Capítulo 1

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Os papéis do divórcio estavam sobre a mesa. Aquele clima era terrível. Joana chegou com o advogado e viu um Rodrigo um pouco mais magro sentado à sua frente. Não se cumprimentaram. Há dois meses que só se falavam através de terceiros, para avisar dos protocolos necessários para dar andamento à separação.



Antes de assinar, Joana hesitou. Por um instante, olhou para Rodrigo e ele correspondeu rapidamente. Havia mágoa e tristeza ali, dos dois lados. Joana baixou a cabeça e assinou os papéis.



Acabou.



Joana e Rodrigo se conheceram ainda crianças na pequena cidade de Milonga, no interior do estado. Os pais eram amigos e os pequenos logo se aproximaram. Brincavam e iam juntos para a escola. Desde aquele tempo, era visível que tinham muita afinidade.



O namoro começou na festa de debutante de Joana. Rodrigo tinha a mesma idade e estava determinado a não ir. Ele tinha certeza que seria o responsável por conduzir Joana na valsa dos quinze anos mas, alguns meses antes, ela anunciou que seu príncipe seria outro. Quando soube da notícia, Rodrigo foi direto à casa do amigo Max, que também acompanhava os dois desde a infância. Jurou que não poria os pés naquela festa maldita.



Só que o príncipe virou sapo e deu bolo na pobre menina em cima da hora.



Ela não telefonou. Mas Dona Ana, a mãe, sim.



- Rodrigo. Tinha que ter sido tu desde o começo. Em nome de todas as tortas de limão que tu já comeste aqui em casa: dança a valsa com a Joana!



Fingidamente contrariado, Rodrigo acabou aceitando a proposta e dançou a "maldita" valsa com Joana que, ele nunca esqueceria, estava linda como nunca tinha visto. Alguma coisa tinha mudado e ele não queria mais ser só amigo dela. Seu corpo e sua alma sabiam que não era mais assim. No fim daquela festa, a conversa dos dois tomou outro rumo:



- Eu não ia vir. Tu sabe, né?


- Eu sei. Nem sei por que convidei o tonto do Zé. Acho que eu sabia que ele não ia vir.


- Por que não me convidou primeiro então?


- Porque eu não sei o que tá acontecendo com a gente. - mentiu ela.



******************



Rodrigo hesitou por alguns instantes para depois continuar.


- Bom, acho que eu sei o que tá acontecendo.


- Sabe?


- Sei.


- E o que é?



Ambos olhavam para a linha do horizonte, sem manter contato visual.



- Eu acho que não quero mais ser teu amigo. Acho que quero ser teu namorado.



Joana se permitiu sorrir.



- Eu acho que quero ser tua namorada há um tempo já também. Mas tu é tonto e demora pra perceber as coisas.



Rodrigo não esperava pela resposta, mas manteve a pose pra dizer:



- Ah, tu me acha tonto? Acha que um guri tonto faria isso?



Beijou Joana sem jeito, mas com todo o amor que tinha no coração. Era o primeiro beijo dos dois, no terraço do Clube Esportivo Milonguense, sob a luz das estrelas. Começaram a namorar naquela noite mesmo. Rodrigo foi, todo nervoso, pedir permissão a Seu Valdir e dona Ana que, rindo muito, disseram que estava tudo certo.



Um ano depois, Rodrigo e Joana fizeram amor pela primeira vez. Com medo e vontade. E ficaram felizes por poder estar com alguém que confiavam tanto.



Depois de cinco anos de namoro, se casaram na igrejinha da cidade e decidiram se mudar para Novo Porto, uma cidade algumas vezes maior que Milonga a cerca de 110km dali.



Tudo parecia tomar o rumo perfeito. Joana, com a ajuda dos pais, abriu uma loja de cosméticos numa sala pequena do subúrbio da cidade.



Rodrigo começou como office boy da Rádio Novo Porto e, em pouco tempo, estava realizando seu sonho de ser locutor. Naquele momento, o programa musical que apresentava supria sua necessidade. Mas o que ele queria mesmo era trabalhar em uma rádio de notícias. A faculdade de jornalismo, que cursava na cidade, o encantava como poucas coisas na vida.



Joana queria fazer a loja crescer. Depois de algumas empreitadas bem-sucedidas, conseguiu contratar a amiga Cristina, que conheceu na faculdade de administração, para ajudá-la.




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Rodrigo trabalhava das 9h às 13h comandando o programa e das 14h às 18h ia para a área comercial da rádio vender anúncios. Não era exatamente a vida que gostaria de ter.


Joana chegava em casa depois das 22h, sempre morta de cansada.



Com o tempo, a rotina fez os dois sucumbirem à tentação quase irresistível de descontar o estresse do dia a dia em quem está mais próximo. A crise dos sete anos quase acabou com o casamento. A crise dos oito foi mais forte. Na crise dos nove eles apenas se suportavam. No dia em que completaram dez anos de casados, depois de quinze anos juntos, decidiram que era hora de se separar.



Não conseguiam, nem de longe, enxergar aqueles dois jovens que se gostavam tanto. Eles tinham sido enterrados no passado. A notícia foi um choque para os pais em Milonga, mas não havia mais o que fazer. Tentaram de tudo. Os últimos quatro anos tinham sido muito difíceis e, por respeito ao que viveram, decidiram seguir seus rumos sozinhos antes que as últimas coisas boas que tinham sobrado também fossem enterradas.



Depois de dois meses de conversas por meio de advogados, o dia chegou. E, mesmo que a relação não tivesse mais condições de dar certo, doeu assinar aqueles papéis. Doeu pôr fim a uma história que ocupou metade da vida de cada um.



A audiência acabou e Rodrigo passou mais cedo no antigo apartamento para pegar seus últimos pertences. Ia morar com Max. O amigo lhe estendeu a mão e disse que a casa dele estava à disposição. Depois de pegar as últimas roupas e se despedir com uma olhada rápida para o apartamento e todas as lembranças que ele evocava, Rodrigo saiu e deixou a chave no lugar de sempre.



Joana saiu da audiência e foi direto para a loja. Chorou no abraço de Cristina. A amiga acolheu o sofrimento. Por fim, olhou para ela e disse:



- Quem sabe não é a chance de viver uma vida nova? Tenta focar nisso, amiga.


- É, pode ser. - disse Joana.



Na casa de Max, Rodrigo foi recebido com cerveja.



- Eu não quero saber de tristeza, meu velho. Já deu. Vocês dois fizeram o que era melhor pra vocês, agora é vida nova.


- Acho que sim. - disse Rodrigo, aceitando uma long neck oferecida por Max.


No balcão da loja e no sofá da casa de Max, o pensamento era parecido: o que fazer agora?



Meu caminho sem você Onde histórias criam vida. Descubra agora