ele se consolava no fato de que ela não o estava rechaçando completamente.
Anahí arrumou a alça da bolsa no ombro, antes de atravessar o cruzamento. Ela esperaria Enrique numa praça que ficava a duas quadras dali. Qual não foi sua surpresa quando viu uma figura conhecida caminhando em sua direção?
— Por que eu ainda me surpreendo... – murmurou mais para si mesma do que para ele.
Alfonso parou na frente dela, com as mãos no bolso da calça jeans desgastada. Anahí absorveu a figura fascinante do homem a sua frente... os olhos esverdeados cintilando, a barba recém feita. Era impossível não se apaixonar por ele, ela tinha que ser forte ou botaria tudo a perder.
— Oi! Como você está? – diante do silêncio dela, Alfonso continuou. — Eu estou bem. Um pouco gripado, mas vai passar...
Anahí revirou os olhos, cruzando os braços.
– O que faz aqui, Alfonso? Onde está sua batina?
Ela não estava para brincadeiras. Melhor saber o que dizer, Alfonso.
— Na lavanderia. Acabei de deixar lá. – optou pela franqueza, mas Anahí sorriu com ironia e começou a andar. — Annie... não vá, por favor.
A mão grande dele envolveu o pulso estreito dela e ela parou na metade de um passo, soltando um suspiro profundo.
— Se você vai continuar tirando uma com a minha cara, eu prefiro ir embora!
— Desculpa, foi uma piada boba. – ele admitiu, passando as mãos pelos cabelos, bagunçando-os um pouco. — Eu sou tão idiota!
Anahí relaxou ao ouvir aquilo e riu um pouco, o ar que saía de sua boca formando fumaça com o frio de dezembro. Ela fechou o último botão do sobretudo caramelo e o encarou, novamente séria.
— Sim. Você é.
Foi a vez de Alfonso rir. Ele sentia falta disso. Sentia falta dela.
— Eu te vi na aula. – ele confidenciou depois de um momento de silêncio. — Você parecia tão focada. Eu nunca tinha te visto assim antes, tão calma, tão em paz... eu venho sempre que posso e fico te assistindo.
Anahí abriu a boca de forma caricata. Alfonso esteve acompanhando suas aulas e ela nunca o tinha visto?
— Era o que me faltava! Você virar um stalker!
— Te pago um café? – ele deu de ombros.
Ela ponderou por um momento, antes de assentir.
— Eu tenho um hora até meu pai vir me buscar. Mas você sabe que entre nós...
— Não vai acontecer nada. Eu sei. Mas eu falei sério na mensagem sobre querer ser seu amigo. Eu me preocupo com você, Annie. Muito.
Uma leve onda de calor subiu pelo rosto de Anahí, mas ela ignorou o que sentia e sorriu para Alfonso, antes dos dois retomarem o caminho até o Café mais próximo.
~ * ~
Alfonso colocou a jaqueta de couro sobre os ombros e se atrapalhou com as chaves na hora de trancar a sacristia. Ele estava positivamente nervoso. Logo após ter se despedido de Anahí, pouco antes do pai dela chegar, ele recebeu uma mensagem alarmante em seu celular. Era Candy. Ou melhor, Dulce, a dançarina da boate Lure e ela alegava ter informações novas sobre o assassinato de Jordan Williams. Eles marcaram de se encontrar depois da missa que Alfonso deveria celebrar naquela noite e quando Dulce terminasse o seu turno na boate.
— Meu caro, amigo. – a voz melodiosa de Ben soou atrás de Alfonso. O homem mais velho tinha uma garrafa de uísque em uma mão e um livro com aspecto antigo na outra. — O que acha de uma boa bebida e um pouco das ideias de Maquiavel?
— Eu adoraria, mas estou prestes a receber uma pista sobre o Caso Jordan e minha intuição diz que ela é valiosa.
O semblante de Ben ficou sério de repente.
— Achei que você já tinha quebrado essa noz.
— Como?
– O proprietário da lanchonete. – Ben disse como se fosse óbvio. — Velasco, se não estou enganado.
Alfonso franziu as sobrancelhas, guardando as chaves no bolso da calça. Ele não se lembrava de ter mencionado o nome de Velasco com seu amigo.
— Eu te contei sobre isso?
— Assim que chegou do Vaticano. – o religioso sorriu. — Você mencionou que algum bispo te contou sobre os negócios escusos do pacato comerciante.
— Esses dias tem sido insanos. – Alfonso coçou os olhos com as costas das mãos, um péssimo hábito, que denotava seu cansaço extremo. — Eu nem me lembrava de termos conversado sobre isso.
— Você precisa descansar, meu caro. – Ben repousou uma mão no ombro de Alfonso. — Sei que Maquiavel pode ser um pouco pesado para você nesse momento, mas creio que uma boa noite de sono te fará muito bem. Seja qual for a tal pista valiosa, ela pode esperar até amanhã.
Alfonso sentiu os músculos de seu corpo começaram a ceder. Ele estava realmente cansado. Cada fibra de seu corpo testemunhava isso.
— Você provavelmente tem razão. Como sempre.
Ben sorriu, apontando com as duas mãos para cima.
— Deus fala por mim tanto quanto por você. Nunca duvide disso.
— Eu não ousaria!
Ben acompanhou Alfonso até o táxi que o esperava e o assistiu o carro sumir pelas ruas escuras de Boston. Só quando o perdeu de vista, sacou o celular do bolso, apertou um único número e disse calma e articuladamente:
— Que bom que atendeu na hora. Eu tenho um serviço para você. Você vai precisar anotar um endereço.
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DARK PARADISE
FanfictionQuando Alfonso Herrera viu Anahí Portilla pela primeira vez, ele soube que ela seria um problema. Por favor, a jovem tinha "problema" escrito em um letreiro neon sobre sua cabeça... ...Ainda assim ele aceitou o desafio que seria ajudá-la com seu ví...