"Talvez eu seja o pecador e você, a santa."
O silêncio reinava no pequeno espaço que separava Alfonso e Ben. Os olhos dos dois se encontraram e por uma fração de segundo, Alfonso julgou ter visto seu velho amigo naqueles olhos azuis pálidos e severos. A ilusão se desfez, quando Ben Daniels começou a falar:
— Vim para me despedir. Embarco para Roma no primeiro vôo amanhã. – Ben encarava as próprias mãos. — Fui convidado a ser Cardeal e assistir a Sua Santidade, o Papa, pessoalmente.
Alfonso deu as costas ao velho amigo.
— Boa viagem.
— Isso é tudo?
— O que quer que eu diga? – a fúria discreta que incendiava o coração de Alfonso entrou em ebulição, seus olhos faiscavam quando ele se virou para encarar Ben. — Sei que foi você que me incriminou. O que mais você fez, Ben? Matou Dulce? Jordan? Ou está trabalhando a mando de alguém?
Ben soltou uma risada cheia de ar.
— Vamos com calma, padre. São acusações graves.
— Mas foi você! – o tom de voz de Alfonso era alto e intrépido. — Como fui estúpido! Esse tempo todo... eu achei que o assassino de Jordan quisesse a Trinity Church, logo não poderia ser você, porque você jamais quis esse posto. Mas seus olhos estavam em Roma! Eu lembro de ter ouvido que Jordan estava sendo requisitado para ser Cardeal. Foi isso, não foi? Você ou algum capanga seu tirou a vida de Jordan para deixar o caminho limpo para você.
— Eram boatos. Não posso ser acusado com base em boatos.
— Seu desgraçado!
— Fui indicado pelo alto clero...
Alfonso interrompeu, o sangue fervia em suas veias e suas têmporas latejavam.
— Claro! Os malditos que estavam naquele esquema de prostituição de menores na Lure! Eles tinham algo a esconder e você através de Jordan descobriu o segredo deles. Eles te deviam um favor e você está cobrando. Agora tudo faz sentido. Você é doente!
Ben sorriu. Os lábios exibindo uma curvatura grotesca. Pensando bem, não dava para chamar aquela demonstração de escárnio de sorriso. Ele tinha ganhado a batalha, percebeu Alfonso. Não restava nada a fazer, exceto esperar pela justiça divina, já que a dos homens novamente se mostrava frágil e perversa.
— Você não tem provas.
— Se Dante estiver certo e existir um inferno, você vai apodrecer nele. – Alfonso cuspiu as palavras, o rosto se aproximando perigosamente de Ben através das grades. Era inútil. Ben estava livre e ele enjaulado como um animal. Fera ou não, atrás das grades ele não apresentava nenhuma ameaça ao clérigo.
— Te encontro lá. – Ben se afastou das grades, sem desviar o olhar de Alfonso. — Arrivederci, meu amigo.
~ * ~
Anahí equilibrou as duas canecas de chocolate quente fumegantes com cuidado enquanto subia as escadas e se dirigia ao escritório do pai. Ele trabalhava até altas horas mesmo durante a semana e ainda que sua esposa tentasse dissuadi-lo, aquilo era quase impossível.— Está ocupado? – perguntou Anahí, espiando pela porta. Enrique estava sentado ao computador, mas apenas lia algumas notícias.
— Para você? Nunca. – ele sinalizou para que ela se aproximasse. — Vejo que trouxe chocolate quente com canela.
Anahí soltou um sorriso, deixando as canecas na escrivaninha, antes de puxar uma cadeira para sentar-se ao lado do pai. Aquela tinha se tornado a tradição dos dois. Todas as noites, ela faria duas canecas de chocolate quente com canela e os dois conversariam sobre seus dias. Enrique contaria sobre seu trabalho, deixando-a a par até mesmo de alguns detalhes sobre autos dos processos de seus clientes que normalmente eram sigilosos. Anahí, por sua vez, mostraria seus portfólios e relataria seus avanços nas aulas de artes plásticas. Mas hoje, a conversa que ela queria ter era diferente de todas as anteriores.
— Preciso te pedir um enorme favor. Um que talvez me deixe em dívida com o senhor para o resto da vida.
Os nós dos dedos de Anahí estavam tão brancos quanto seu rosto preocupado. Seu pai colocou as mãos em seus ombros num gesto apaziguador.
— Hey, acalme-se, querida. Não há dívidas nessa família. Me peça o que quiser e se estiver no meu alcance, farei o possível para ajudá-la.
Ela assentiu, respirando fundo, antes de falar:
— Lembra do Padre Alfonso? Você o conheceu no Café há pouco tempo. Ele está com problemas.
— Que tipo de problemas?
— Problemas com a lei. Ele foi preso, acusado por dois homicídios.
Enrique afrouxou a gravata. Ainda estava com a roupa do trabalho. Embora apenas lecionasse, estava sempre vestido com elegância.
— E você quer que eu o ajude?
— Sim. – Anahí assentiu. — Devo muito a ele e me importo com ele.
— E ele é inocente?
— Com toda a certeza. – ela respondeu em uma batida de coração. Não havia dúvidas quanto a isso. Em seu íntimo, ela sabia que Alfonso jamais cometeria os crimes pelos quais foi acusado.
Seu pai levantou-se, esticando as pernas e passando as mãos pelos cabelos. Tornou a olhar a filha que o encarava com expectativa.
— Eu não trabalho na área criminalística em anos, mas posso contratar os serviços de um conhecido meu. Se seu amigo não tiver antecedentes criminais, podemos conseguir um habeas corpus. Ele vai, pelo menos, responder em liberdade, e depois preparamos sua defesa. Eu verei isso tudo amanhã...
O advogado mal concluíra a frase quando viu a filha envolver seu pescoço com seus braços, abraçando-o com força. Ela nunca tinha feito nada parecido.
— Obrigada. Muito obrigada. De verdade. Obrigada... Enrique.
Ele assistiu em silêncio a filha sair do quarto com lágrimas nos olhos. Ele tinha acabado de se comprometer em ajudá-la com um caso complicado e ela sequer conseguia chamá-lo de pai.
~ * ~
"O Paraíso Perdido" caiu num estrondo no chão frio da cela quando Alfonso ouviu a chave virar e o cadeado abrir.
— Padre? – a voz questionou, incerta.
— Não é tarde para visitas? – inquiriu Alfonso, os olhos claros se adaptando a luz repentina.
O carcereiro deu de ombros.
— Pode ficar feliz. Seu advogado conseguiu um habeas corpus e sua fiança foi paga. Você está livre para aguardar o julgamento em liberdade.
— Em não tenho um advogado e nem dinheiro para arcar com uma fiança...
Uma outra voz se fez notar e um sujeito alto e grisalho apareceu diante de Alfonso.
— Talvez não, rapaz. Mas tem amigos. – estendeu a mão em cumprimento. — Fui contratado para representá-lo na corte.
— Contratado por quem?
— O benfeitor prefere permanecer anônimo. Parece que você tem um anjo da guarda, padre.
Com um sorriso, ele deixou Alfonso arrumar suas coisas – que não eram muitas – para finalmente sair da prisão.
Ele estava livre e aquela era uma pequena vitória. Mas por que então, ele não conseguia sentir que aquele era o final dessa guerra?
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DARK PARADISE
FanfictionQuando Alfonso Herrera viu Anahí Portilla pela primeira vez, ele soube que ela seria um problema. Por favor, a jovem tinha "problema" escrito em um letreiro neon sobre sua cabeça... ...Ainda assim ele aceitou o desafio que seria ajudá-la com seu ví...