Capítulo 26

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A moça tinha um acento nordestino leve na fala que a tornava ainda mais interessante. Rodrigo estava radiante e já tinha ignorado a brincadeira. Pra falar a verdade, tinha achado meio engraçado mesmo o senso de humor dela. Ele parecia um mendigo desesperado por uma migalha de língua portuguesa.

Se permitiu rir junto com ela para só depois continuar:

- Desculpe chegar aqui como um desesperado. É que tô há três meses aqui e não falei português com ninguém ainda. Tô achando que vou ficar com aquele sotaque americano que os programas de humor fazem lá no Brasil. Você é de onde?

- Sou do Ceará, Fortaleza. Com muito orgulho. E você?
- Sou do Rio Grande do Sul. Novo Porto. Com muito orgulho também.
- Não gostaria de entrar para tomar uma xícara de café?
- Pois não seria muito incômodo?
- É claro que não.

Os dois riram muito. A referência a Chaves parecia ter repatriado Rodrigo. Ele continuou:

- Tu é das minhas, guria.

No Brasil, Artur continuava nervoso conversando com Joana. Ela tentou conduzi-lo:

- Artur, você nunca fez isso?
- Fiz. Fiz sim. – respondeu ele com sinceridade.
- E então? Qual o problema? Tu não gosta de mim?
- Não diga isso nem de brincadeira, Joana. É a coisa que eu mais quero na vida.
- Mas o que tu sente? Pode contar comigo, lindo...
- É que tu é a guria mais linda que eu já tive a possibilidade de ter. E, por isso, a ansiedade me consome. Eu não aceito que seja menos que perfeito pra você. E isso me trava.
- Vamos fazer uma coisa então?
- O quê?
- Tenta pensar um pouco menos. Sou eu. A Joana que tu conquistou de um jeito estranho, mas que agora quer muito estar contigo. Eu não vou te cobrar nada. Eu só quero que seja um momento bonito pra nós dois. Não precisa ser perfeito, Artur. Deixa o teu coração te levar.
- Eu te amo, Joana. Nos bilhetes eu disse coisas parecidas com isso, mas não são nem próximas do que eu sinto agora.
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Joana sabia que sentia algo muito forte por ele, mas evitou dizer que o amava, por mais que já acreditasse nisso dentro de si. Preferiu calar Artur com um beijo ardente e que evoluiu como era esperado.

Artur já não estava tão tenso. Convertia sua tensão em uma naturalidade que surpreendeu Joana.

Definitivamente, quando calmo, ele não era tão ingênuo assim. A noite foi incrível para os dois.

Artur adormeceu, Joana permaneceu um pouco acordada, repousando sobre o peito dele. Tentou afugentar o pensamento, mas era inevitável pensar que Artur tinha muito de Rodrigo. Talvez por isso tivesse se entregado tanto. Era o tipo de homem que ela verdadeiramente procurava.

O pensamento em Rodrigo não era romântico. Era de gratidão. Um desejo de que ele ficasse bem lá fora, porque ela estava bem aqui. Não existia a possibilidade de cortar pela raiz o carinho que nutria por quem passou metade da vida ao seu lado.

Ficou acordada por mais alguns instantes pensando em como será que Rodrigo estava se virando fora do Brasil. Adormeceu.

Em Nova Iorque, Rodrigo e Larissa conversavam sobre suas vidas.

- Então, eu cresci numa cidade do interior, chamada Milonga. Me mudei pra Novo Porto com 20 anos, quando casei. Levei mais tempo que o normal pra me formar e, depois, dei um tempo nos estudos. Acabei me divorciando e, no fim das contas, ganhei uma promoção da faculdade onde estudei pra estar aqui. Sempre foi um sonho meio inconsciente, sabe? Eu nunca tive isso bem claro pra mim mas, agora que tá acontecendo, tem sido incrível.

- Você demorou um pouco pra fazer tudo isso, né? Te faltou um pouco de foco sobre o que queria fazer. Eu entendo. A maioria das pessoas não desenha bem o que quer fazer da própria vida.

Rodrigo achou a colocação meio rude para alguém que tinha acabado de conhecer e ficou em silêncio por alguns instantes. Larissa se desculpou:
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- Ai, minha língua. Desculpe. É que eu não costumo mandar recado, sabe? Aprendi a ser assim na vida e às vezes acabo dizendo o que penso sem muito filtro, sem levar em consideração que a vida das pessoas pode ter sido diferente da minha.

- Tudo bem. Eu entendo. Mas eu não me arrependo de nada. Acho que tudo aconteceu no tempo certo, sabe?

- Sei. É que eu nunca tive muito essa escolha na vida. Nasci no sertão. Mas desde muito menina sabia o que queria da vida. Queria me mudar pra uma capital, morar fora, dar uma vida mais digna pra minha família. Eu caminhava quase dez quilômetros pra ir até a escola mais próxima, mas isso nunca me incomodou, porque eu sabia que era um meio pra um fim. Estudei feito louca e consegui uma bolsa na faculdade federal. Ao mesmo tempo, entrei num programa trainee de uma multinacional e com 20 anos eu já ganhava salário de cinco dígitos. Aí as coisas foram acontecendo, sabe? Consegui dar uma casa boa pra minha família e também pagar essa bolsa aqui à vista. Teve desconto. Enfim. Eu não conto essa história pra que sintam pena de mim, mas é que tenho horror a vitimização. Mas não foi o seu caso. Eu que me precipitei. Você não se vitimizou, só falou a ordem em que as coisas aconteceram e eu saí atropelando. Me desculpe mesmo.

- Imagina. Sem problemas. A sua história é muito bonita mesmo. Tem mais é que contar pra todo mundo.

Larissa sorriu. Rodrigo também. Ele continuou:

- Bom, eu tô no apartamento aqui da frente. Quando quiser conversar, estou sempre por aqui quando não estou no campus. Tu já percebeu que eu não precisei de muito convite pra vir bater na tua porta, então, fique à vontade pra fazer o mesmo.

- Tá bem. É muito bom perceber que quando a gente tá fora do Brasil e encontra um brasileiro rola essa empatia imediata. Lá dentro às vezes a gente não é tão simpático uns com os outros. É uma pena.
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- É mesmo. Eu cresci no interior, então sinto muita falta dessa convivência com pessoas próximas. Tem sido o mais difícil pra mim por aqui. Espero que possamos ter boas conversas.

- Teremos. Eu tenho certeza.

Larissa acompanhou Rodrigo até a porta, se despediram com um aperto de mão e ele voltou para seu dormitório.

No Brasil, na sala de Olavo e Cristina, uma conversa decisiva acontecia em meio a muitas lágrimas:

- Eu te amo muito. – disse ela.
- Eu também. – disse ele. – E é por isso mesmo que acho que temos que fazer isso.
- Como assim? Por a gente se amar a gente tem que se separar? Não faz nenhum sentido!
- A gente se ama, Cristina, mas não é mais como antes. A gente tem carinho um pelo outro, mas tá muito evidente que nenhum de nós dois tá feliz. Eu quero muito te ver feliz, mas não consigo mais te fazer.
- Tu tem outra mulher? – perguntou Cristina, muito brava.
- Olha bem pra mim. Tu acha que eu seria capaz de fazer isso contigo?
- Não. Não seria. – disse Cristina, mais calma.
- Vamos fazer isso de um jeito amigável. Eu vou te respeitar e querer o teu bem sempre, Cristina.
- Eu também, Olavo.

Se abraçaram e deixaram as lágrimas rolarem vigorosamente.

Meu caminho sem você Onde histórias criam vida. Descubra agora